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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 14 de novembro de 2024
 

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Mensagem: A praça A família morava na doutor João Alves, praça que vi ser construida. Era um terrenão baldio, fofo, dois dedos de pó amarelo lembrando ouro de aluvião. Nem árvore ou pé de mamona, sequer um reles arbusto a adorná-lo. Total desolação, não fosse o cruzeiro enfincado no centro da terra nua. De aroeira, certamente, pois ainda resiste, transplantado para o interior do grupo escolar Gonçalves Chaves quando do ajardinamento do logradouro. Foi ali, numa esquina da praça-pó, defronte ao antigo Instituto Norte-Mineiro de Educação (atualmente Automóvel Clube), que vi, ao vivo, meu primeiro cadáver. Não me lembro de sangue ao lado do corpo do mulato adulto, idade indefinida, mas comentavam ao redor ter sido o mesmo assassinado a tiros. Eram sete da manhã, se tanto. Foi juntando gente. Uma beata de preto, a caminho da Catedral, acercou-se, agachou-se junto a vítima, sacou da bolsa uma vela, acendeu-a, persignou-se, levantou-se, olhou em volta, me achou e tomou-me pela mão dizendo que menino não podia ver aquilo. Mas ainda vi, com o rabo do olho, cobrirem o defunto com jornais, a espera da polícia. Ficou bonita, a praça, depois de pronta: calçadas largas, bancos, gramados, árvores várias por crescer, flores, jardins, área de recreação em frente ao grupo escolar e, luxo supremo na Montes Claros de então, luminárias com lâmpadas a vapor de mercúrio! Na inauguração, coincidente com a comemoração do cincoentenário do grupo escolar, o prefeito Semeão Ribeiro Pires não cabia em si de contente. Tornou-se a nova praça o paraíso dos namorados, soldados do batalhão da PM e recrutas do Tiro de Guerra (ambos os quartéis ficavam ali perto, o da PM na praça Demóstenes Rochester, que leva a estátua de Francisco Sá, e o do TG no largo de terra batida da antiga estação ferroviária da Central do Brasil) e outros, todos caídos de amores pelas empregadas domésticas das vizinhanças. Ah, quantas juras de amor eterno e promessas de casamento não foram proferidas naqueles bancos! Oh, quantos suspiros e abraços, beijos ardentes, bolinas e amassos testemunhamos nós, meninos, de passagem ou metidos nas moitas, entreabrindo-lhes os galhos para ver e aprender! Mas a doutor João Alves sempre foi praça mal amada: sua alma, a meninada do grupo escolar, sempre a pisoteou, geração após geração. Exceto durante os dois ou três anos em que o temido Bigode de Arame (Exupério Ferrador, devido ao seu antigo ofício de ferrador de gado) a vigiou. Contava-se ter sido ele cangaceiro de Lampião, daí a meninada se mijar ao vê-lo. Mas era boa gente, o Bigode. Somente assustava, o pobre velho. E estava ali para isso, servidor que era da prefeitura, para regar plantas e gramados, ralhar e fingir correr atrás dos pestes que pisavam na grama, arrancavam flores e trepavam nos bancos. Eu ou Roberto, até então meu irmão caçula, muitas vezes levávamos café e pão com manteiga para ele. Nessas ocasiões podíamos observá-lo de perto. O bigodão, de fios grossos, longos, retorcidos, realmente dava medo. Os olhos, miúdos, negros, profundos, impenetráveis. Barba sempre por fazer. No mais a figura de cor parda, esquálida, pobremente vestida, de alpercatas de couro cru donde brotavam unhas que mais pareciam cascos, já andada em anos, causava antes pena do que temor. Éramos amigos. O toque final na praça, o arremate, fora a implantação, no lugar exato do velho cruzeiro, de uma acrocefálica cabeça em homenagem ao médico que lhe empresta o nome e que ali residira com sua esposa Tiburtina e a única filha, Nina. Diretamente afixada sobre um pedestal de cimento granulado, ou seja, sem pescoço, a cabeçorra desapareceu como num passe de mágica alguns anos atrás. Devido ao seu peso - disseram alguns quando do fato - simples ladrões não poderiam tê-la carregado. ´Está nos porões da prefeitura´, afirmam outros. O certo é que ninguém sabe que fim levou o tal monumento, a não ser quem o tirou de lá. Resta a base, um monolito pichado. A placa de bronze com os dizeres de praxe, nele afixada, também evaporou... Dirigida aos órgãos públicos competentes, fica a pergunta que não quer calar: Cadê a cabeça do Dr. João Alves? Tempos depois, não sei precisar, para encanto da meninada construiram, em frente ao cabeção, uma piscininha, 4x2m, com uns 40/50cm de fundura. A um canto o aviso: É Proibido nadar! O laguinho destinava-se aos peixinhos, vermelhinhos, lindos. O aquário de uma só face bombou! Deitados de bruços ao redor do espelho d`água, merendeiras e pastas (mochilas viriam muito depois) atiradas ao acaso, com as mãos ou cotovelos apoiados nas bordas, maravilhados, espectadores mirins viam-se e viam as peripécias subaquáticas dos bichinhos, a entrar e sair de rochas e plantas. É preciso dizer que toda essa alegria durou pouco, que logo, logo não haveria mais peixinho nenhum, que o laguinho, aterrado, virou canteiro de roseiras, que também não vingou, virando nada, cimento, que anos depois novamente virou canteiro, justamente o que lá está?

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