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Mensagem: De pequi e do fim do Rio São Francisco Alberto Sena O ar de Montes Claros denuncia a chegada da safra de pequi. Nesta época, o cheiro exala das portas e das janelas das casas. Quem quiser comprovar isso, basta andar pelas ruas dos bairros de Montes Claros para sentir o aroma delicioso, estimulador do apetite, exalado da panela de arroz com pequi na cozinha de todas as casas. Disse todas? Corrijo: quase todas, porque há quem não gosta de pequi. Quem gosta nunca fica sem roer algumas dezenas todo ano. Até congela e tem pequi o ano inteiro. Quem não gosta, detesta. Faz cara de muxoxo. A minha relação com o pequi é telúrica. E vem de longe. O corpo fala. Às vezes, exige. Ai de mim se não conseguir satisfazer o desejo do corpo de usufruir das vitaminas, dos sais minerais e da gordura saudável do pequi. Se isso acontecer, um dia, é capaz de a terra tremer. O que não é impossível se for levado em conta as ocorrências de tremores em Montes Claros, capacidade adquirida não se sabe por que cargas de dinamite, quer dizer, d’água. Houve uma vez, década de 70, vindo da capital, de trem, o vizinho de cabine-leito era o poeta Cândido Canela (1910-1993). No embalo do sacolejo do trem, vendo a paisagem sertaneja passar veloz, regamos conversa sobre política brasileira. Falamos baixo porque as ferragens do trem podiam ter ouvidos em tempo de ditadura militar. Conversamos sobre os livros “Lírica e Humor do Sertão” (1950) e “Rebenta Boi” (1958), para logo abordarmos a inevitável defesa da bendita árvore chamada por Téo Azevedo de “Esteio do Cerrado”, Sua Excelência, o Pequizeiro. Cândido debulhou como se debulha milho a sua luta em defesa do pequizeiro; mencionou uma Lei Municipal de sua autoria criada para proteger o pequizeiro; lembrou o acordo tácito existente no sertão, onde o sertanejo dependente não levanta o machado para o pequizeiro; analisou, enfim, a importância socioeconômica do pequizeiro, de cujos frutos dependiam e ainda dependem milhares de famílias no sertão brasileiro. O tempo passou voraz, mais veloz do que o trem de ferro do sertão, estupidamente vítima dos governos, da ganância de ‘lobitas’ rodoviários e da indústria automobilística. Veio, então, a década de 80. Depois de uma série de reportagens publicadas no jornal Estado de Minas, conseguimos a edição de uma portaria proibindo o abate de pequizeiros no território nacional. Na época, havia o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), hoje Ibama. O superintendente do IBDF, Antônio Gonçalves telefonou de Brasília para informar: “Neste momento, assino uma portaria (...)” que os defensores do pequizeiro, como Cândido Canela, Téo Azevedo, Hermes de Paula e tantos outros ansiavam. E por falar em Hermes de Paula, ele desmitificou a acreditada capacidade afrodisíaca do pequi. Segundo me disse uma vez, o pequi não possui substância afrodisíaca. O que acontece é que se trata de um complexo vitamínico. É riquíssimo em vitamina A, principalmente. O sertanejo, explicava Hermes, passa mal boa parte do ano à espera do pequi. Quando vem a safra, ele se farta de pequi. Fica bem alimentado, forte “e nove meses depois nascem os filhos do pequi”. Lá em casa, três da nossa família fazem aniversário no mês de setembro. Meu pai (in memorian), Wanda, minha irmã, e eu. Fomos concebidos, então, em plena safra do pequi. Somos, portanto, filhos do pequi. Daí a força da nossa relação telúrica com o Cerrado e os seus frutos. Quem conhece os frutos do Cerrado não morre de fome acaso perdido e sem comida no meio do mato. Temos cagaita, araticum, araçá, jenipapo, marmelada de cachorro, pitomba, goiabinha, cajuzinho do mato e tantos outros. Garanto, a essa altura da conversa, se Cândido Canela e Hermes de Paula estivessem no meio de nós estariam enfronhados numa baita campanha de salvação do Cerrado Brasileiro, que míngua a cada ano. Do Cerrado, guardião das veredas, potenciais rios, depende o Rio São Francisco, fadado a desaparecer do mapa sob a indiferença da mídia brasileira. Dentro de duas décadas, o rio da integração nacional será tragado, enfim, pela irresponsabilidade e a maldade dos governos federal, estaduais e municipais; dos empresários, que envenenaram as suas águas e da própria sociedade brasileira, apática, que, no mundo do faz de conta, não enxerga problema de tamanha gravidade e importância.
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