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montesclaros.com - Ano 25 - terça-feira, 24 de dezembro de 2024
 

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Mensagem: DESPEDIDA Ênio Pacífico abriu o Quintal para juntar os amigos. Era um adulo só. Pra cada um tinha um trato especial, um bajulo, um tira-gosto, um carinho e uma franciscana atenção para ouvir causos, lamentos e anedotas, mesmo que velhas. A turma chegava a partir das seis horas da tarde, mas alguns tinham ali como escritório, surgiam logo depois do almoço e atravessavam a tarde debaixo das mangueiras a bebericar e a filar a prosa boa do proprietário. Dárcio Cabeludo era um deles. Instalava-se ao lado da mesa de trabalho de Ênio e de lá mesmo despachava os serviços do seu escritório de contabilidade. Cervejinha mocada, assuntos aparentemente sérios e bicadas escondidas até às cinco e meia. Daí em diante, a gelada passava escancaradamente para cima da mesa cada vez mais aninhada de amigos. Outro, menos assíduo, que passava pelo Quintal, era Túi, parente mais velho de Ênio, sempre duro e seco. Beirava o balcão com o olhar pidão à espera de um troco ou de uma dose. Acabava ganhando os dois. Voltava acanhado, dias depois, do mesmo jeito, calado, sem um tostão e numa vontade doida de tomar outra. Dárcio Cabeludo era diário, inclusive nos sábados e domingos, quando chegava de manhã, por volta das dez. Sua rotina só mudava um pouco na quarta-feira, dia de reunião na Câmara Municipal, pois tinha que estar lá às sete da noite. Invariavelmente não estava com paletó e gravata e suplicava a Ênio o empréstimo da indumentária. Com o passar do tempo, o paletó e a gravata do amigo já ficavam pendidos num cabideiro à disposição do edil. Dava a hora de verear, Dárcio pegava o traje dependurado e seguia para a Câmara que ficava no mesmo passeio da Cel. Prates, a uma distância de uns cem metros. Terminada a sessão parlamentar, retornava ao Quintal para tomar a saideira e dependurava de volta as usadas peças. Eis que um dia chegou a notícia da morte de Túi e da situação de penúria para providenciar o enterro. Ênio, parente e samaritano, tomou a frente de tudo e conseguiu fazer o funeral na Igrejinha do Rosário, bem em frente do Quintal. O corpo começou a ser velado à tardinha por Marlene e Jacy, esposa e irmã de Ênio. Iam passar a noite acordadas, numa morosa maratona. Igreja vazia, nenhuma viva alma foi despedir de Túi. Lá pelas 11 horas da noite, as duas cunhadas, caladas, já sem assunto, perceberam a entrada trôpega de Dárcio. Ele vinha do Quintal, após tomar a saideira. Passou, cumprimentou as comadres e dirigiu-se ao caixão. Ao avistar o corpo, balançou a cabeça e começou a resmungar: Ó não, como pode isto? Puxou uma cadeira, sentou-se, curvou-se, pôs os dois cotovelos na borda do esquife, as mãos na testa e continuou a resmungar, a balançar a cabeça e a lamentar, sentidamente. Jacy, então, comentou com Marlene: - Tá vendo, Nena, é por isso que ele se elege vereador. Nenhuma pessoa veio aqui despedir de Túi. Nenhuma, só o Dárcio. Ele é companheiro, solidário, amigo de todas as horas. Veja como tá comovido. Devem ter se conhecido nos bares da vida. Marlene, sensibilizada, levantou e foi até Dárcio. Apoiou as mãos nas costas dele e tentou consolá-lo: - Ô Cabeludo foi melhor assim, Túi descansou, Deus sabe o que faz... Dárcio, então, inconsolável, reclamou: - Este Ênio não tem jeito, é um desapegado, como pode fazer uma coisa dessas comigo? Olha pra você ver, lá se vão o paletó e a gravata.

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