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Mensagem: UM SAUDOSO CASARÃO Ruth Tupinambá Graça Passando pela Av. Cel. Prates, assustei-me. Em lugar do velho Casarão do Padre Marcos, havia somente um amontoado de adobes, portas e janelas velhas, pedaços de madeira e telhas espedaçadas espalhados por toda a extensão do terreno molhado pelas chuvas. Retrato do poder aquisitivo das construtoras que, acompanhando o progresso e desenvolvimento da nossa cidade (que cresce assustadoramente), vai derrubando as casas dos mais antigos moradores, transformando-as em modernos e belos edifícios. Eu não sou contra esse movimento: Acompanho e gosto do progresso da nossa cidade, mas não consigo resistir aos impulsos do meu velho coração. Não chego a chorar, mas sinto e sofro com o desaparecimento das casas que conheci na minha infância, nas quais eu brincava feliz nos enormes quintais com as companheiras que ali moravam. Quantas já desapareceram!... Como me lembro dos guisadinhos que improvisávamos em baixo das enormes mangueiras, carregadinhas, que na gulodice própria da idade, apostávamos para ver quem chupava o maior número de mangas! Era a nossa sobremesa e não tínhamos cerimônia. O Casarão do Padre Marcos tem sua história. Alguém chegou a citar no jornal que lá habitou durante muitos anos um santo. E é a pura verdade: ele era um santo padre. Pertencia à Congregação dos Premonstratenses e foi um dos primeiros padres belgas a vir para Montes Claros, no inicio do século passado. Padre Marcos Van In veio ainda muito jovem. Era um tipo de europeu fino. Muito alto forte e bonito. Louro, de olhos azuis que deixavam transparecer a pureza da sua alma. No principio tinha o sotaque próprio da sua origem (custávamos entendê-lo). Aos poucos, familiarizando-se com os sertanejos, já se comunicava com facilidade, transformando-se, com o passar dos anos, num autentico brasileiro e montesclarense por excelência. Teve um papel importante na nossa cidade como um grande líder na criação de teatros, na imprensa, seminários, colégios e hospitais Trouxe com ele o Padre Francisco Moureau e as freiras do Colégio Imaculada Conceição, inclusive Irmã Beata, da qual jamais esqueceremos. Uma verdadeira mãe para os montesclarenses daquela época. Acolheu milhares de crianças em seus braços, cuidando carinhosamente (sem distinção de classe) de todos os bebês e de todas as mães que esperavam seus filhos confiantes naquele Anjo de Caridade., Padre Marcos pertencia a uma família rica da Bélgica. Deixando lá todo o conforto e riqueza veio para o nosso sertão bruto, onde morou quase um século, com humildade, dedicando-se inteiramente a nossa terra Era extremamente caridoso, além das obrigações da paróquia, encontrava tempo para socorrer os pobres da nossa cidade, Protegia as famílias mais carentes cuidando especialmente das crianças, encaminhando-as para as escolas e catecismo, ajudando na formação religiosa e na educação. Tudo isto me veio à lembrança quando vi sua casa despedaçada e o Beco desfigurado. Milhares de pessoas presenciaram o que eu vi, mas não sentiram o que senti pois são da nova geração e não tiveram a sorte de conhecer e conviver com ele. Esteve presente em várias fases importantes da minha vida: fez o meu casamento e mais tarde batizou todos os meus filhos. Padre Marcos marcou uma grande época e por Montes Claros sempre lutou, até sua partida para São Paulo. A inveja e o despeito são terríveis fraquezas do ser humano, causando tanto mal, perseguições e até destruindo pessoas. Com a transferência de um Bispo gaúcho para nossa cidade, exercendo todo o poder do Bispado, sua eminência/reverendíssima pediu a transferência da sua diocese dos dois religiosos que ganharam a fama de Santo: Padre Marcos e Padre Chico, que também teve um papel importante na nossa cidade. Padre Chico foi transferido para sua terra e o Padre Marcos para São Paulo. Embora velho e cansado, não queria deixar a nossa terra. Amava-a como um verdadeiro montesclarense. Levaram-no à força e ele partiu chorando... Dele, para nossa lembrança, ficou apenas a sua casa e como uma eterna homenagem: (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 96 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).
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