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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 17 de novembro de 2024
 

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Mensagem: BAIXADA DA SANTA CASA 2ª PARTE O maior desejo da garotada era ter um carrinho de rolimã. Andávamos a cidade inteira pelas oficinas mecânicas em busca de rolamento, que era a coisa mais difícil e cara do mundo. Precisávamos de quatro. Dois mais robustos para o eixo de trás, que ficava sob o banco e, outros dois, que podiam ser até menores, para o eixo da frente, que era comandado pelos nossos pés. Os que não tinham carrinho se ofereciam para ser o braçal motor do piloto. A cada cinco voltas, quem empurrava o bólido pelo circuito dos passeios tinha o direito a uma volta de brinde. Os motores/meninos mais fortes, que proporcionavam maiores velocidades aos carrinhos, eram disputados e presenteados com voltas extras. As competições eram rotineiras. A vontade de ganhar e a falta de freios causavam sucessivos acidentes. Todos os garotos tinham as palmas das mãos escalavradas, os joelhos e os cotovelos arranhados e, algumas vezes, a testa rachada. À tardinha, no banho, era um chororô só. As mães esfregavam sem dó as perebas dos pilotos para retirar a sujeira impregnada nos ferimentos e passavam o ardido mertiolate. Fora o esmeril causado pelos carrinhos de rolamentos, sempre tinha um menino com gesso no braço ou na perna, com dente quebrado e cabeça lascada devido às outras estripulias. Abaixo da casa do Georgino, residia Dona Pilucha(6). Em seguida, seu filho Júlio de Melo Franco, casado com Dona Santuza(7). Da rua, dava para ver, na biblioteca, o circunspecto jornalista e advogado manusear seus livros, e ouvir sua primogênita tocar piano. Era Júnia que comandava os sazonais namoros da criançada. No meio de junho, ela começava a arrebanhar os xucros meninos para a grande quadrilha que acontecia todo ano, em 4 de julho, aniversário do seu irmão Aristeu. Era um upa para levar a meninada para ensaiar, pois todos só queriam saber de bola e brincadeiras na rua ou no mato. Com jeitinho Júnia ia amansando e acasalando os pares da quadrilha de acordo com o gosto das meninas, há muito definido. No começo, os garotos nem pegavam nas mãos das meninas. Ensaiavam numa má vontade que só vendo. Não acertavam um passo, não batiam as palmas, o sentido era um só, dar linha daquela dança jeca. Mas com o tempo, o carinho e o perfume das garotas domavam os moleques. No dia da quadrilha, após uns dez ensaios, a molecada estava toda caidinha pelas mocinhas. As mãos até suavam de gosto. O “tu” já era rodopiado juntinho e brotava até ciúmes dos anavãs, pois estes afastavam temporariamente os pares. Ao terminar a quadrilha, todo mundo estava enamorado. Paixão que não durava muito. Aos poucos os namoricos eram desfeitos, devido às troglodices dos garotos. Irrequietos, não aguentavam a regulagem das namoradas e acabavam fugindo daquela ardilosa arapuca para as brincadeiras de rua, o nadar no Vieira e as peladas. No passeio oposto ao de Júlio Melo Franco, morava Seu Robson Crusoé(8), um certo herói para criançada por ter sido, em tempos outros, chefe de escoteiros. Porém, nunca convivemos com este seguidor de Baden-Powell, nem com os seus filhos, devido à diferença de idades. Colado neles, residia o fazendeiro Lauro Maia, alto, pálido, meio seco. Era, no entanto, a mais calma das criaturas e vivia para satisfazer sua mulher e suas sete filhas(9) em todos os seus caprichos. Abaixo, depois do Café Diplomata, por um tempo, viveu uma senhora, Dona Badu, recatada, de sotaque dessemelhante, com os seus cordatos filhos, Arnaldo, Paulo e Guinha, que depois regressaram para sua saudosa cidade paulista. No final, virando à direita, era a casa de Lôla e, em frente, a morada temporária do encapetado Roberto Piranha. Ainda naquele toco de rua lateral, hoje chamada de Gabriel Passos, residiam o fotógrafo Valdevi, sua esposa Dona Neide e seus quatro filhos(10). Havia três campinhos de futebol. Um em frente ao Café Diplomata, num terreno irregular com traves marcadas com pedras, onde passávamos a tarde tentando domar a enfurecida bola que chicoteava pelos tufos e buracos. O outro, dos eucaliptos, ficava mais adiante, perto do Curtume. Lá chegamos a jogar alguma coisa mais parecida com futebol, pois o campo, embora pequeno, era plano e tinha traves de madeira. Os craques eram Tola(11), Lôla(12), Tone Lídio e todos os seus irmãos, do maior ao tampinha de binga, inclusive sua exímia irmã Viviane(13). O terceiro terreiro de bola era bem ao fundo do terreno do Colégio Imaculada, na Vila do Grilo. Lá, só jogavam renomados, Malveira, Márcio, Marcos e outros com passagens marcantes pelo Ateneu e times da cidade. Jogar com e contra eles era um orgulho e um fiasco, pois humilhavam a garotada com dribles desconcertantes e goleadas de dois dígitos. Durante as peladas tabelavam até com duas arvores barrigudas que solenemente sombreavam o meio do campo. Zombavam até que uma delas fazia mais gols que todo o nosso time visitante. O calçado tênis não existia, quando muito um Kichute. De rede e jogo de camisa só me lembro de quando havia jogo na casa de Dr. Geraldo (Bilé) (14). Lá também ninguém derrotava os Machados. Apitavam até offside em futebol de salão para anular um gol marcado contra o time da casa. O único jeito de ganhar era entrar para o invicto time deles. Se não tivesse ninguém jogando bola nos campinhos, era certo que a garotada se encontrava nas cavernas ou nos esconderijos à beira do Vieira e do Pai João, onde, escondidos em latas enterradas, estavam os preciosos e indecentes catecismos de Carlos Zéfiro. Apareciam de tempos em tempos e acabavam desfolhados devido ao contínuo uso. Eram a inspiração maior para as diárias e sucessivas bronhas. Havia até concurso para ver quem as batia mais e seguidamente. Tudo na maior desinibição ao vivo e a cores. Uns furavam o barranco de argila do rio com o dedo, punham um pouquinho de água e mandavam ver. Degustavam em sonhos as mais belas meninas da cidade e uma sortida variedade de artistas de Roliúde. Quase todos tinham uma bananeira escolhida como concubina, pela qual até manifestavam dor de cotovelo. Na altura da pingolinha, perfuravam o tronco e encontravam o céu. O pintinho permanentemente estava roxo, pois a nódoa demorava dias para sair. Pinto limpo, sem mancha, só mesmo na abstinência da Semana Santa. Do domingo de Ramos até o sábado de Aleluia, a meninada guardava suas endiabradas pistolinhas, ou melhor, não as tiravam para fora do calção. Elas permaneciam intocáveis até a meia noite da sexta-feira. O vício solitário e as indecências eram pecados mortais na semana do Senhor morto. Suas práticas eram bilhetes certos, de ida, para o temido e ardente inferno. Todos ficavam acordados na espreita das primeiras horas do sábado de Aleluia, quando tudo retornava ao dantes e a garotada tirava o atraso. O império onanista imperava até a criançada atinar para a preparação da queima do Judas ou para a distribuição de cascudos nos outros meninos. Não sei o porquê, mas no sábado, véspera da Páscoa, todos davam coques e beliscões a torto e a direito e justificavam: “Aleluia”. Creio que o sentido era dizer: “Cansei de ser santo, puro, imaculado. Chega!” Houve um torneio para ver quem seduzia a maior variedade de bichos e coisas. Linca, que não era fácil e por ser o menor, queria fazer o mais difícil para ganhar a competição, comer um cupim. Não o cupinzeiro como o barranco do rio, mas o isóptero, o inseto. Puxou o pinguelinho e colocou a criatura na pontinha do pintinho. No primeiro vai e vem levou uma ferroada bruta. No chororô, desesperou vendo a cabecinha da sua pombinha crescer e roxear. Em poucos minutos, ele, menino, ficou a segurar aquele pintão de gente grande, sem nenhuma fimose. O rápido inchaço apressou o árduo e diário trabalho que os garotos tinham para retrair na munheca a capa da pistola e expor a glande para fora. Difícil foi ter coragem para explicar e pedir a Marão uma pomada para aquela extravagância toda. Fora a dor e a prévia vergonha de mostrar ao velho, que não fez nenhuma reprovação, Linca foi vitorioso duas vezes: ganhou o campeonato e o trunfo de ter o primeiro pinto com a cabeça totalmente exposta. Um par de dias depois, o desinchado e calvo pinto foi mostrado orgulhosamente para a invejosa meninada. Continua... NOTAS: (6) D. Piluxa, mãe de Cristóvão, Júlio, Márcia e Cleusa. (7) Júlio Melo Franco e D. Santuza, pais de Júnia, Aristeu, Floriano, Júlio César, Otávio Augusto, Suzana, Janice e Raissa. (8) Robson Crusoé e D. Zizinha, pais de Eustáquio, Robinho, Raquel e Jaime. (9) Lauro Maia e D. Nenzinha, pais de Marina, Ângela, Marly, Fátima, Beatriz, Tânia e Andréia. (10) Valdevi e D. Neide, pais de Mara, Zana, Paulo Benzina e Rogério. (11) Tola, filho de Antônio Mineiro e irmão de Laís. (12) Lôla, irmão de Dimas, Didi e Mônica. (13) Antônio Elídio, filho de Seu Ubaldino e D. Marlene, irmão dos craques: Lalá, Lucado, Cazoba, Caderinque (Ique), Sergio, Viviane e Marcelo (Nem). (14) Dr. Geraldo (Bilé) e D. Thais, pais de Geraldão, Flávio, Luiz, Marcelo, Telmo, Paulinho, Terezinha, Thais e Laís.

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