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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
 

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Mensagem: Tipos humanos montesclarinos Alberto Sena Agora que Tuia virou nome de revista, ao mexer nos meus guardados me deparei com um texto publicado em 20 de janeiro de 1979, no “O Jornal de Montes Claros”, de Oswaldo Antunes e Waldyr Sena, sobre o nosso intrincado personagem. Não li a revista – preciso de um exemplar – mas gostei da ideia. Para muitos montesclarinos vivos, Tuia foi um personagem que perambulou pelas ruas da cidade e dela fazia parte como figura humana querida. Montes Claros daquela época acolhia emigrantes vindos do Nordeste e indo para São Paulo. Por alguma eventualidade, uns acabavam ficando na cidade e ganhavam as ruas, como Requeijão, Galinheiro, Tarugo, João Doido, Requebra-Que-Te-dou-Doce, entre outros. Mas de todos eles, Tuia foi o mais querido porque ganhou fama depois que Oswaldo Antunes mandou construir uma casinha de madeira para ele na garagem da sede do jornal, na Rua Doutor Santos, 103. Era uma casa em estilo colonial, mais parecida com a sede de uma fazenda. Na primeira porta ficava o escritório do dr. Orestes Barbosa, pai de Toninho e Rui Barbosa. Na outra porta era a entrada da redação do jornal. A oficina funcionava contigua a redação. Os textos eram entregues escritos em laudas datilografadas aos linotipistas Andrezzo e Mílton, que gravavam tudo no chumbo e depois Tião Camurça “paginava” e amarrava em volta cada página com um tipo de cordão grosso para deixar firme e evitar o empastelamento. A casinha de Tuia na garagem do jornal precisava sempre de faxina rigorosa porque as necessidades fisiológicas ele fazia espontaneamente calças abaixo. Quando publiquei no JMC o texto a ser transcrito em seguida, fazia sete anos que deixara Montes Claros. Morava na ocasião em Viçosa, na Zona da Mata. ANJO, DEMÔNIO “Para mim, àquela época menino, ele era um anjo negro e, às vezes, demônio. Lembro-me muito bem dele. Só não me recordo da data em que viveu no pátio do JMC, em frente à porta da redação. Sei que ele morava numa casinha de tábuas pintadas de azul e fazia parte do meu mundo de fantasias, embora fosse uma realidade concreta. Estava sempre ali, estirado no piso de tábuas da casinha azul ou perambulando pelas ruas centrais da cidade, empunhando seu cajado, chapéu amassado na cabeça, arrastando os pés de dedos abertos e calejados. “Era uma figura enigmática. Nunca soube de onde viera (dizem que veio de Grão Mogol), se é que veio de algum lugar. Diziam que fora escravo e, com a abolição da escravatura, ganhara a liberdade. Diziam também que tinha mais de cem anos, e a língua cortada. Muitas e muitas vezes fiquei a pensar na sua língua cortada, imaginando sua dor, sem entender por que existe gente tão má, ao ponto de corta a língua de alguém, ainda mais sendo um pobre coitado, um homem sozinho neste mundo. Era só pensar na sua língua cortada e, para mim, imediatamente, ele se transformava no anjo negro. “Que pensamentos povoavam aquela cabeça de cabelos ralos e brancos? Como aqueles olhos cansados viam o mundo? Afligia-me vê-lo tentando dizer alguma coisa com sua língua cortada. Intrigava-me seu nariz de ventas abertas, e sua boca desdentada. Ele, nervoso, agitando seu cajado, querendo fazer-se entender, metia-me medo – e era então que, para mim, o anjo negro se transformava em demônio. “Perna pra que te quero”, evitava vê-lo por alguns dias e, refeito, ia espiá-lo na casinha azul, pisando leve, nas pontas dos pés. E lá estava ele, o anjo negro, dormindo seu sono celestial, em meio ao cheiro forte de amônia. “Na manhã de um domingo, dia de Praça de Esportes – hoje a minha Praça de Esportes já não mais existe, agora que perdeu os fícus que a circundava, a “boate”, que nunca foi boate – procurei-o na casinha azul e não o encontrei. Andei pelas ruas centrais à sua procura, e nada dele. Pensei: “Será que levaram ele pra tomar banho?” Infelizmente, não. (É bom que se diga que, quando o preto velho tomava banho, a notícia se espalhava pela cidade inteira). “Alguém me deu a triste notícia da sua morte. Ele deitara numa noite no velho colchão de capim, na casinha azul, e não acordara no dia seguinte. Foi então que senti o quanto aquele homem era importante para mim. Hoje, ele, Tuia, já não me é enigmático como antigamente. Agora tenho certeza, de demônio não tinha nada. Tuia era apenas um anjo negro, em figura de gente, a se arrastar pelas ruas de Montes Claros”.

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