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Mensagem: TERESINA No início da década de oitenta fui convidado por Haroldo Tourinho Filho para trabalhar em Brasília, no Ministério da Educação. A Merenda Escolar passava por uma enorme mudança. O novo presidente do órgão, Dr. Teixeira, entusiasmado, queria abolir os alimentos industrializados, as misturas lácteas achocolatadas, ou melhor, decidiu substituí-los por arroz, feijão, verduras e carne. Resolveu dar uma refeição decente, de gente, às crianças. Nos meses vindouros as escolas passariam a receber, via Cobal, os alimentos propostos e as cantineiras teriam que preparar pêefinhos substanciosos à meninada. Para explicar aos secretários estaduais de educação as radicais alterações que estavam por vir na merenda, minha chefe Léa Cutz Galdenzi e eu fomos despachados para o Nordeste. Estávamos convictos e alinhados na certeza daquelas transformações. A idéia era dar na escola a comida que as crianças não tinham em casa. Nosso primeiro pouso foi em Teresina, no Piauí. Ao descermos do avião, achei que o mundo estava derretendo. Mesmo acostumado com o calor de Monsclaro, aquilo era insuportável, um forno! Cheguei a pensar que a quentura que estávamos sentindo era devido à proximidade da turbina do avião. Não era possível aquele inferno. O horizonte no final da pista tremia como nos desertos. Tirei logo o paletó e afrouxei a gravata. Vi a colega Léa sacolejando a saia para enxotar o calor que subia do asfalto. Suando, caminhamos apressados em direção à sala de desembarque do aeroporto em busca de um ar condicionado. No baforento tumulto de pegar as malas, não percebemos que o sistema de som do aeroporto repetia: ”A Senhora Galdenzi e o Senhor Ribeiro estão sendo aguardados na sala Vip”. Estranhamos aquele convite, afinal não éramos nenhuma autoridade. Mas no Nordeste as coisas são diferentes: funcionários oriundos da capital da república ou estão trazendo verbas ou estão fiscalizando a aplicação delas, motivos pelos quais devem ser bem tratados e paparicados. Para nos adular e ciceronear, apresentou-se um assessor do Secretário de Educação. Uma verdadeira figura: cabelo ao estilo de Zé Bonitinho, paletó listrado, gravata curta e larga, amarelo furta-cor. Chegou todo splish splash: Heloo, boy! Heloo, girl! Foi distribuindo o seu cartãozinho e proclamando se chamar Braulino, “o Teresinense da Gota Serena”, e não parou mais de debulhar os maiores elogios ao Secretário e suas obras. Chegou até a declamar versos bajulativos. Pela voz impostada, trovejada, rouca, e pelos louvores ao patrão, entendi que ele tinha um programa no rádio e um bico na secretaria de educação. O soldo que recebia era para babar o ovo do chefe no trabalho e fora dele. Como chegamos cedo para o encontro, Braulino nos sugeriu dar uma voltinha por Teresina e tomarmos uma “fresca” na beira do rio. Num fusquinha todo branco, furreco, fomos passear. O calado motorista arranhava as marchas, enquanto o Braulino, curvado para trás, arranhava o português, com todos os seus “menas”, para elogiar as maravilhas da sua cidade. Ao passarmos pelo bairro Jockey Club, ele foi logo dizendo: Aqui moram os empresários e os industriais do Piauí. Aí, eu perguntei: Empresários e industriais de quê? Ele, de pronto, retrucou: Ora, de empresas e indústrias! Quase dei uma gargalhada, mas segurei. Léa, por sua vez, fez que tossiu, fingiu ter engasgado com alguma coisa. Nos olhamos e vimos que ia ser divertido. Demos a maior corda ao radialista da gota serena. Ele nos contou todas as maravilhas de Teresina, falou do Rio Poty, do Parnaíba, das suas fantásticas pontes e das exclusividades da cidade. Tudo o maior e o melhor do Brasil. Era o Juca Prates de lá. Como tínhamos ainda um tempinho, ele nos levou a uma movimentada e moderna sorveteria com produtos dos mais variados sabores. A Léa Galdenzi, gaúcha, judia e passageira de primeira viagem ao Nordeste, não conhecia quase nenhuma daquelas infinitas frutas nordestinas. Ao perguntarmos o que é que tinha, o balconista disparou um rosário destramelado de nomes num sotaque arretado: Mangaba,Baru,Cagaita, Araticum, Gabiroba,Bacuri, Cupuaçu,Jatobá, Araçá,Jenipapo, Umbu,Sapoti, Caju,Macaúba,Manga, Pitanga, Murici, Pinha,Maracujá, Açaí... Aí, eu falei – pára, pára, pára...já tá bom, me dá um de Mangaba. Léa, por sua vez, naquele universo desconhecido de sabores, aceitou a sugestão do atendente. Encantada com o sabor sugerido, com o perfume e o paladar daquela fruta, mostrou-nos a delícia que estava experimentando e perguntou: O que é mesmo? Aí, o diligente assessor da gota serena respondeu orgulhoso e pausadamente: “Pi-co-lé”.
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