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montesclaros.com - Ano 25 - terça-feira, 12 de novembro de 2024
 

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Mensagem: DIDU, algumas lembranças... MALLARMÉ, Sthéphane/sobre Rimbaud ´Ele, clarão de um meteoro iluminado sem outro motivo a não ser sua própria presença, se vai só a se extinguir.´ Meu querido irmão Roberto, Didu para os amigos, muitos, faria em 28 de fevereiro último 60 anos. Peça rara, raríssima - consenso - se foi,precocemente, aos 37. Nas teias da vida chocou-se com uma locomotiva vinda em sentido oposto. Quando menino, ainda no marista São José, sabia de cor e salteado todas aquelas coisas maçantes que quase ninguém sabia ou queria saber: biografias de santos, datas históricas e, cacete!, nomes de rios e mares e capitais mundo afora. Fazia análise sintática! De textos de Camões!, a quem não poucos odiavam e chamavam de o Caolho. Quando, em casa, dava-se a recitar poesias, meu pai ficava de queixo caído: ´Esse menino é um gênio!´ Desnecessário encaminhá-lo a testes vocacionais, o boletim escolar apontava-lhe o destino: em matemática, desenho (geométrico), educação física (não ia às aulas), ciências, música, caligrafia, ZERO; em história, geografia, português, inglês, francês, religião, DEZ. Comportamento, idem. Só se dedicava ao que gostava, daí sua média mensal sempre baixa. Mas não chegou a tomar bomba no ginásio. Na adolescência, como bons irmãos que éramos, começamos a divergir em alguns pontos. Ele, apaixonado, fanático por futebol, assinava a revista Placar e não deixava de ler um parágrafo sequer dos cadernos de esportes do Estado de Minas e do Jornal do Brasil. Seus novos santos eram agora jogadores. Dos favoritos sabia tudo: nome completo!, data e local de nascimento, prato e perfume prediletos, carreira - veio-de-onde, vai-pra-onde, valor do passe..., estado de saúde - está contundido, quebrou o braço, a perna, levou uma cotovelada no olho,operou os meniscos... Uma coisa! Eu criticava aquela inutilidade cultural e ele retrucava, marcando gol: ´Uai, você não sabe a data de nascimento de cada um dos Beatles? Que Ringo Starr toma uísque com Coca-Cola? Que John, abandonado pela mãe separada do marido, foi viver com a tia Mimi? Sua paixão futebolística tocou a trave da loucura ao resolver pintar o quarto de vermelho e preto. Cores do seu adorado Flamengo, tri campeão carioca de 53-54-1955, feito que ele não cansava de repetir. Nos outros times, com raras exceções, só havia pernas de pau, juízo que modificava quando passavam a ostentar a camisa do Mengo... Até curti a ideia de ver nosso quarto rubro-negro, mas mamãe vetou-a: ´Aí é demais!´ Minha bisavó Carlota, que morava conosco, veio a reboque: ´Oh, meu filho, são cores do demônio, do inferno, não faça isso, vou lhe mandar benzer.´ Ele e vovó Carlota eram parceiros no jogo do bicho: ela financiava, ele ia ao apontador, o que para ela não ficava bem. Quando ganhavam dividiam o prêmio e eu ficava com uma ponta de inveja, mas acabava levando uns trocados. Jogo, outra das paixões do Didu adolescente, fosse qual fosse,lúdico ou contraproducente: damas, xadrez, ludo-real, dominó, varetas, banco imobiliário (o War viria mais tarde, mas ele ainda o alcançou), roleta, buraco em família, sete-e-meio, vinte-e-um, caixeta e pôquer com os amigos, esses últimos apostado. Para o pôquer - lembram os parceiros - paramentava-se com sua camisa-polo do Flamengo e acendia uma vela sobre o aparador da sala de jantar. E entrava em campo para ganhar, frio, calculista, blefador. Separamo-nos, enfim, de quarto. Fui para um outro com meus rocks, ele permaneceu no nosso com o seu futebol. Logo encontraria no meu irmão-de-leite, Sérgio Deusdará, um substituto. Nos fins de semana ouviam, num rádio portátil enorme, de seis ou oito pilhas, todos os jogos possíveis. E não ficavam nisso. Encerradas as partidas, passavam aos comentários e mesas redondas, um saco! Eu ficava por ali, só, e os dois metidos no quarto com sucos e biscoitos. Devido ao avançado da hora, Sérgio acabava dormindo em minha antiga cama. Seus pais,dr. Deusdará e Toinha, amigos dos meus, sabiam que, de sábado à tarde à noite de domingo, com o filho não podiam contar. Logo comecei a frequentar festinhas e não dava mais bola para eles. Depois Didu mudou, por volta dos seus 14/15 anos. Continuou Flamengo, sempre, mas encaixotou sua coleção de Placar e passou a ler Rimbaud, Baudelaire, Mallarmé, Verlaine, Vinícius, Drummond..., poetas mais sérios dos que lia até então. E de mero espectador de cinema evoluiu para a categoria de cinéfilo, de carteirinha. Mesmo sem alcançá-los, que idade nem maturidade tinha para isso, só falava em Goddard, Glauber, Welles, Pasolini, Antonioni, Fellini, e em nosso Carlos Alberto Prates, aquem chamava intimamente de Charles (ficaram amigos quando da filmagem local de Os marginais). John Ford, Howard Hawks? Apenas mestres do passado... E assim como anotava em uma caderneta todos os livros lidos, com a sua cotação final, bom ou mau, abriu outra para os filmes. Ali se podia ver título, gênero, diretor, produtor, atores principais, coadjuvantes, enfim, tudo o que merecia créditos na película. Acrescentava o nome da sala que exibira a fita e o preço do ingresso! Finalmente, a sua cotação, que ia de uma a cinco estrelas. Em Belo Horizonte, para onde foi pouco depois dessa época, tornou-se assinante dos Cahiers du Cinéma por algum tempo e consumidor de revistas e livros nacionais especializados que começavam a aparecer. Em música, gostava das canções passadas - Billie Holiday, Louis Armstrong, Cole Porter, Chet Baker, Sinatra, Ray Charles, Elvis e outros -,do rock inglês que assolava a nação, mas tinha queda especial pela nascente bossa-nova, com João Gilberto, Tom, Vinícius, Toquinho, Chico, que amava. Roberto ou Didu, como queiram, esteve pouco tempo entre nós, um cometa, mas deixou muitas outras lembranças. Viveu! Ficam essas para uma próxima oportunidade.

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