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Mensagem: Ruth Tupinambá UM HISTÓRICO SOBRADINHO Ruth Tupinambá Graça Felizmente ainda não foi demolido o sobradinho número 18 da Praça Dr. Chaves, situado ao lado do Centro Cultural Dr. Hermes de Paula. Ele foi construído pelo Padre Paulo Antônio Barbosa, antigo Capelão do Arraial de Formigas, residindo nele durante muitos anos com sua família. Inclusive Dona Carlota Augusta Barbosa (Sá Toró era o seu apelido) avó do grande jornalista Paulo Narciso, foi sua descendente. É um sobradinho histórico pelos grandes eventos ali realizados, entre eles a Estação Telegráfica de Montes Claros em 27/ 10/ 1892. Muitos anos depois, em 1/9/38, veio o Serviço de Telefone Automático. Em 1956 foi inaugurado-pela Empresa Telefônica de Montes Claros - o telefone interurbano, localizado também no referido Sobradinho. O Sr. Hildebrando Mendes, empresário, era seu proprietário e nele já residia com a sua família. Antes dele, meu avô, Cassimiro Xavier de Mendonça, foi proprietário deste sobradinho e lá criou a sua família, vendendo- o depois de muitos anos. Eu tenho boas recordações deste Sobradinho. Foi lá que eu nasci e passei grande parte da minha infância. Meu avô não gostava de barulho (era comodista), mas a minha avó com sua “diplomacia e sabedoria” dobrava o velho e aí então o espaço era todo dos netos... Que eram bem uns vinte! Naquele tempo as famílias eram numerosas (não se evitava filho), embora os partos fossem bem mais difíceis. Era aquela farra quando se ajuntavam os netos da grande família. De entrada, a vovó nos recebia com um delicioso café com leite feito com rapadura queimada, que até hoje sinto o gostinho na boca. Com a gulodice, natural em criança, nossos olhos se esbugalhavam quando ela colocava na mesa aquela variedade de biscoitos caseiros. Tinha um tal de “João Beó”(biscoito de fubá) que era uma tentação. De barriga cheia descíamos a grande escada (escorregando pelo corrimão), que nos levava ao enorme quintal sombreado por árvores frutíferas. As centenárias mangueiras eram a nossa tentação, disputando-se para ver quem alcançava os mais altos galhos pegando as mais belas frutas. Às vezes encontrávamos ninhos de passarinhos e num prazer infantil, quebrávamos os ovinhos só por curiosidade, para descobrir os filhotes lá dentro. A vovó nos passava pito, condenando nossa maldade, pois ela gostava daqueles hóspedes em seu quintal, ouvindo o “dueto musical” que a acordava todas as manhãs. O quintal da vovó era a nossa maior atração e como a nossa cidade não nos oferecia outros divertimentos, além dos brinquedos na Praça, disputando “Chicotinho Queimado”, “Veadinho Quer mel”, correndo em volta do antigo coreto. Tirando a algazarra dos netos, o sobrado era tranqüilo. Uma família muito feliz .Aos domingos era de praxe aquele almoção com o célebre molho pardo ou canjiquinha com costelinha de porco, não faltando o feijão de tropeiro e arroz com pequi. Era mesmo uma reunião de filhos netos e bisnetos e a alegria enchia aquele sobradinho. E sempre, meu avô pegava a sua sanfona de 38 baixos e aumentava a alegria daquela meninada. Minha avó era uma verdadeira “dama”. Sempre alegre, bem humorada, inteligente e encantava a todos . Meu avô era meio “sistemático”, mas não discutia e fazia tudo que a vovó queria. Assim, toda satisfeita, organizava os saraus em família. Lembro-me que meus tios, Tonico, João, e Pedro Mendonça, eram cobiçados pelas “donzelas casadoiras” que já freqüentavam nossa casa, improvisando as danças ao som do violão, cavaquinho e flauta. Meus tios eram mestres nestes instrumentos. Alegres, aqueles saraus, substituindo os Clubes Sociais que naquela época não existiam - nem em sonhos- na nossa terra. Hoje eu percebo que o Sobradinho foi modificado. Em cima, conservaram as mesmas janelas com vidraças antigas, mas nas partes de baixo existiam só portas bem largas. Em toda esta área funcionavam a Fabrica de selas, arreios e um curtume construído por ele, onde descobriu ervas e drogas naturais que selecionava : as empregava na curtição e no processamento dos couros. Produzia em sua fábrica arreios com acabamentos de metal e prata, que nada deixava a desejar aos mais modernos produzidos no século passado. Meu avô foi um homem notável, autodidata em desenho e artes plásticas. Que primor os desenhos estampados nos seus trabalhos, capas de selas em baixo relevo. Mantinha em sua firma uma série de aprendizes que estudavam e aprendiam a sua arte. Prestou assim um grande beneficio aos jovens da nossa cidade que, infelizmente, não tinha nada a lhes oferecer naquele tempo em que o único transporte era o cavalo. O montesclarense que se prezava possuía bons cavalos de sela e um excelente para o cilhão da patroa: era um escândalo uma mulher escanchar as pernas numa sela ao montar em um cavalo. Meu avô tinha o cuidado de fazer um cilhão bem bonito, para cada uma das suas filhas e para minha avó, que eram usados nas idas a Lapa do Senhor Bom Jesus, passeio que ia todo ano com a família. Foi o primeiro da história brasileira, como empresário, a adotar o sistema de férias coletivas para empregados, encerrando seus trabalhos a 15 de Dezembro e retornando a primeiro de Fevereiro. Nestas férias aproveitava para o célebre passeio à Lapa, para visitar o Santo da sua devoção levando uma grande caravana de pessoas amigas, tudo por sua conta, Não admitia que os convidados pagassem um só níquel durante a viagem. Meu avô foi um eterno apaixonado por minha avó que também lhe retribuía com a mesma intensidade. Era um casal bem ajustado, feliz e neste maravilhoso ambiente de amor criou toda a sua família. Dizem que não existe paixão, mas meu avô morreu de uma. Isso eu posso afirmar: não resistiu à ausência da sua companheira. Ela faleceu muito cedo, com apenas 45 anos. No dia do seu sepultamento ele disse chorando: ”Não poderei viver sem Sá Josefina (como ele a chamava) e, de fato, aconteceu. Entrou para o quarto, onde por tantos anos viveu com sua amada e daí só saiu morto, cinquenta dias após o falecimento da minha avó. Com o passar dos anos este Sobradinho foi passando de mão em mão e hoje pertence aos herdeiros do Sr. Hildebrando Mendes. Jamais poderei esquecê-lo, em qualquer parte que eu esteja, ou melhor, que viva! (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).
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