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montesclaros.com - Ano 25 - sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
 

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Mensagem: NA FASE DOS “BATE PAUS”

Ruth Tupinambá Graça

Os montesclarenses de hoje não são capazes de avaliar o que foi a nossa cidade nos anos 30.
Hoje vivem medrosos, aflitos e preocupados com a violência e os crimes absurdos em decorrência do tráfico de drogas. Mas não sabem que a nossa cidade, no seu passado, foi vitima de violências terríveis, iguais as de hoje, talvez piores.
Tudo aconteceu depois da terrível tragédia de 6 de Fevereiro de 1930, quando os jagunços de Dona Tiburtina (a seu mando) atacaram a Comitiva do Dr. Fernando de Melo Viana, Vice -Presidente da Republica, que veio à nossa cidade fazer política, almejando a Presidência e anunciando um grande comício,tudo apoiado com muito entusiasmo pelos adversários da Aliança Liberal, da qual Dona Tiburtina era forte correligionária.
Embora eu morasse bem perto da Estação Ferroviária e apesar da minha vontade de acompanhar a Comitiva, não fui. O pai da amiga Alaíde, Sr. Arthur Amorim, nos preveniu: ´vocês não vão descer acompanhando a Comitiva. Fui avisado por um amigo que haverá tiroteio (caso haja provocação) e os jagunços já estão prevenidos´.
Foi a minha sorte.
Quando a Comitiva passava em frente a casa da Dona Tiburtina os jagunços de cima das árvores, armados, dispararam suas carabinas sobre a multidão. O desespero foi total. Dr. João Alves gritava: ´não atirem!´ Há crianças e mulheres, mas já era tarde. Nunca saberemos ao certo se houve alguma provocação, o fato é que os jagunços obedeceram ao mandado.
Sabemos que morreram várias pessoas, inclusive o Secretario do Dr. Melo Viana, Doutor Fleury da Rocha, Yracy de Oliveira Novais (irmã de Jair Oliveira) e o jornalista João S. da Silva.
Mas há dúvidas sobre o número dos mortos, pois, para o comício, tinham vindo muitos políticos e pessoas das cidades vizinhas. Supõe-se que talvez algum tenha sido vitima desta monstruosidade. Talvez esta suposição tenha fundamento, pelo que na construção da sede do Automóvel Clube de Montes Claros, justamente no local onde fora a residência da Dona Tiburtina, houve um boato: de que nas escavações encontraram uma cisterna cheia de esqueletos. Mas nunca saberemos, ao certo, quais foram estas vitimas...
Após o tiroteio, os parentes recolheram as vitimas e, talvez, na calada da noite, os jagunços tenham recolhido algum destes visitantes vindos para participarem do comício. A Comitiva também recolheu suas vitimas. Desceu a Rua Dom João Pimenta parando na esquina (casa da Dona Fininha Silveira) para se refazer do choque, beber água voltando imediatamente para Belo Horizonte.
Foi a minha sorte não ter acompanhado a Comitiva: talvez eu tivesse morrido também (e não estaria aqui hoje contando para vocês esta história) nesta fatídica noite em que Montes Claros perdeu seus filhos inocentes.
No dia seguinte ao tiroteio, satisfazendo minha curiosidade de adolescente resolvi sair de casa (apesar dos apelos da minha mãe) e passando onde ocorreu o sinistro acontecimento, tive que saltar vários pocinhos de sangue espalhados entre as pedras , em todo o quarteirão. . Fiquei atordoada e, para meu desespero ,a cidade estava completamente deserta, paralisada, ninguém nas ruas. Todos ainda chocados e assombrados permaneciam em casa, patéticos...
A revolta e o sofrimento permaneciam no ar. Aí começou a fase negra dos anos 30. A valentia daquela mulher não parou, vindo a fase da vingança, aproveitando a força da política.
Naquela época o chefe do Batalhão de Policia era o Cel. Coelho, nomeado pelo Governador. Com ares de protetor da humanidade, resolveu criar um batalhão para proteger a cidade, mas na verdade era para atacar os adversários da Aliança Liberal, partido do Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (Governador de Minas Gerais) do qual Dona Tiburtina era forte correligionária em nossa cidade. Dr. João Alves era o chefe do partido Aliança Liberal, mas ele era um médico dedicado à sua profissão, muito pacifico pouco ligava para a política e Dona Tiburtina é quem mandava no partido dando rédeas à sua maldade. Criou-se o ´Batalhão´, mas infiltrado nele estavam os mais valentes jagunços de Dona Tiburtina: Velho de Lilía, Ezuperio Ferrador, Joaquim Preto, Manoel Baiano e outros... Este grupo de ´voluntários´ fantasiados de soldados: com uniforme de ´brim cáqui,´ polainas, boné, revolver na cintura (durante o dia) e, à noite, armado com porretes bem fortes, percorria as ruas atacando os adversários da Aliança Liberal, os correligionários de Julio Prestes.
Como sofreram estes políticos!...
Com a vitória da Revolução de 30(vitória de Getulio Vargas) esta valente mulher ficou com mais força política. Foi a fase negra dos ´Bate Paus´. À meia noite eles percorriam a cidade já sabendo quem iriam atacar. Assaltavam a residência da vítima, tiravam-na da cama levando-a para o suplício. Onde é hoje a Catedral havia um cemitério velho. Lá era o palco da maldade, onde os ´Bate Paus´ surravam covardemente as vítimas. No dia seguinte eram levados para casa, quase mortos, pelos parentes. Milhares de pessoas honestas, senhores respeitáveis, foram massacrados e muitos morreram em conseqüência dos ferimentos. Luis Carlos Novaes (Peré) que o diga, pois alguns dos seus familiares foram vítimas destes falsos soldados.
Terríveis violências contra o ser humano foram cometidas naquele período e nada aconteceu aos criminosos. A Gazeta do Norte ,jornal da cidade, foi brutalmente vítima dos ´Bate Paus´. Quebraram todas as máquinas, queimaram tudo, até a Bandeira Nacional e ainda, não satisfeitos, derrubaram a casa onde funcionava o nosso melhor jornal. Dona Tiburtina estava com a corda toda: proteção do nosso Governo e da nossa Polícia. Anos depois, houve um ´júri muito especial´ e os criminosos nada sofreram.
Este reinado de maldades e injustiças durou anos. E a nossa cidade ficou conhecida em todo país como ´cidade assassina.´. Mas, política é como uma fruta: brota, cresce, amadurece, depois apodrece... E cai. Com o passar dos anos (Deus não dorme) a política mudou, mudando também as reações governamentais. Quem estava por baixo, subiu... E a história se repete. Dona Tiburtina perdeu o prestigio e a valentia. Caiu na realidade. Viúva, pela segunda vez, teve um fim de vida muito triste, doente (viciada em morfina, por causa das dores) abandonada pela sociedade, fazendo jus aos danos e tantos sofrimentos que causou às famílias de nossa cidade. Moral da história: Colhemos o que plantamos.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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