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Mensagem: UMA DÉCADA AO LADO DE MAURICINHO Felipe Gabrich me pediu que escrevesse uma crônica sobre o tempo em que trabalhei na Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, com o Magnífico Reitor João Valle Maurício, para ilustrar uma publicação comemorativa do cinquentenário da instituição, que hoje é uma das mais conceituadas universidade do país. Viajo no tempo para dizer que minha geração, nascida no pós-segunda guerra mundial, cresceu numa Montes Claros com pouco mais de vinte mil almas, sem um paralelepípedo sequer, onde todo mundo conhecia todo mundo. Os partidos políticos que se revezavam no poder eram PR e PSD. Maurícinho era do PR. Minha família do PSD. E fomos caminhando, juntos, construindo a cidade. A rivalidade entre as facções era intensa, mas respeitosa, com raras exceções. Poucos sectários, intransigentes, quebravam a harmonia social. Quando terminei o antigo curso ginasial, na Escola Normal, ainda não havia o curso científico na cidade. Somente os jovens cujos pais podiam arcar com o pesado ônus de sustentá-los em centros urbanos mais desenvolvidos poderiam continuar os estudos. Em 1960 iniciamos, no Diretório dos Estudantes, sob a liderança de José Gama Dias, um movimento pela criação do curso científico e contamos com o apoio de dois grandes amigos do então governador Magalhães Pinto: Euler de Araújo Lafetá e Alcides Martins Loyola. O Governador veio a Montes Claros e eu fui o orador do palanque, na Praça Dr. Chaves, em nome dos estudantes. Comecei meus estudos do científico no Colégio Santo Antônio, de Belo Horizonte. Logo depois foi instalado o curso em Montes Claros e eu tratei logo, prevendo inclusive uma estrondosa bomba no final do ano, de voltar para meu cantinho. E terminei o científico junto a colegas maravilhosos, que hoje despontam no culto cenário catrumano. E depois? O que faríamos? O mesmo problema anterior nos afligiu. Não havia cursos superiores na cidade. Fui embora para Belo Horizonte e fiz vestibulares. Não só eu, mas muitos moços e moças, em busca do saber. Montes-clarenses, muito poucos, nascidos nos anos 20 e 30 do século próximo passado, de famílias abastadas, com raras exceções, já haviam concluído cursos superiores e exerciam suas profissões na cidade. E nós? O que fazer? Enfrentar a estrada sem asfalto ou as gostosas viagens pelos vagões da Central do Brasil, em memoráveis viagens. Fora de nosso rincão morávamos em repúblicas. Alguns pais até se mudaram ou passaram a ter duas residências para acompanhar os estudos dos filhos. O que seria dessa geração? Ela sonhava, quase toda, em terminar os estudos superiores e voltar para o aconchego de sua aldeia. A gente sai de Montes Claros, mas Montes Claros nunca sai da gente. E foi essa turma, associada a antigos intelectuais da cidade, que deu os primeiros passos para a criação de nossa universidade. Mauricinho e Mário Ribeiro batalhavam para criar a Faculdade de Medicina. Izabel Rebello, Mary e Baby Figueiredo, Sônia Prates e outros por uma Faculdade de Filosofia. João Luiz de Almeida por uma Faculdade de Direito. E estes sonhos, com o decorrer do tempo, foram se tornando realidades. Quando cheguei, em 1970, três faculdades já estavam autorizadas a funcionar, pelo Conselho Estadual de Educação e pelo MEC: medicina, direito e filosofia, esta última com vários cursos. Estavam lançadas as sementes. E o campo era fértil. Recém-casado, minha esposa, Heloísa Combat, era funcionária pública concursada, da Secretaria de Estado da Administração. Tínhamos doutorado, eu em direito público, ela em direito privado. Fui à residência de Mauricinho, na Dr. Santos e pedi a ele que estudasse a possibilidade de ela ficar à disposição da Fundação. Ele simplesmente me mandou datilografar o ofício solicitando ao governo. Pouco tempo depois a nomearia Diretora Executiva, cargo que exerceria até o último dia de seu mandato. Mauricinho e Heloísa montaram um embrião de Reitoria, num cômodo do lado esquerdo do Centro de Saúde, na Dr. Veloso, e ali iam administrando a futura universidade. Mauricinho pediu-me para ser seu assessor jurídico, sem remuneração. Aceitei o cargo orgulhosamente e exerci a função por mais de sete anos, ao mesmo tempo em que lecionava nas Faculdades de Direito (Teoria do Estado e Direito Constitucional), Filosofia (Política. no curso de Ciências Sociais) e Economia (Finanças Públicas). O grande valor que vi naquele homem foi sua capacidade de superar o antigo ranço político e tratar com o mesmo senso de fraternidade e justiça, tanto os descendentes de seus correligionários, quanto os de seus adversários políticos. Ele, com espírito magnânimo, norteado por seu ideal de levar a educação superior aos norte-mineiros, tão carentes de cultura, agia com a maior imparcialidade, exaltando os méritos de todos, recrutando todos para a empreitada, sem qualquer discriminação. Sacrificava seus interesses pessoais pela instituição e, pelo que eu observava, gastava muito mais de seu próprio dinheiro do que a simbólica remuneração que seu cargo de Reitor passou a ter, depois de implantada a universidade. E ainda se preocupava com aqueles que não podiam pagar as mensalidades. Assessorei-o num Congresso de Reitores, em Manaus, e ele me ordenou que fizesse um projeto de financiamento dos cursos superiores aos estudantes carentes. Fiquei emocionado quando ele leu, na assembleia, o esboço de uma lei que redigi e que foi submetido à votação e aprovado unanimemente. E ele alardeava para todos que eu fora o autor, por ordem dele, do projeto da lei que instituiu o crédito educativo no Brasil. Quando tudo se estruturou, quando todos começaram a receber salários, inclusive eu, surgiram o que chamamos vulgarmente de “olhos gordos” e começaram uma insidiosa campanha contra Mauricinho, até derrubá-lo do poder. Fiquei revoltado com isto. Ele se sacrificara anos a fio por um ideal e não poderia deixar o barco daquela maneira, premido por circunstâncias da baixa política. Liguei para Francelino Pereira, então Governador, e mencionei a injustiça, a ingratidão e a covardia que estavam fazendo com aquele grande cidadão. Francelino, político como ninguém, resolveu compor a situação para, depois, em recompensa, nomear Mauricinho para o cargo de Secretário de Estado da Saúde, que ele aceitou e exerceu, com o brilhantismo de sempre, nos últimos dois anos de seu governo. Ainda assim, aquela injustiça não parou de doer em mim. O último ato de Mauricinho como Reitor da FUNM foi escolher-me, numa lista tríplice, para dirigir a Faculdade de Direito do Norte de Minas. Ele foi à minha casa e entregou-me pessoalmente o ofício. Só aceitei o cargo depois de uma votação de todos os alunos. Ganhei a eleição e dirigi nossa Fadir por três anos, muito mais em homenagem Mauricinho do que para engrandecer meu currículo. E só saí de lá para tornar-me Juiz de Direito. Foi Mauricinho que conseguiu com o governo estadual e com o Bispo D. José a desapropriação do terreno do campus. Eu era advogado da Mitra e da FUNM e fiz todo o trabalho jurídico gratuitamente. Hoje passo de carro por aquele complexo universitário – levei meus filhos e netos para conhecê-lo – e sinto o maior orgulho da pequena contribuição que dei à cultura de minha querida aldeia. Maurícinho cardiologista, poeta, escritor, seresteiro, fazendeiro, fabricante de cachaça da boa, marido de Milene, esposa maravilhosa, sempre solidária e amorosa, pai de Mânia, Nairzinha, Vitorinha e Liliane é, para mim, a estrela mais brilhante dessa constelação de cultura. Outros viriam e lançariam tijolos. Mas o pai da obra, a base de tudo, o alicerce, foi ele, com sua abnegação, seu idealismo e seu amor por Montes Claros.
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