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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 18 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Iniciação e tormento do jovem Geraldim Haroldo Costa Tourinho Filho “Mãe, temos alguma encomenda de dona Fatinha?” “Só para o mês, quando se aproximar a Exposição Agropecuária...”, respondeu a senhora de meia idade ao caçula. Suspendeu a feitura das barras de uma calça de homem, desligou a lâmpada da velha e incansável companheira Singer e suspirou. Sabia o porquê da indagação do garoto. Pensava que sabia... Também ela andava necessitada de uns cobres extras, que viriam providencialmente das meninas da casa de sua melhor cliente, a caftina Fatinha. Dinheiro certo, mentalmente contabilizado e prestes a entrar no caixa. Sim, podia sair por aí – e já não era sem tempo – a comprar fiado revistas de moda em seu Ducho, cortes de fazenda em dona Mercês, vidrilhos, miçangas e rendas no armarinho do português. Quase toda a comunidade faturava com o evento agropecuário e ela, com as encomendas que se sucederiam, veria as burras cheias. Nessas ocasiões, chegava a contratar algumas auxiliares para dar conta do recado. Ou dos bordados... Dias e noites de festa, coincidindo com o aniversário da cidade, transformavam a pequena Montes Claros num Cafarnaum. Fazendeiros, compradores de gado, leiloeiros e agiotas, peões destemidos, foiceiros e vaqueiros, barraqueiros, vendedores ambulantes, músicos e cantores, repentistas, mágicos, o homem das cobras, golpistas de todo naipe, batedores de carteira, gigolôs e rufiões advindos de recantos próximos e da Bahia acorriam à cidade, que se engalanava para recebê-los. A prefeitura caiava árvores e meios-fios, aguava ruas para sufocar o poeirão e não poucas casas viam-se repintadas. Levas de estudantes e putas, estas até mesmo da longínqua São Paulo, desembarcavam diariamente na gare da Central do Brasil. Dias e noites de festa, quando campeavam negócios de toda sorte, crimes por vezes graves, jogatina e bebedeira desenfreadas, libertinagem sem rédeas. Um deus nos acuda! Geraldim não atinava para nada disso. Nem mesmo se lembrava da derradeira Exposição, pois é certo que, aos treze anos, a memória é curta. Recordava, sim, e como!, aquele memorável final de tarde, dois, três meses atrás? Parecia-lhe uma eternidade! Passara, desde então, a reconstituir, amiúde e compulsivamente, através do simples pensamento e do movimento das mãos, o ocorrido naquele inenarrável entardecer. Batia bola com a molecada em frente a casa quando a mãe o chamara. Que se banhasse, se arrumasse e se penteasse para fazer a entrega de um vestido à dona Fatinha. Ah, largara o jogo em segundos, na expectativa da gorjeta. Daquela vez, quanto seria...? Transportara o embrulho de papel de seda como se fora uma bandeja, estendido, para não amarrotar a roupa – recomendação da mãe. Transpôs o portão e o jardinzinho de dona Fatinha, chegou ao alpendre e tocou a campanhia. Um gordinho saltitante, mistura dos dois sexos, abriu-lhe a porta. Era o Djalma, de quem lhe contaram que fazia indecências com meninos mais velhos. Que não tivesse a ousadia! Atmosfera pesada... No salão, homens e mulheres fumavam e bebiam e dançavam e riam envoltos na penumbra por densa fumaça. Cortinas de veludo escarlate vedavam parcialmente o recinto. Na eletrola, o bolero sucesso das paradas: Boneca Cobiçada. “Madame encontra-se em seus aposentos, vamos até lá”, disse o andrógino tomando-o pela mão. Anestesiado pelo cenário deixara-se conduzir, mas, caindo em si, desfez o enlace e enfiou a mão num bolso. Ah, besta ele não era... Os aposentos da afamada proxeneta ficavam entre dois banheiros ao final do corredor. Haveria ali uns vinte quartos... Dona Fatinha ocupava um banquinho redondo diante do espelho de ampla penteadeira, repleta de potes de beleza, escovas de cabelo, perfumes e bibelôs. Achava-se em roupa de baixo: corpete vermelho, ligas e meias pretas. Nos pés, pantufas cor de rosa. Pediu que ele tomasse assento e a Djalma que se retirasse. Logo o atenderia, ao acabar de se maquiar. Sentado naquela poltrona cuja almofada afundara gostosa e lentamente com seu peso, correu as vistas pelo quarto – ou aposento? – enorme e ricamente mobiliado. Cortinas cerradas, ali a luz solar não penetrava – um lustre de cristal e abajures dispostos estrategicamente encarregavam-se da iluminação. Os quadros chamaram-lhe a atenção: uma sereia sobre a camona de metal dourado, dois querubins se abraçando e uma linda mulher, pelada, de corpo inteiro. Seria dona Fatinha quando jovem...? Pena que uma haste com uma flor, empunhada pela donzela, lhe tapasse o essencial... Só não dava para entender o que faziam ali, no chão, num canto do quarto ao lado da penteadeira, uma bacia com uma jarra dentro. De certo para lavar os pés... “Só mais um minuto, meu anjo, o tempo de aplicar a pinta na bochecha”, disse a meretriz. Súbito, fazendo girar o banquinho, mostrou-se de frente para ele, ergueu os braços num gesto teatral e perguntou: “Então, como estou?” “Linda, maravilhosa, vai abafar no salão!” “Obrigado, meu doce, você é um perfeito cavalheiro. Venha, venha cá dar um beijo na tia!” À sua aproximação ela se pôs de pé. Passou-lhe as mãos pelos cabelos e um lencinho rendado na testa suada. E observou: “Vê-se que o meu homenzinho está botando buço... Cadê o beijo?” Ia dar-lhe um beijo na face rosada, mas a safada se antecipou e colou os lábios nos seus. Imobilizado, não sabia o que fazer. De início o contato labial lhe pareceu bom, mas, quando ela enroscou a língua na sua foi como se uma lagartixa lhe entrasse pela boca. Enjooso, eca! E o assédio prosseguiu: “Você já tem pelos lá embaixo?” “Nas pernas ainda não...” “Digo no pinto...” Ele corou. Ela pediu pra ver. Ele disse: “Tenho poucos, mas raspo e esfrego querosene pra crescerem logo.” Ela riu e comentou: “Isso de nada adianta. É como esses meus cremes, jamais me trarão de volta a juventude.” “Já posso ir? perguntou ele. “Ainda não, preciso que me abotoe o vestido.” Era botão que não acabava mais, da bunda à nuca. Enquanto lutava com as casas ainda virgens, ela propôs iniciá-lo nas artes do amor. Mas não seria a felizarda, e, sim, uma menina recém chegada de Patis. Que ele permanecesse ali, que logo a afilhada viria atendê-lo. Fora bom demais, porém, super rápido. “É assim mesmo”, dissera-lhe a instrutora, “menino novo é como galo, com a prática o gozo vai se estirar.” Tudo acabado, ao ver Mariazinha dirigir-se a um canto do quarto, verter água na bacia, acocorar-se e lavar-se, entendeu a serventia do que antes lhe intrigara. “Correu tudo bem?” perguntou a mãe ao vê-lo de volta não cabendo em si de contentamento. “Sim, e na saída dona Fatinha me serviu doce de mamão com queijo e ainda me deu vinte cruzeiros!” “Guarde-os, ponha no cofrinho, filho. De grão em grão a galinha enche o papo.” “Cofrinho? Saiu um novo álbum de figurinhas e há um mês não vou à matinê do Ypiranga!”

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