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Mensagem: MULHER DAMA Ucho Ribeiro Nandinho só queria saber de bola. Já acordava catando as figurinhas da copa para na escola trocar e jogar bafo. No recreio, batia uma bolinha no pátio e comentava com os colegas os jogos que ouvira no rádio. Era um ufa para fazer o dever de casa, pois o sentido estava todo na pelada, no campinho de terra, ali pertinho. Só caia na real quando a cozinheira Joana berrava: “Nando, tá na hora da janta!”. Pois não é que um dia, no final da tarde, Seu Procópio, o pai, foi buscá-lo no campinho? Nando estranhou aquilo, mas, obediente, o seguiu até a casa para tomar banho e vestir uma roupa. O pai mandou-o trocar a calça curta por uma comprida de homem, com corrião. Não ousou perguntar ao velho aonde iam. Foi, mudo, espiando o trajeto. O carro tomou o destino do Alto São João. Bem depois da linha, virou à direita e depois à esquerda, para o bairro Esplanada. Desembocou numa rua mal falada e Nandinho pensou, imaculado: “É por esses lados que tem uma casa de muié dama da zona.” E não é que o carro parou bem em frente à famigerada casa? Foi um susto. O pior é que Seu Procópio disse: “É aqui que minino vira homem. Desapeie!” Abriu o portão e conduziu o garoto cabisbaixo pelo braço. A entrada, um patiozinho cimentado, tinha umas mesas vazias e umas mulheres sorridentes de camisolas. O som tocava “O Bom Rapaz” de Wanderley Cardoso e uma moça novinha, descalça, com vestidinho curto e a calcinha aparecendo, encerava o cimento vermelho. Cantava e ria: “Parece que eu sabia, que hoje era o dia, de tudo terminar...” O menino achou que era para ele, mas não retribuiu o sorriso. Nisso, a cafetina, que atendia a única mesa ocupada, apareceu, toda gentil, cumprimentou Seu Procópio e ao pegar no queixo do menino perguntou: “É este o garoto, o rapaz, que falaste? Se puxar o senhor vai dar muito trabalho pras meninas!”. “É, é este o galinho que vai entrar na rinha!”, respondeu o velho. A senhora mais idosa saiu à cata das moças, batendo nas portas. Reuniu umas cinco mulheres, todas quase despidas, umas despenteadas, outras meio arrumadas, uma até segurava um aparelho gilete de raspar as pernas. Duas eram morenas, uma mais escura, menos alta, e a outra mais pra gorda. As outras três variavam de tamanho, peso e cabelo. Tinha uma bem seca com rolinho na cabeça; uma outra, bitela em tudo, das pernas ao nariz; e a quinta, meio leque-treque, escorada na parede, fumava. Atrasada, chegou mais uma, loura, de vestido escarlate, que deve ter demorado para arrumar-se. O pai, então, determinou: “Escolhe uma aí, Fernando, menos a de vermelho, esta tem dono”. Nandinho, perdido com tanta novidade e falta de experiência, ficou numa dúvida danada. Nem queria aquilo! Mas como não querer na frente do Pai? Tinha que escolher, mas escolher o quê, meu Deus, como, quem? O velho olhava, levantava a sobrancelha, cobrando a escolha. O menino suava frio e não sabia o que fazer. Até que disparou: “Aquela!” Escolheu a Bitela, pelo menos podia explicar depois o porquê: era a mais grandona. A dona do bordel, então, tomou a frente e disse: ”Menina, leva o rapaz e capricha. Tira dele o melhor, sem pressa, viu?” A moça se apresentou: “Me chame de Claudete, Dete.” E foi levando o Nandinho para o abatedouro. Na voz de Nelson Gonçalves, a vitrola prenunciava: “E tudo à meia-luz. Para brindar o amor. À meia-luz dos beijos. À meia-luz nos dois. E tudo à meia-luz. Crepúsculo interior. São suaves os desejos. À meia-luz do amor”. O menino entrou no quarto de meia parede, sem forro, ouvindo seu Pai contar potocas para as desescolhidas e para um amigo recém chegado. Nando, perdido e meio, tirou os sapatos e se encolheu no fundo da cama. Ficou com o queixo nos joelhos, abraçando as pernas. Enquanto esperava o que Claudete iria fazer, viu as paredes cobertas de cartazes da Contigo: Jerry Adriani, Odair José, Evaldo Braga, Ronivon. No chão, ao lado da cama, havia uma bacia, uma jarra, papel higiênico, uma toalha pendurada na cabeceira e, numa velha mesa, uma casinha que dava teto a uma imagem minúscula de Nossa Senhora Aparecida. No mais, apenas uma folhinha da Casa Amaral, um gato de porcelana e um armário caindo aos pedaços. No espelho descascado, Nando se viu acocorado, triste, acuado. Dete olhou para ele com um sorriso malicioso e apagou a luz. Nandinho, com as mãos geladas, ainda assistiu, no fusco da claridade vinda do outro cômodo, a moça tirar a roupa em ritmo burocrático. Na pouca luz, assustou-se com a escuridão que havia entre suas pernas, não imaginava que lá havia tanto cabelo. Mas a sua falta de saber piorava ao ouvir a voz do pai Procópio se avantajar: “No meu tempo, era assim, assado, patatí patatá “. Ai, a Bitelona ajoelhou-se na cama e engatinhou em sua direção, com os úberes soltos, dependurados em banlangandã. Sua sombra projetou na parede uma giganta, uma tarântula, uma vaca de pernas e braços. Nandinho lembrou-se de seu pintinho bico de chaleira e murchou mais ainda. Teve vontade de chorar. A moça percebeu, passou a mão na sua cabeça e ajeitou o seu topete. Tentou acalmá-lo, desenroscá-lo, espichá-lo. Com dificuldade, conseguiu que ele deitasse na cama e foi desabotoando seus botões, primeiro os da camisa, depois os da calça. Por cima da parede, Nando ouvia gargalhadas, a voz rouca do Pai, o cheiro da fumaça do seu Beverly e o lamento de Nelson Gonçalves: “Negue seu amor, o seu carinho. Diga que você já me esqueceu. Pise, machucando com jeitinho...” Despido, teve o primeiro contato com um corpo de mulher. Achou-o frio, a pele era lisa, parecia barriga de jia. Não sabia no que estava pegando. Confundia barriga com bunda, joelho com cotovelo. Assustava-se quando esbarrava nos pêlos crespos. Nada dava certo. Dete queria ajeitá-lo, desembolá-lo, mas o menino não entendia, não sabia donde começar, de que lado, por cima, por baixo? Quando imaginava estar a lamber os peitos de Claudete, estava com a boca em seu cotovelo. A tragédia e os desencontros rolavam ao som da voz paterna e do vinil de Nelson Gonçalves: “Boneca de trapo, pedaço da vida, que vive perdida no mundo a rolar. Farrapo de gente, que inconsciente peca só por prazer; vive para pecar...” Nando teve arrepios, excitações, lampejos de ereção, mas tudo esmorecia quando caia em si, ouvia a voz do pai e percebia onde estava e o que estava fazendo. Tinha mulher demais na cama, onde tocava tinha corpo, perna, braço, pé, peito, barriga, cabelo, bunda. Demorava identificar cada parte. Nandinho não conseguia juntar aquele quebra-cabeça de membros e formar uma rapariga. Rodopiaram na cama algumas vezes e não conseguiram encaixar sua chocha ferramenta. A Bitela chegou a ficar imóvel umas duas vezes, na tentativa de ajudá-lo, de acalmá-lo, mas nada adiantava. Subiu em cima, ficou por baixo, de ladinho, de bruços, cachorrinho, mas neca. O jeito foi desistir. Dete levantou-se, vestiu-se, depois ajudou-o a se vestir, a amarrar o sapato, mas não saiu do quarto sem antes dar um beijo carinhoso em sua testa. Ao fundo, o menino ouviu Evaldo Braga no seu lamento: “Sinto a cruz que carrego bastante pesada. Já não existe esperança no amor que morreu...” Saíram do quarto juntos, ela abraçando a criança envergonhada, que olhava para o chão. Seu Procópio, dono do pedaço, abraçado com a dama de vermelho, ao vê-los perguntou: “E aí, como foi o desempenho do moleque? Deu pro gasto?” Dete, profissional de muitos carnavais, pontuou: ”Quem é o senhor, Seu Procópio, o menino é fogo no boné do guarda. Quase me mata, me chuchou todinha. Vixe Maria! Parece potro bravo. Este tem que ser amansado é aos pouquinhos. Só faltou relinchar!” O Velho ficou cheio, todo-todo, serviu o primeiro copo de cerveja para Nando, acertou a conta, gratificou Bitela e a cafetina generosamente e com um olhar se despediu da sua rapariga. Voltaram em silêncio para casa. Nandinho foi direto para o seu quarto, trancou a porta e só aí tomou pé do ocorrido. Aos poucos foi lembrando dos detalhes, dos floreios e foi revivendo tudo na palma da mão. “E aquela hora que eu quebrei ela de banda? E aquele beijo demorado, molhado? Melhor foi quando eu a pus de quatro... ai, ai. Acha que mexer com Nandinho é brincadeira?”
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