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Mensagem: Ave Maria! Virginia A. de Paula Outubro de 2004. Horário de verão. Enquanto jogamos conversa fora no alpendre, alguém se queixa. “Quem é que agüenta um horário assim? Quase sete horas e ainda tem sol.” Então, Virgílio nos surpreende dizendo: “ Esse foi o nosso horário normal por muitos anos.” Como é mesmo? Ele explica: “Até 1960 o horário era igual ao de verão! Mudou na inauguração de Brasília.” Verdade? Como então explicar a letra da “Ave Maria” de Erotides de Campos? “Cai à tarde tristonha e serena, em macio e suave langor.” Claro está que, “quando o sino saudoso murmura badaladas da Ave Maria”, a tarde está caindo. Como explicar os fins de tarde ouvindo a Hora do Ângelus em casa de minha tia Maria com o sol descendo no horizonte? Não passa por minha cabeça o óbvio: o mundo gira! A duração da claridade varia de estação para estação. Só neste outono dou-me conta que quando o relógio marca 18 horas já é noite quase fechada. Então é isso: a música, com certeza, foi composta nessa estação! E aquela tarde especial da qual recordo em detalhes? Agora já sei: era maio! Eis meu ritual vespertino da primeira infância: Descer a Simeão Ribeiro com Joana por volta das quatro horas, em direção ao Jardim da Matriz. Ali brincar com uma menininha de nome Celina. Subir no coreto, cantar, esconder o ‘Chicotinho queimado”, correr por entre os canteiros. Então, chega a hora de subir a Dr. Veloso até a casa de Tia Maria: uma casa sempre perfumada com o aroma de salgadinhos saindo do forno, pois a prima Ana recebe encomendas para festas. No ar, o som da Rádio Nacional. Às 18 horas minha tia muda para a Rádio Tupi a fim de ouvir “A Hora do Ângelus” na voz inconfundível de Júlio Louzada, ao som da “Ave Maria” de Guinoud. Titia acende uma vela entre o rádio e o “Bastião”, uma peça de cerâmica. Fica ali em silencio profundo. Todos fazem o mesmo, eu também, consciente da importância do momento: a hora da anunciação. Terminada a oração, titia volta para a Rádio Nacional a tempo de ouvir “Jerônimo, o Herói do Sertão”. Boa hora para desenhar um pouco no caderno de capa verde que existe para ser rabiscado pelos seus sobrinhos. Os desenhos de Walmor são mesmo uma gracinha. Os meus...nem tanto. Pouco antes das sete eu tomo o rumo de casa, ali pertinho. No ano de 54 passo a morar na mesma rua que minha tia, Dr. Veloso, nos tornando “vizinhos de grito”, com apenas a rua Governador Valadores entre nós. Passo, então, a freqüentar aquela casa em outras horas, além das habituais idas após o passeio no jardim. Descubro que, pela manhã, a tia Anja, irmã do meu avô, faz rendas. Ela mora no barracão do quintal com sua irmã Rosa. Fico horas sentada num banquinho enquanto ela tece com bilros e conta histórias apavorantes do lobisomem. Encanta-me ver as rendas sendo formadas como num passe de mágica. A outra tia, porém, fica à distancia. “É doida”, dizem. Nunca soube ao certo qual seu drama. Meus irmãos, às vezes, tentam entrar no seu quarto apenas para ouvi-la dizer: “Ce besta que não entra.” Acham engraçado, mas gostando muito da tia Rosa. Creio que ela nunca soube o quanto! Certa tarde outonal, nas primeiras notas da “Ave Maria”, ela sai do seu esconderijo. Da porta da sala vejo quando segue até ao tanque. Tia Maria já está no seu lugar de costume. Tia Rosa anda pelo quintal, contorna o tanque e colhe três rosinhas brancas para seu oratório. Cabeça branquinha, muito limpa, vestido azul claro. Olha para o lado da serra. Acompanho seu olhar e dou-me conta da beleza das cores. O pé de urucum está envolto em luz dourada dos raios do sol. Nuvens cor de fogo enfeitam o céu. A beleza da música completa o cenário. Meu coração transborda de emoção enquanto rezo a “Ave Maria”. Tia Rosa retorna ao seu quartinho sem se dar conta de ter sido observada. Final da Hora do Ângelus. Todos voltam aos seus afazeres. Peço a titia pelo caderno verde. Quero deixar ali a paisagem do quintal ao cair da tarde. Não é fácil, mas, rabisco qualquer coisa. Tiana, afilhada de titia, começa a cantar: “Nesse instante desce o negro véu da noite, a cidade aos poucos vai ficar sem vida, Vaya com Dios mi vida...” Pela janela vejo quando alguém acende a luz do nosso alpendre. Melhor ir pra casa. Anoiteceu. Hoje, 2012, o relógio eletrônico da igreja da Matriz, além das badaladas, brinda-nos com o início da Ave Maria de Schubert, às 18 horas. O momento convida à meditação. E, ao fechar os olhos, adivinhem para onde vou? Para o relicário dentro do meu coração: a casa de tia Maria. Revejo as mesmas cenas com liberdade de acrescentar outras. Tia Rosa sorri para mim! Feliz, junto com titia, me aproximo dela, de tia Anja, Ana, Tiana para ouvirmos a Ave Maria, em oração. Faço isso na esperança que sintam o muito que significaram em minha vida, o tanto que sempre foram - e são – amadas por mim. Amém.
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