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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 20 de novembro de 2024
 

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Mensagem: MIRABELICES Zé de Gerônimo, quando jovem, morava na pacata Mirabela, onde nada acontecia. O dia a dia era ir para o colégio, assistir as aulas, voltar pra casa, almoçar, esperar passar o mormaço e no final da tarde ir para o campo bater uma bolinha com os amigos. Na verdade, treinar sério e puxado, pois o time da cidade queria manter a árdua e longa invencibilidade de quase um ano. Mas, num janeiro, em plenas férias escolares, eis que chegou à pacata cidade um ônibus todo modernoso, placa do Rio de Janeiro, com uma faixa pregada na lateral:“Projeto Rondon - Integrar Para Não Entregar.” Ao abrir suas portas, exceto o gordo motorista, desceu uma juventude jamais vista em Mirabela. Linda, maravilhosa, bronzeada, sorridente e de uma fala mansa diferente, cheia de “esses”. Ipanema veio parar nas terras de São Sebastião. Eram estudantes cariocas de medicina, enfermagem, fisioterapia e afins. Se instalaram na pensão de Dona Zefa e, no dia seguinte, monitorados por 2 médicos professores, já estavam em campo, consultando, aferindo pressão, colhendo sangue, urina, fezes e vacinando a população. A cidade virou um fervedouro. Os velhos nunca tiveram uma assistência médica daquela e os jovens mirabelinos nunca viram tanta moça bonita. Estes não conseguiam nem responder as perguntas. Na anamnese, ficavam mudos, babando com tanta beleza. As futuras doutoras pareciam artistas de cinema. - Seu nome? - Han? - Por favor, seu nome? Como você se chama? - É Zé. Era uma tolemice sem fim. Zé e seus amigos, acanhados,não trocavam muitas palavras com as cariocas, mas acompanhavam-nas à meia distância por todos os cantos. Eram uma presteza a toda prova. Um adulo sem fim. Colhiam mangas e pinhas nos quintais, pediam as avós para preparem fornadas de biscoitos, doces e levavam tudo pra pensão das meninas do Rondon. Menos pequi, porque elas detestaram. Na coleta do sangue, eles deixavam as inexperientes estudantes furarem os seus braços quantas vezes quisessem. - “Dessculpe”, não consigo encontrar tua veia. Tá “doeendo”? O jovem doador mirabelense mesmo se mijando de dor e cagaço, respondia candidamente àquela fala mansa: - Não, não! Se quiser pode tentar de novo. Uma hora ocê consegue. Todas as meninas eram bonitas, mas tinha uma, Tatiana, que era uma deusa, uma princesa. Uma beleza nunca dantes vista e imaginada. A formosura era tamanha que platônicas paixões floresceram, mas nenhum amor foi declarado. Passado o mês, uma grande festa, com baile e banda, foi marcada para o sábado,véspera da despedida do projeto Rondon. Toda a cidade se alvoroçou para preparar uma festança em gratidão aos bons serviços prestados pela estudantada carioca.A Tatiana, percebendo o zelo e o carinho com que a população organizava os festejos, prometeu que dançaria no baile com o garoto de Mirabela que fizesse um gol no clássico, de sábado à tarde, entre os jovens craques da cidade contra o rival escrete de Japonvá.A promessa foi a gota d’água pra imperar a desarmonia no time de futebol. Ninguém queria ficar na reserva, nem no gol e, muito menos, jogar na defesa. Foi um upa para montar e escalar o time. Os jogadores entraram em campo, sem conversar, nada do grito de guerra“um por todos e todos por um”, dali em diante era “cada um cuida de si, murici.”. Logo na saída da bola o time todo partiu para o ataque, ninguém se preocupou em defender. Resultado: Levaram de onze. Um vexame nunca visto. A valia foi que nos minutos finais, por um descuido da defesa do Japonvá, o Zé de Gerônimo chutou desesperadamente a bola para o gol e ela entrou. Final 11 x 1. Em todo aquele vexame, a glória foi de Zé. Faturou a dança com a princesa Tatiana e a oportunidade de declarar a sua paixão. À noite, tomou um banho demorado, se esfregou todo, escovou os dentes três vezes, se vestiu, se perfumou,se perfumou de novo, foi a privada mais de duas vezes, tomou coragem e foi com a roupa domingueira, exalando naftalina,pra porta da pensão de Dona Zefa, esperar a mulher mais linda do mundo. Ao chegar lá, deparou com uma multidão a espera das estudantes para seguirem cortejo até o clube da cidade. O coração de Zé de Gerônimo estava para sair pela boca de tensão e emoção. Às dez horas, as participantes do projeto deixaram a pensão em direção ao baile, e Zé num ato de coragem se postou ao lado de Tatiana que, ao perceber sua presença,delicadamente pegou no seu queixo e disse: - Muito bem, meu artilheiro. As pernas de Zé amoleceram, mas,mesmo vexado, aguentou firme até o clube. Lá, sentou-se à mesa com as cariocas, porém não abriu a boca. Ao som dos hits parades da época, tomou um cuba libre, imitando-as, e aguardou o grande momento em que dançaria com Tatiana. Seria a derradeira e única oportunidade para declarar todo o seu verdadeiro amor. Passado um tempo, a banda criou um suspense com piruetas sonoras, suspendeu a música e passou o microfone para o prefeito. - Povo de Mirabela, estamos todos aqui para agradecer o Projeto Rondon que veio prestar relevantes serviços à nossa comunidade. Veio trazer saúde para nossa cidade e elaborar um levantamento de nossas doenças, endêmicas, para que de posse desses estudos possamos enfrentá-las de frente e dar uma melhor qualidade de vida para o nosso povo. Daqui alguns dias o projeto Rondon nos enviará os resultados de todos os exames colhidos dos cidadãos mirabelenses e nos apresentará um diagnóstico da nossa saúde. Uma salva de palmas para estes jovens doutores, que nossa cidade guardará no fundo do coração.Agora a bela Tatiana, terceiranista de medicina, dançara com o nosso jovem conterrâneo, José de Gerônimo, para que fique registrado para sempre os nossos laços de amizade. A banda,de volta com seus instrumentos e depois de um elucubrado preâmbulo, passou a tocar a música “Meu Primeiro Amor”, Zé começou a dançar com Tatiana e o clube de pé aplaudiu sem parar aquela apoteose. O barulho era tamanho que Zé não conseguiu falar nada com a garota dos seus sonhos, mesmo estando a centímetros do seu ouvido. O único momento que conseguiu dizer alguma coisa para ela, foi na despedida,já na porta da pensão, quando,acanhadamente, indagou: - Posso te mandar uma carta? No que ela respondeu: - Pode. Dona Zefa tem o meu endereço do Rio. Não dormiu. Passou a noite rabiscando cadernos, na tentativa de por no papel uma declaração de amor e saber o que ela achava dele. Depois de muitos burriscos, resumiu nestas palavras: “Tatiana, detentora do meu coração, em você eu encontrei a razão do meu viver. O que você encontrou em mim?”. Passaram-se dias, mais de duas semanas. O Zé de Gerônimo, ansioso, no aguardo da resposta de sua missiva, ia todo dia até a oficina dos correios, bem na hora da entrega da correspondência pela jardineira.Fez às contas,sete dias pra ir e sete dias pra voltar, a carta de Tatiana deve estar pra chegar. E chegou. Ao abrir, tomou um choque. Levou um tempo para entender. Mas decifrou tudo. Tudinho. Não podia acreditar naquilo. E saiu numa carreira alegre e saltitante para mostrar a carta de Tatiana aos seus amigos que o estavam esperando no campo para mais um treino. De longe, aos gritos, pulava e mostrava com a mão levantada a carta do seu amor. - Pessoal, veja a carta que chegou de Tatiana. Eu sabia que ela ia responder. Eu sabia. -Uê, leia o que ela escreveu aí. Zé, então, altivo, começou a ler: - Meu artilheiro,o que eu encontrei em você foi tênia saginata, necator americanus, áscaris lumbricoides e oxyurius vermiculares. O pessoal começou a gargalhar e caçoar de Zé. Chegaram a rolar na grama de tanto rir.No que Zé de Gerônimo, todo orgulhoso, respondeu: - Cês são uns bestas, em mim, Tatiana só encontrou vermes estrangeiros. Em vocês, ela só vai encontrá lumbriga! Esta história é do finado amigo e escritor José Luiz Rodrigues. Foi-me contada de corpo presente na promessa de me presentar com o seu livro “Verme Estrangeiro”, pois eu tinha reclamado que não o encontrava nas livrarias – edição esgotada. Ouvi com agrado e dei boas gargalhadas. Fique com Deus, Zé!

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