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Mensagem: Rosalina Fonseca Procuro não perder tempo pensando no futuro, sempre incerto, o presente se impõe e, quanto ao passado, sim, muitas vezes me pego transportado, remetido a tempos idos. Mas não sou o que se possa chamar de saudosista, longe disso. O que mais me espanta ao observar as engrenagens, sinapses e demais conexões da máquina mental do tempo é a velocidade e a precisão - inatingíveis por qualquer máquina de fato criada por humanos - com que revivemos falas e cenas, saltando de um plano a outro focados em assunto pré-determinado, ou simplesmente deixando o barco à deriva, em volteios, sem ordem estabelecida. Encontro-me agora numa dessas revoadas mentais, imerso nos anos de 1960 em Montes Claros, pensando em, fixado em Rosalina Fonseca. Eu a conheci meninote, ginasiano, quando ia à rua D. Pedro II tomar aulas de português com seu pai, o professor Zezinho Fonseca. Afável, simpático, finíssimo -uma dama - ele devia andar pela casa dos cinquenta, mas me parecia bem mais velho devido aos cabelos totalmente brancos. Por sinal uma bela cabeleira a emoldurar-lhe a face sanguínea. O professor era baixinho, nem gordo nem magro. Filha única, Rosalina ia e vinha pela casa, meio irrequieta, pirralha de seus seis/sete anos, branquela, cabelos crespos e louros, rostinho rosado de boneca. Bem, o tempo passou e eis Rosalina moça. A mesma cara de boneca. Nem feia, longe disso, nem bela, um pouco aquém. Bonita a seu modo, pois trazia em si um charme que logo iria prevalecer. O termo da época para ela seria sexy, sim, era sexy, sensual. Ou, como diziam os cronistas sociais Lazinho Pimenta e Teodomiro Paulino (o agá do Theo veio depois), era dotada de sex appeal. Apelo sexual? Sim, e que o digam os jovens senhores casados de então, hoje setentões, aboletados nas mesas da pérgola da antiga piscina do Automóvel Clube, nas manhãs de domingo, para vê-la nadar. Boiar, melhor dizendo, pois Rose não dava braçadas, simplesmente oferecia seu corpo escultural ao deus sol, boiando. Ao deixar a água para entregar-se totalmente a Ele, não andava, flutuava, e o seu balanço a caminho da toalha estendida no gramado deixava loucos os marmanjos cervejeiros. Rose ficou órfã de pai aos 16 anos, se é que se pode usar tal termo para quem perde o genitor nessa idade, mas, como fora filha única e mimada, creio que ao seu caso o mesmo se aplica. Estudava no Imaculada Conceição, colégio de freiras que só aceitava moças. Foi uma estudante normal, disciplinada, até sua cabeça mudar. Na virada de menina pra moça deu-se a transformação, metamorfose meteórica, ou a sua evolução - de acordo com o ponto de vista. Rose passou a bebericar cuba-libre nas horas-dançantes que promovíamos e logo a fumar. Lia muito, sobretudo romances, por influência do pai. Desdenhava as garotas da sua idade, preferindo conviver com rapazes aos quais se misturava em conversas de bar. Na década de 1960, o seu inusual comportamento chocava a recatada sociedade local. Rose passou a despertar admiração, repúdio, inveja, mas nunca indiferença, pois onde chegasse sobressaía. Impossível não notá-la. Numa de suas viagens de férias ao Rio de Janeiro, retornou à provinciana paróquia com o guarda-roupa totalmente renovado - presenteou-se com um banho de loja, acessórios e tudo o mais. Sua primeira aparição em festa local, pós-Rio, causou furor. Não era Rose, era a Bonnie Parker do filme Bonnie and Clyde: botas de cano longo, saia nas canelas, cinto largo, casaco, bolsa, boina, tudo preto. Complemento indispensável, piteira longa, preta, com boquilha dourada. Unhas e boca escarlates. ´Essa menina é muito avançada para a época´, reprovava uma socialite... ´É muito prafrentex pro meu gosto´, acrescentava a filha com uma ponta de inveja... Rose, nem tchum, nem aí, estava acima de qualquer maledicência, blindada. Foi a nossa musa, nossa George Sand, Brigitte Bardot, nossa Leila Diniz. Outras, louváveis pela sua independência e afirmação da mulher vieram depois, mas foi Rose a pioneira. Marcou o seu tempo. Inesquecível! Por onde andas, menina? Rosalinda!
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