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Mensagem: Foi Alberto Sena “fucutar” de Belo Horizonte e Wander Pirolli reapareceu completo, genial, nesta segunda de infinito céu azul em M. Claros. Manhã que guiará a tarde ensolarada de sempre no burgo que ele amou, e aonde veio muito, muito, nos últimos anos de vida – vida intensa. Um dia, percorreremos juntos, novamente na companhia de Raquel, os caminhos cúmplices que juntos fizemos por estas ruas e praças. Agora ainda é cedo. Assim, eis que volta na bela manhã este imenso Wander, tão bem evocado por Alberto. Em 2008, dois anos depois que “passou à imortalidade”, a outra, Tião Martins – editor do Estado de Minas, como Wander, como Alberto – encomendou uns ´recuerdos´ para o livro em torno do mestre incomum, ícone de uma geração. Dói - por certo dói, rechamar os amigos que já não podemos ver, mas que continuam a existir – e cujo nome nunca será apagado de nossas agendas, para ficar na imagem que é do próprio Wander. Mas Tião, sempre bom, encomendou e preparei umas linhas. São as que seguem. Se as republico agora, a culpa certamente é de Alberto Sena, que não pode assim, brusco, invadir o céu azul de uma segunda-feira do sertão. Céu infinitamente anil - reparem, por favor. A só companhia de Wander, por alguns anos, já é suficiente para justificar qualquer vida. “Quando não se tem a alma pequena – resmunga o poeta, do lado de lá da montanha que querem desventrar. A Wander: 26/8/2008 13:50:42 Desculpai todos, mas Wander foi o melhor Paulo Narciso Wander Pirolli, nome curto para um legado enorme. Quando morreu Monzeca, também chamado de Hermengildo Chaves, Ayres da Mata Machado Filho pediu licença para ser enfático - “desculpai, mas Monzeca entre nós foi o melhor”. O mesmo peço permissão para dizer. Wander Pirolli, em tudo (editor, escritor, amigo, Homem) foi, de nossa geração (a dele, um pouco antes), o melhor de todos. Já o conheci quando o autor da “Mãe e o Filho da Mãe” entrava nos 40 anos e eu, seu repórter na Editoria de Polícia do Estado de Minas, nos 20. Foi Wilkie Rodrigues (por Wander batizado de “embaixador senegalês”) quem me segredou, com cerimônia e cumplicidade: “é o genial Wander, escritor”. Nada sugeria o intelectual. Sua simplicidade não cabia no molde do contista mineiro, classe que atingia o topo da glória naquela quadra. Despojado, sem preocupação com o apuro em vestir, camisas eternamente queimadas por cinzas de cigarro, era o cidadão comum, um operário, origem da família italiana da qual se orgulhava, e cuja saga está no autobiográfico “A Mãe e o Filho da Mãe”. No time de futebol bissexto da redação, era o único que jogava descalço, sem prejuízo de chutar forte com o dedão levantado. Perguntado se pretendia chegar à Academia Brasileira de Letras, respondeu afirmativamente. - Sim, quando estiver entrevado. Nada, repito, nada até os últimos dias indicava que o homem modesto era o escritor Wander Pirolli, admirado em toda parte, por tantos. Foi o pai incontrastável de uma legião de colegas que o terão para sempre como referência absoluta. A partir do primeiro encontro no jornal, acompanhei-o vida afora, de perto. Admirei-o como campeão da escrita enxuta, dos tipos mais humanos que vi, e como titulador (de notícias) sem igual. No encontro que promovi entre os dois, o esfuziante Darcy Ribeiro o saudou, dizendo que seria o escritor número um do Brasil se tivesse a “concisão” de Wander. Sem esforço, uma multidão de manchetes feitas por Wander retorna de muito longe: “Samurai da Vasp cai nos grotões de Maria Bonita”, “Fórum fecha, ou toma jeito”, “A esperança muito passageira do Trem do Sertão”. (Aqui, é forçoso lembrar que o título do livro “Os Rios Morrem de Sede” deveria ter sido – e fui voto vencido – “Bumba, Meu Rio”. Mas, nem todos saberiam que “Bumba” é o doce apelido do menino filho de Wander, que na pescaria com o pai viu o caudal minguar e quase morrer, de sede). Quando retornei à minha M. Claros da infância, pelo fim dos anos 70, a distância mais nos aproximou, anulada pela admiração que sua conduta incomum inspirava, de homem natural no convívio com os semelhantes-dessemelhantes. Wander distinguia os amigos, e foi constante nas visitas ao sertão para descansar na casa que era do seu gosto despojado. Amava viver, tanto que nas raras visitas que fazia ao médico pedia desculpas por não ter nada para se queixar, por não sentir doença alguma, nem dores, no corpo vigoroso e na mente privilegiada, apesar do cigarro e do exagero na bebida. Foi na casa montesclarense, na companhia de Ricardo Eugênio, o “Dindorim” do Estado de Minas, que justamente sentiu o primeiro sinal do AVC progressivo que o levaria em 2006, com direito de usar boné no aceno derradeiro. Nosso último encontro, uma viagem, permanecerá como cerimonial não previsto de uma despedida, de quem não partiu, nem partirá. Pedi sua companhia para visitar a casa em reconstrução de CDA em Itabira, assim como o museu do poeta prestes a ser inaugurado. Wander aceitou viajar, com alegria. Na saída de casa, ainda falava com dificuldade, seqüela da doença que preservou sua mente, mas dificultou-lhe a fala e, progressivamente, a escrita, isolando-o em casa. O gigante já prisioneiro do próprio corpo. Ao deixar-mos uma BH corrompida de favelas, no campo aberto do caminho, por algum prodígio Wander recuperou a integral capacidade de falar e expressar-se. Admirei a mudança, e chamei a sua atenção. Ele notou que falava de novo sem peias. Mistério. Viajamos mansamente numa descansada trilha do passado, onde nada deixou de ser lembrado, como se ali inventariássemos a vida, ainda muito cedo para balanços. Falou, discorreu, avaliou, refletiu, fez de tudo - na ida e na volta, como nos velhos tempos. Apenas ao chegar à cidade de Itabira, por razão que também desconheço, teve novamente passageira dificuldade para se expressar, limitação descartada na viagem de volta. Ao deixá-lo na porta de casa, ainda na Serra, quando seu corpo levemente pendeu, não sabia que ali nos despedíamos. Levava debaixo do braço um São Francisco de Assis, do primitivo Assunção, barbeiro centenário, que visitamos. Fisicamente nos despedimos, apenas. Recebia dele originais de livros e, com freqüência, cartas e e-mails – pois Wander quis driblar o isolamento com ajuda da internet. Certa vez, me lembro, ao descrever Paulo Lott, ainda nas reuniões informais da Editoria de Polícia do jornal (que o grande Fialho Pacheco chamava ironicamente de “petit comitê”), Wander refletiu, referindo-se a Lott, também cria sua: -Este Peclot (resumo de Paulo Emílio Coelho Lott) ocupa o lugar exato no espaço. Recomponho a frase, e revejo o elogio, sincero e preservado, que ela esconde. O poder de síntese e de sabedoria para descrever o amigo que admirava talvez seja a melhor definição do próprio Wander, o tóteme que conheci, o intelectual sem afetação, humanista sem placa, gênio cuja natural modéstia dispersava aclamação e reverência. Desculpai todos, mas Wander foi o melhor.
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