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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 20 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Tempo das fogueiras Alberto Sena Quando chegava o mês de junho, na casa da Rua São Francisco, em Montes Claros, era o tempo das fogueiras. Coincidia que pai Zé Bitaca havia buscado caminhão de lenha pelos lados do Rio Verde, e armava fogueira caprichada. Ele punha duas toras embaixo para sustentação e as mais finas por cima. Acendia a fogueira com capim e gravetos. A fogueira ardia durante boa parte da noite, até não aguentarmos mais ficar de olhos abertos por causa da fumaça e do sono. Era impressionante observar as línguas de fogo. Nós ficávamos imaginando uma porção de coisas olhando a fogueira. Às vezes o fogo ficava azulado, noutras vezes avermelhado também. O fogo queimava a lenha, mas parecia arder era dentro do peito da gente. Os adultos não entendiam nada da arte de contemplar fogo. Diziam coisas do tipo: ‘Menino que mexe com fogo urina na cama à noite’. A tradição lá na casa de dona Elvira era fazer fogueira e hastear o mastro de Santo Antônio, porque o meu irmão caçula, nascido em 11 de junho, foi batizado com o nome desse grande ‘doutor da Igreja’. Santo Antônio ganhou a fama de casamenteiro, mas ele tinha outras qualidades além dessa, como o dom da ubiquidade, ou bilocação. Acontecia de ele estar no ambão da igreja fazendo a homilia e no mesmo tempo ser visto em outro lugar atendendo aos pobres. A fogueira de Santo Antônio era acesa assim que o manto da noite descia sobre a nossa rua. E era bom ver a rua cheia de fogueiras acesas. A meninada se esbaldava. Atiçávamos o fogo em busca de brasas para estourarmos traques e as labaredas cresciam e cuspiam para o alto as chispas da lenha seca, como num espetáculo de chuva de estrelas. Estalávamos bombinhas de salão até na testa uns dos outros. Mas foguete era só para os adultos, e assim mesmo no momento em que o mastro era erguido em meio às orações puxadas por dona Elvira. O mastro ficava no quintal, próximo do coqueiro macaúbas e do quaradouro de roupas. Era bonito ver a figura de Santo Antônio lá em cima, com enfeites de papel de seda. Quando ventava o papel de seda tocado pelo vento fazia ruído semelhante ao dos papagaios ou araras que empinávamos quando era chegado o mês de agosto. Enquanto a fogueira ardia em frente da casa recuada do alinhamento da rua, nós nos sentávamos ao redor do fogo e mãe servia pé-de-moleque, doce de amendoim moído, doce de leite, biscoito fofão feito de polvilho azedo, biscoito de coco, canjica e nem sei mais o quê. Descobrimos que era instigante soltar traque dentro de latinha. Riscava o traque em caixa de fósforos e enquanto a pólvora do estopim chiava, púnhamos a latinha em cima e saíamos de perto. O traque estourava e arremessava a lata para cima. De um traque passamos a soltar dois e até três traques dentro da latinha e o estouro era maior. Acontecia até de arrancar o tampo da lata. Não fosse a noite própria para esse tipo de brincadeira, o barulho seria de assustar. E para mostrar quem era o tal, fazíamos experiências várias: uma delas era saltar fogueira. Outra era soltar traque na mão. Dava uma sensação estranha entre os dedos. E então os adultos diziam: ‘Isto arrebenta a mão’. Outra coisa ainda mais perigosa nós fazíamos: soltar traque entre os dentes. E de novo os adultos aconselhavam: ‘Isto quebra os dentes’. Como que nós não fazemos hoje parte do grupo dos desdentados, só Deus poderá explicar. Mãe fazia fogueira para celebrar Santo Antônio, mas o dia de São João era o mais concorrido. Na Rua São Francisco e adjacências, naquela época, meados da década de 1950, nenhuma casa ficava sem a sua fogueira. Parecia o período das queimadas, quando os agricultores e os pecuaristas costumam pôr fogo no mato a fim de preparar o terreno para plantio de feijão e capim. Na manhã seguinte, a meninada acordava e ia para a porta da rua a fim de ver o que havia sobrado das fogueiras. Encontrava um monte de brasas e alguns tocos fumegantes. Havia quem tinha a coragem de espalhar as brasas pelo chão e andar sobre elas sem queimar os pés. De duas, uma: essas pessoas não sentiam dor ou tinham a sola dos pés grossa demais. Mas pode ser também que soubessem distinguir o momento certo em que as brasas atingem um ponto em que não queimam como fazem os indianos cuja cultura o menino conheceu depois a partir dos livros de Mahatma Gandhi e de yôga.

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