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Mensagem: A Praça dos Jatobás Ontem, sonhei com os jatobás. No sonho, eles voltaram. Era como um retrato antigo, desfocado, amarelado pelo tempo, em que você teima em rever os contornos, a cena, o impacto daquela foto nas suas mais remotas lembranças. Um retrato em preto e branco. Não sei se ainda é tempo de lembrar dos jatobás. Afinal, já se passou tanto tempo. Falamos tanto e não encontramos respostas para nada. Por que lembrar novamente? Afinal, onde foi mesmo que os jatobás se perderam? A derrubada da mata, os tratores revirando a terra vermelha, árvores caindo, o barulho ensurdecedor das escavadeiras duraram todo o dia. Construíram uma nova praça. A praça dos jatobás. As pessoas passavam, olhavam indiferentes. Outras paravam, mudas de espanto e seguiam em frente, silenciosas. A lama preta do asfalto cobriu as raízes das árvores que restaram – era a nova praça. Tempos depois os jatobás começaram a amarelar, as folhas secas se espalhavam pelo asfalto quente, batiam nos carros que passavam, voavam longe levadas pelos ventos secos de agosto. Os jatobás estavam morrendo. Começou então sua lenta agonia – alguém pendurou uma tarja preta, pareciam fantasmas no meio da noite. Apenas uma lembrança. Uma lembrança boa. Um caso encerrado. Uma carta sem resposta. Os jatobás eram as árvores mais bonitas da chapada e pareciam não saber disto. Apenas uma história triste. E a comprovação final de que, mesmo belas, não sobreviveriam sem o calor da mata fechada. Tento tira-las da lembrança. Eles teimam em voltar. Voltam sorrateiras e silenciosas nas madrugadas quentes de agosto. Que falarão estes mudos fantasmas no meio da noite? Pensei um dia em conquistá-las. Pensei que poderia ter algo de divertido nisto. Queria com elas uma fugaz cumplicidade, mas elas não quiseram papo comigo. Não me responderam. Porque não conversamos? Entraríamos em considerações metafísicas, saber o que estávamos verdadeiramente fazendo neste mundo – elas, no calor úmido das chapadas, eu, no calor sufocante do asfalto. Elas continuaram mudas, silenciosas, ensimesmadas. O tempo bem que poderia ter parado para elas. Poderia ter parado para mim também. Agora, nem a primavera pode mais esperar por elas. E nem por mim. Desacelero o meu passo. Caminho rumo as duas árvores. Um triângulo amoroso? Sem cobranças e sem apegos. Já não quero mais a lembrança do nosso desencontro mas do nosso doído encontro – e a certeza de que jamais pertenceríamos ao mesmo mundo. Conviver com fantasmas? Bem lá para trás. Bem para trás. Deixemos as palavras. Em breve e para sempre. Uma despedida para sempre. Um pacto de paz. Um pacto onde as palavras já não fazem mais sentido. Num mundo em que as pessoas são apenas absorvidas por si mesmas, palavras fariam sentido? A história talvez tenha tido o final que merecemos. Já não tínhamos mais nada em comum além das nossas mutuas recordações e os caminhos do nosso desencontro. Outra vez a praça deserta. Outra vez aquela imagem. Ainda essa lembrança. Sabe aquele retrato? Aquele retrato em preto e branco? Ficará para sempre. Mas madrugadas quentes de agosto vou sonhar novamente que os jatobás voltaram. Madeleine Velloso Rebello
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