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Mensagem: A 1ª calça jeans ninguém esquece Alberto Sena A minha primeira calça jeans era da marca Lee. Foi de segunda mão. Cícero Cruz, “Cuecão” apelidado, veio um dia oferecer a calça embrulhada num papel. Era artigo raro em Montes Claros, naquela época, década de 60. Os Beatles estouravam no mundo e aqui concomitantemente os hoje velhinhos Chico, Caetano, Gil, Roberto Carlos e outros da mesma safra, ainda em atividade, comandavam os espetáculos, que nos chegavam via rádio e jornais porque TV ainda era chuvisco com bucha de aço na antena. “Cuecão” chegou com o seu jeito “chapleniano” de andar e perguntou se interessava pela calça. Era desbotada, e por ser desbotada, disputada pela moçada porque tinha semelhança com as calças dos artistas estadunidenses vistos nas telas dos cines Coronel Ribeiro, Fátima e São Luís. Montes Claros e o Brasil viviam os dias mais tormentosos da ditadura militar, no final da década, com censura prévia à imprensa. No “O Jornal de Montes Claros” havia um militar na redação. Ele lia as matérias antes de serem entregues aos linotipistas Andrezzo e Milton. A moeda corrente era Cruzeiro e foi preciso pedir dinheiro emprestado para comprar a calça Lee desbotada porque “Cuecão” já se dispunha a oferecer a relíquia a outro. A calça ficou certinha no corpo. Parecia ter sido feita a propósito. Faltava só experimentá-la com um cinto de fivela grande e prateada para tudo ficar no jeito. A essa altura da narrativa, o leitor curioso pergunta por que mesmo Cícero Cruz tinha o apelido de “Cuecão”. Salvo engano, porque quando jogava futebol, tanto nas peladas do antigo campo do União como no estádio João Rebello, no Ateneu, ele usava calção abaixo da cintura parecendo cueca caindo. Apelido explicado, dinheiro repassado a ele, o passo seguinte foi pedir para lavar a calça e depressa deixar pra secar na secadora natural, quer dizer, no telhado da casa. Com esse sol de Montes Claros, o melhor lugar para secar calça jeans é no telhado. Em pouco tempo a calça estava no ponto de vestir. Era só sacudir. Passar a ferro não convinha, deixava vinco. E calça Lee com vinco, nem pensar. O gostoso era que se podia usá-la durante uma semana inteira sem tirá-la do corpo. Acontecia de alguém gracejar: “Quando tirar, essa calça irá andando para o tanque”. Os cabelos eram grandes e a barba também, por um lado estimulados pelos Beatles e por outro para cumprir a promessa feita de deixar tudo crescer, após cumprir um ano exaustivo de Tiro de Guerra. Ainda hoje calça jeans é a mais recomendável na hora de viajar, principalmente ao exterior, sem precisar encher a mala de roupas. Uma calça jeans, algumas cuecas e camisas resolvem o problema para qualquer homem desprendido de vaidades cultivadas na juventude. Com a vantagem de não precisar carregar mala grande e pesada. Revisitando aquela época, quando o Brasil se tornou tricampeão mundial de futebol, se pode comparar com os mascates dos velhos tempos os jovens montesclarinos que rumavam para a capital a fim de estudar. Os mascates foram precursores das novidades. Chegavam à cidade com diversos produtos de cama e mesa, roupas masculinas e femininas e visitavam as casas. Esses tipos lembram os personagens do escritor colombiano Gabriel Garcia Marques, em Macondo, no livro Cem Anos de Solidão. Quando os jovens estudantes montesclarinos voltavam da capital, nas férias ou em determinadas datas comemorativas, vinham sempre com alguma novidade. A calça Lee foi uma delas e a moda se expandiu como água, de modo que hoje em dia todo brasileiro veste jeans parecido, de marcas várias. No início, as novidades demoravam chegar a Montes Claros. Dependiam dos montesclarinos de BH. Para corroborar o dito, na década de 60, em Montes Claros, um só conterrâneo tinha aparelho nos dentes. E por isso, ganhou o apelido de “Boca de Ouro”, título do texto de Nelson Rodrigues levado às telas por Nelson Pereira dos Santos, dirigido por Jece Valadão e Daniel filho. Hoje, aparelho dentário está em quase todas as bocas. As calças Lee ainda existem. Estão por aí disputando espaço com as demais marcas de jeans, qual modela mais o corpo de homens e de mulheres. Mais de mulheres do que de homens.
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