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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024


Augusto Vieira   
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Por Augusto Vieira - 25/5/2015 15:24:37
SUZANA THEREZA PRATES GONÇALVES DE QUADROS

Ela viveu, para minha alegria e de inúmeros amigos e admiradores, intensamente, sua liberdade, sem jamais prejudicar alguém. E por se saber tão livre é que era dotada de um dos mais incríveis sensos de responsabilidade, para com tudo que fazia, e de um profundo respeito pela dignidade das pessoas com quem conviveu. Acho que herdou isso do berço. De um pai cultíssimo, grande médico, e de uma mãe, dedicadíssima professora e diretora de escola primária, ambos levados à política, muito mais pela vontade do povo de minha aldeia, do que pela vontade deles próprios. Minha ligação com este médico é consanguínea, porque ele é filho de uma irmã de minha avó materna. E mais: foi um dos maiores e mais queridos amigos que a vida já me deu. Daquele tipo de amigo de todas as horas, confidente, que chegava junto a qualquer momento, de alegria ou de tristeza, dando os melhores e mais sábios conselhos, sempre desejando o que de melhor um ser humano poderia desejar a outro.
Essa mulher, filha de meu primo Alpheu Gonçalves de Quadros e de "Dindinha" Helena Prates, quando minha aldeia não tinha sequer paralelepípedos, fumava seu cigarrinho, em público, como faziam as grandes atrizes de Hollywood. Quando nenhuma mulher dirigia carros, lá vinha ela, tomando suas aulas de direção, com Alcebíades, num aero-willys vermelho, novinho. Quando nenhuma mulher assumia uma gravidez fora do matrimônio ela o fez com a maior dignidade. Quando havia um tremendo preconceito contra mulheres estudarem direito, lá estava ela, na Faculdade de Direito da UFMG, destacando-se nos cursos de Bacharelado e Doutorado. Quando não era comum as mulheres se inscreverem em concursos públicos de provas e títulos, lá estava ela, sendo aprovada no de Procuradora do antigo INPS, atividade que exerceu com incrível competência, até aposentar-se. De volta a Montes Claros, especialista em Finanças Públicas, ainda foi, por longos anos, titular da cadeira de Direito Financeiro, na Faculdade de Direito do Norte de Minas. E como era querida pelos colegas de magistério, pelos estudantes e pelos funcionários da faculdade!
Superou pesadas perdas: dos pais, da única irmã, do único cunhado e de um filho. Dedicou-se também à atividade rural, conservando e aumentando o patrimônio que amealhou com seu trabalho e que herdou dos pais. Lá estava ela, sempre alegre, em sua confortável e aconchegante residência, no Bairro Todos os Santos, de nossa aldeia. Sempre foi uma das minhas mais caras musas. Sou apenas um pouquinho mais novo do que ela. Essa prima sempre me fascinou. Aplicou-me a poesia de Vinicius de Moraes e lindas músicas, clássicas e populares.
Na foto, histórica, na sala da casa dos pais dela, o antigo palacete da Rua Doutor Santos, a vemos cercada pelo carinho de minha mãe Lena, de “tia” Mercês e “tia” Clarice.
Você, querida Su, foi uma das pessoas mais lindas, inteligentes e competentes que já amei nesta vida.
Descanse em paz!


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Por Augusto Vieira - 17/4/2015 22:36:29
Catrumanos se dão bem em todo tipo de casa. Muitos comerciantes da terra batizaram seus pontos com essa palavra. Quem ainda não entrou na “Casa Alves”, na rua Quinze (Presidente Vargas) com Praça Dr. Carlos? A Faculdade de Direito do Norte de Minas foi batizada, por mim, quando seu Diretor, de “Casa de João Luiz de Almeida”. Casa era tão importante para os ingleses do início do sec. XIII, que eles cunharam o magnífico lema: “My home, my castle”. A Igreja sempre foi cognominada “Casa de Deus”. A umbanda consagrou até a “Casa de Mãe Joana”. Dizem que os chamados afrodescendentes estão pensando em exigir do Vaticano um regime de cotas, pois só há dois santos negros: Cidinha e Bené. Cidinha tornou-se padroeira do Brasil. Bené o patrono dos nossos catopês, marujos e caboclinhos. Casa é, pois, aconchego, lugar sagrado, recanto de amor, paz e carinho, cantinho de descanso e sossego, altar de cada um de nós. Ou, ainda, como diz o poeta Georginho Júnior, “lugar onde um tal Bala Doce faz sua literatura, sem terno, chatice e gravata, caracterizando um modo de ser de quem ama profundamente a liberdade”. Maluquice-beleza. Sim, poeta, maluquice-beleza, mas muito mais dos acadêmicos que, no final dos anos 70, tornaram-me titular da cadeira nº 34, da Academia Montes-clarense de Letras, como sucessor do grande José Correia Machado, na presença de Cyro dos Anjos, que veio do Rio de Janeiro testemunhar a loucura. Larguei a chatice e a formalidade da toga para continuar trilhando caminhos libertários. Mas é a toga desvestida que hoje me provê materialmente para que eu possa me expressar através de meus livros, pelo “Jornal de Notícias”, pelo “Mural” e pela internet, em várias redes. E me inspiro muito no mestre Oswaldo Antunes. E tenho a sorte de contar com Luís Carlos Novaes, nosso Peré, meu editor amigo, e com Paulinho Narciso, meu querido crítico literário. Vocês acreditam que o pessoal daqui de Belô está me chamando de “Vinicius mineiro”? Será pelo fato de eu ter, depois da magistratura, dedicado minha vida à literatura e a outros movimentos culturais? Ter abolido dela coisas tais como reuniões, paletós, gravatas, meias, cuecas e horários? É muita honra para um pobre marquês essa comparação!
Com uma menina de 94 anos que vive em minha aldeia é um pouco diferente. Nada de maluquice-beleza. Ela se dedicou, com muita seriedade, sem perder sua alegria e seu requintado senso de humor, a semear generosas sementes sem a ambição de colher frutos. É o protótipo da educadora. Uma lady. E como escreve gostoso! E como fala bem! Outro dia mesmo vi uma entrevista que ela deu a minha querida prima Felicidade Tupynambá, no Canal 20. Vi duas vezes, porque eles reprisam os programas. Coisa mais linda! Falou de nossa Academia. Ouvi-la ou ler o que ela escreve, são deleites para minh’alma. E me emociono quando ela se lembra de seu querido Olyntho, de cuja amizade sincera tive o prazer de desfrutar por longos anos. Os dois se tornariam muito grandiosos para uma só casa na Padre Augusto. Muita luz para lugar tão pequeno. A fulgurante estrela chamada Olyntho foi brilhar no firmamento, num recanto muito especial. E lá se encontra à espera da amada de sua vida, que nós não queremos deixar partir. Ele já deve estar se queixando da demora.
Essa amada de Olyntho é realmente uma mestra. Nossa mola mestra. Líder inconteste de todo um processo cultural que vem fazendo uma verdadeira revolução em nossas plagas. Dentre os acadêmicos – e tive o prazer de conviver com os mais antigos, desde Cândido Simões Canela, Arthur Jardim de Castro Gomes, Simeão Ribeiro Pires e João Valle Maurício – ela é a estrela mais brilhante e merece, como ninguém, ter seu nome como epíteto de nossa Academia que, na verdade, é a filha que ela e Olyntho não tiveram.
Que o nome dessa nossa musa atravesse gerações e seja sempre lembrado. Afinal, somos imortais, pelo menos no território de uma aldeia que nasceu entre montes tão claros e cuja grandeza se reflete neste nosso céu tão lindo.
Viva a “Casa de Yvonne Silveira”!


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Por Augusto Vieira - 26/11/2014 15:07:30
ZIM BOLÃO

Para minha geração, tornou-se um ícone, um símbolo, um corifeu, um paradigma. Ele se chama João da Silva Prates e ficou conhecido pelo histórico apelido de Zim Bolão, embora nunca tenha sido um bolão propriamente dito, mas um homem forte e musculoso. Zim, de uma das mais tradicionais famílias da cidade, praticava todos os esportes especializados. Nadava vários estilos, era um exímio levantador de voleibol e jogava basquete muito bem. Cidadão modelo, amante de sua terra, trabalhador, honesto, solidário, culto e profundamente sincero, não era apenas nosso técnico de basquete, mas nosso orientador para os embates da vida. Um filósofo-educador, posso dizer hoje, sem medo de errar. Quantos problemas de ajustamento social de seus pupilos ele resolvia com sábios conselhos e atitudes firmes! Às vezes, poucas, quando rude, suas broncas eram de amor, desejando mostrar novos caminhos a quem deles carecia para se tornar homem de bem. Paizão mesmo, esse exigente treinador tratava todos igualmente e acompanhava, interessado, os passos de nossas vidas. Depois dos bons tempos do basquete, quando obtínhamos alguma vitória, sentíamos logo – creio que isso acontecia com todos – aquele ansioso desejo de encontrá-lo, só para contar-lhe e ver o brilho de seu bondoso olhar abençoando nossa conquista. E normalmente o fazíamos em seu famoso e inesquecível bar, na rua Simião Ribeiro.
Em 1965 fui convocado para a seleção mineira universitária de basquete e disputei o Campeonato Brasileiro. Antes já participara de dois campeonatos mineiros, jogando pelo Cruzeiro e pelo América, O Galo não tinha time de basquete. Fiz amigos excelentes nestes dois clubes e até hoje exibo, orgulhoso, minha carteira de sócio atleta deles e um troféu a mim entregue por “titio” Felício Brandi, quando fui eleito craque do ano, pelo colunista Ilídio Costa, do “Diário de Minas”. Houve uma festa na antiga sede social do Cruzeiro, no Barro Preto, tipo “Troféu Bola Cheia”, que nosso querido Denarte promove em Montes Claros. Um repórter, da TV Italocomi, fazia a cobertura do evento e resolveu gravar uma entrevista comigo. Eu estava paquerando minha futura esposa e não queria saber de perder tempo com outras coisas. Aí ele me tirou da pista de dança e perguntou onde eu tinha aprendido a jogar basquete. Respondi: com Zim Bolão, lá na Praça de Esportes. E saí apressado do local para retornar aos braços da quase namorada. O rapaz deve estar procurando saber, até hoje, decorrido mais de meio século, quem é esse tal de Zim Bolão e onde fica essa tal de Praça de Esportes...
Zim Bolão fechou seu bar, que era frequentado por pessoas maravilhosas e foi, por muitos anos, um importante centro cultural de nossa aldeia, com inúmeros habitués – não cito nomes para não cometer injustiças – que ora homenageio na pessoa do saudoso Raymundo Muniz de Carvalho, nosso “General” Mundinho Atleta, eterno presidente de uma imaginária república de amizade e afeto. Gostava muito de ler bons livros e de trabalhar. Era dono de um famoso bufê, com magnífica sede, que leva o nome da meeira de sua vida, D. Duca, que deixou imensa saudade em nossos corações quando partiu e que, com ele, legou à nossa gente, Joãozinho, Catarina Maria e Ângela, herdeiros da inteligência, da honradez e da dignidade de ambos.
Meu querido Zim, mais uma vez, emocionado, ofereço-lhe todas as minhas cestas e todas as minhas vitórias. Muito obrigado pelo que você fez por mim. É uma honra poder chamá-lo de amigo. Só Deus saberá lhe recompensar tanta paciência e bondade. E que você seja sempre esse majestoso e brilhante farol a nos guiar. Descanse em paz, amigo. Sua vida valeu a pena.


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Por Augusto Vieira - 16/11/2014 10:01:53
ADEUS, QUERIDA "TIA" RUTH TUPINAMBÁ!

Aqui, aos prantos, depois de saber por intermédio de Rogério Borges, quero abraçar Norma, Márcia, Nara, Teca, Alberto, Armeninho e demais familiares. O Conde Armênio Graça estava reclamando muito, dizendo que o céu estava ficando sem graça sem ela.
Vai uma crônica a ela dedicada em meu livro Bala 60 e que está aqui no site do Facebook também. Mudei para minha aldeia e meus amigos começaram a viajar. Primeiro Cláudio Athayde, depois Haroldinho Veloso e, agora, minha querida "tia" Ruth. Recebemos, juntos, a medalha do Movimento Catrumano. Não tenho a capacidade de retribuir à altura a crônica que Armeninho dedicou à memória de meu pai, mas vai a que pude fazer:

Minha querida tia, pelo coração. Primeiro, devo dizer-lhe que recentemente tive o prazer de falar, por telefone, com seus filhos Alberto e Armênio, meus fraternos amigos. Segundo, que li, em nosso Mural, sua crônica “Cibernética, assim caminha a humanidade” e a notícia da conclusão da pesquisa da UNICAMP, no sentido de que o uso do computador pode piorar o desempenho dos estudantes. Louvando suas teses, seu romantismo, seu otimismo, sua eterna juventude e esposando a tese da universidade paulista, envio-lhe esta singela mensagem.
Certa feita, tia Ruth, recebi um hóspede indesejável: um vírus no disco rígido {(HD = hard (quente) disk)} de meu PC (Personal Computer = computador pessoal). Então fui obrigado a aprender a dar o famoso boot (pé na bunda, pontapé) em todos os softwares (programas) instalados. Resolvi fazê-lo sozinho, para aprender. Fui ao BIOS (vida), que é uma espécie de retrato da placa-mãe (útero do computador), onde você lê todas as características básicas da máquina e pode configurá-la. É como entrar na alma do bicho. Sabia que o macete era colocar o CD de instalação no driver (condutor) e dar uns toques repetidos na tecla delete (apagar). Hoje nem isso é mais necessário. É tudo automático. Basta a pressão de duas teclas. Teclado chama-se Keyboard = chave de bordo. A bordo de quê? Seria o timão de um navio singrando mares? Teria surgido daí a expressão navegar na Internet? Minha sorte é que havia feito backup (cópias de meus arquivos) em CD. Reinstalei todos os softwares (programas) e, como não tinha problemas de hardware (equipamentos), copiei-os e tudo funcionou às mil maravilhas.
E foi assim, minha jovem e amada escritora, que me rendi aos novos tempos, perplexo por já estar falando a linguagem da informática com a maior naturalidade. Logo eu que, só depois dos cinquenta anos, influenciado por meu filho, o Combat, passei a usar essa milagrosa maquininha. Acostumado a ler romances de ficção, livros de filosofia, direito, política e história, li e gostei do livro do Bill Gates, “A estrada do futuro”. Mal fechei sua última página assaltou-me o seguinte pensamento: já pensaram se o canadense Marshall Mcluhan quando, no início dos anos 60, do século próximo passado, lançou a expressão “aldeia global”, tivesse imaginado a revolução da informática, ou seja, que quase tudo poderia lhe vir às mãos, instantaneamente, de qualquer canto deste nosso vasto mundo? Pouco tempo depois passei a defender a democratização dos PCs. Toda morada do Brasil deveria ter, pelo menos, um. Tal qual luz elétrica, geladeira e telefone. O PC, principalmente depois da navegação em banda larga – e hoje já navegam até sem fio –, simplificou nossas vidas porque não mais enfrentamos aquelas filas quilométricas dos bancos; escrevemos, produzimos, alteramos e corrigimos textos, salvando tudo em arquivos; fazemos pesquisas sobre todos os temas que quisermos; mandamos documentos e mensagens instantaneamente; passamos e recebemos “faxies” (permitam-me esse plural); imprimimos o que nos interessa; ouvimos músicas; vemos filmes e televisão; escaneamos (permitam-me esse verbo), editamos e arquivamos fotos; produzimos filmes caseiros e mil coisas mais. Logo, logo, livros e jornais impressos serão coisas do passado, principalmente depois que minha geração passar e amadurecer a moçada que conviveu com a informática desde a infância. Meus netos usam um computador com a mesma naturalidade com que eu uso um garfo e uma faca para comer um arroz com pequi e carne de sol.
No entanto, grande Ruth Tupinambá, e a bem da verdade, há momentos que, como toda máquina, computador enche o saco, satura, cansa. Todos eles deveriam ter uma teclazinha chamada “foda-se”, para acionarmos nessas ocasiões. A gente não pode nem deve se viciar nessa cativante maquininha, porque isso poderia levar-nos a deixar de lado os prazeres maiores da vida, tais como beber uma cervejinha batendo papos com amigos em volta das mesas dos bares; fazer amor gostosamente; ler um bom livro ou uma crônica de Ruth Tupinambá; tocar um instrumento musical; andar pelas ruas, sem rumo e sem nada para fazer, só admirando a obra-prima da criação: gente. E o que seria pior: o vício cibernético pode também mandar para o espaço toda nossa criatividade, a ponto de nos transformar em meros manipuladores de informações, o que nada tem a ver com o processo conhecimento.
Computador é que nem bebida: gostosa, mas deve ser usada mo-de-ra-da-men-te. É valioso instrumento, preciosa ferramenta para facilitar nossa existência, cujos valores maiores, encabeçados pelo amor, foram tão bem ressaltados em sua artística crônica, eivada da mais profunda filosofia. Já imaginou, minha querida e cibernética Ruth Tupinambá, se Machado de Assis tivesse um PC?
Você, minha querida amiga, é, no altar de seus mais de 90 anos, a grande escritora de minha aldeia. Um símbolo de inteligência e honradez para as novas gerações. Obrigado por seus livros, artigos e crônicas. Obrigado pela homenagem que você prestou à memória de meu pai, numa de suas crônicas, relatando a amizade entre ele e seu marido, nosso saudoso “Conde” Armênio Graça. Querida "tia", sua bondade te fez Santa. Descanse em paz, sua vida valeu a penha.


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Por Augusto Vieira - 21/5/2014 02:02:14

ADEUS, QUERIDO COMPADRE!

É, só Deus sabe o quanto você lutou pela vida. Ela queria te deixar, mas você, com a perícia do grande atleta que foi na juventude, dava um laço nela e a fazia voltar pra bem pertinho de você. E também só Deus sabia o quanto você gostava de viver. Sob o manto daquela seriedade congênita escondia uma alma branda, sempre em busca de algo inteligente para alegrar os amigos, a cidade e o país. Você era tão inteligente e líder que dava o mote das coisas para depois curtir as consequências das ações dos outros sobre elas. Daí ter-se tornado nosso grande Chefe. E fazia isso com a boa-fé dos homens de bem, dos homens de coração puro, dos poucos homens que conquistam aquela tão sonhada intimidade com Deus. Você a conquistou, compadre. E eu sabia disso. Conquistou sem fazer alarde, como era próprio de sua personalidade, de uma maneira sublime e, porque não dizer, sutil. Devagar, sem a mínima pressa, ela foi chegando em você e purificando, cada dia mais um pouquinho, com gotas de amor, sua nobre vida. Compadre, se eu for lembrar aqui os momentos que vivemos juntos escreveria - e você sabe disso - um livro de mais de trezentas páginas. Alguns deles remontam à nossa juventude, ao segundo andar do casarão de Wilson Veloso e de D. Neuza. Nunca me esqueço do piano da sala. E da imensa travessa de arroz branco, fumegante, para alimentar a criançada da casa e os convivas. Lembra daquela noite em que ficamos, os dois, até o dia amanhecer, sentados no cimento frio da redonda bomba da Esso, perto de sua casa, violão em punho, ensaiando a música "O Amor em Paz", do Tom Jobim? Anos depois, já velhos, repetiríamos aquele momento, só que, desta feita, no bar de sua majestosa residência, para criarmos a paródia "Sô Nem", também com música do grande maestro. Juntos estudamos, residimos em repúblicas em Belô e juntos praticamos alguns esportes, inclusive o basquete, até em seu querido Cruzeiro que, juntos, em Santiago do Chile, vimos ganhar a primeira Libertadores. E eu, atleticano, a gritar o nome de seu time depois da conquista, acho que mais para homenageá-lo do que a qualquer outra coisa. Você e comadre Ângela batizaram minha Thetê. Quis demonstrar, nesta escolha, apenas o quanto lhe queria bem, porque a gente escolhe para estes misteres apenas as pessoas que mais amamos. Estivemos juntos nos nascimentos de seus dois filhos e nos casamentos deles. Celebramos suas bodas de prata, no casamento de Vanessa. É meu compadre, viajamos muito juntos. Agora não posso te acompanhar nesta sua mais nova viagem. Sabe que gostaria de estar a seu lado também neste momento? Sabe que seria até prazeroso para mim? No entanto, Deus quis que eu ficasse por aqui mais um tempinho, sem você, com um pedaço de mim mutilado por sua partida. Você encantou, como dizia o grande Rosa, muito cedo, mas sua vida, como cantava o vate lusitano, valeu a pena, porque sua alma nunca foi pequena. Até breve, Compadre! Vê se encontra por aí com Cláudio Athayde, Wanderley Fagundes, Dácio Cabeludo, Afrânio Temponi e outros amigos. Pensem, por favor, em preparar as recepções dos que ainda ficaram por aqui.
Grande Haroldo Furtado Veloso!
Palmas, cheias de lágrimas, para você!


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Por Augusto Vieira - 10/5/2014 20:43:04
JOÃO CARLOS SOBREIRA

Falar de você, meu querido amigo, vai é na porrada mesmo. As coisas estão, há muito tempo, acumuladas em minha mente. Estava à procura de uma foto sua e só hoje achei uma na Internet. Você foi e é um dos maiores amigos que a vida já me ofereceu. Desde minha juventude, você um pouquinho só menos jovem, já estudando arquitetura na UFMG, em Belô, e residindo naquele castelo da rua Curitiba. Nas férias jogávamos basquete juntos, na Praça de Esportes, sob o comando daquela figura maravilhosa chamada Zim Bolão, que o vulgo conhece por João da Silva Prates.
E como ele gostava de você! João, falso magro, fortão, com aquelas pernas e aqueles braços imensos não era fácil de ser marcado. E o Conjunto Musical do Clube Montes Claros? Você, Mário Bode, Carlos Alberto Prates e outros galãs da época. Eu, mais novo, aplaudindo e querendo imitá-los. Daí, descoberto seu lado musical, por sinal muito forte, já estudando Direito, em Belô, passei a frequentar sua casa, ali na Dr. Veloso, durante minhas férias, ao ponto de provocar ciúmes em minha mãe. Sentávamos na imensa varanda e ficávamos ouvindo jazz, através da eletrola da sala. E você imitava todos os instrumentos com a boca. E eu ficava impressionado com aquela sua musicalidade.
Mas o bom disto foi que ganhei uma adorável "tia", pelo coração: tia Zaé. E sempre um café vespertino dos mais fartos que já vi. Você, já exercendo a profissão, descia as escadas do escritório, por volta das três da tarde e eu, vagabundo de férias, já estava na mesa, com tia Zaé, só te esperando para atacar aquelas coisas deliciosas. Lembra, amigo, que logo que me formei, vim para nossa aldeia e o pessoal me lançou para ser seu vice, na casa de "tio" Zeca Guimarães. Nó, que alegria! Que honraria. Ser vice de um dos meus ídolos. Daí houve uma reviravolta, que não interessa contar aqui, e eu saí para vereador. Estava no topo e, logo depois, voltei à planície. Mas não desertei. Fui até o final a seu lado e, podes crer, fizemos a maior campanha política de todos os tempos, cientes de que não teríamos condições de ganhar as eleições. Queríamos - e o fizemos - apenas firmar valores perante a opinião pública, tais como Plano Diretor e outros. Que dignidade e que honradez, hein, amigo? Isso, hoje em dia, quase não mais existe. Lembra, amigo, que, logo que adquiri condições, você fez o projeto de minha residência e que começamos a obra? Lembra da reforma do prédio da rua Quinze? Você, Rays e Pedro Piteira. Repito aqui, falando agora do profissional, o mesmo que disse em relação à sua atuação na política: que dignidade e que honradez! E seu casamento com Baby, de "tio" Jáder e "tia" Lygia? E o nascimento de Izabella? Combinamos logo o casamento com meu Luiz Gustavo. Meu querido João Carlos, você nem imagina o quanto te prezo e respeito. Receba, com esses pobres escritos, meus sinceros cumprimentos pelos seus, que tenho sempre lido, e a certeza absoluta de que lhe considero, como já disse, uma preciosidade que Deus colocou em meu caminho para ser amigo. Te amo Joãozão! Beijos.


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Por Augusto Vieira - 10/5/2014 02:48:02
REFLEXÕES E POEMAS DE TANCREDO MACEDO
Caro amigo.
Na honrosa condição de ser um dos duzentos proprietários de seu livro, devo dizer-lhe que comecei a leitura ontem por volta das oito da noite e só parei agora, quase três horas da madrugada de hoje. Eu já imaginava o que seria, pelo que conheço de você. E o conhecia muito mais como admirador, porque convivi mesmo, pra valer, foi com seu irmão, nosso inesquecível Jomar. Acompanhava-lhe os passos, sempre, para servirem-me de exemplo. Exemplo de dignidade humana, de respeito ao semelhante, de desprendimento da riqueza material e cultivo aos valores do espírito, como manuscreveram seus filhos na quarta capa. Conheço, agora, de perto, o Tancredo poeta e o Tancredo escritor. Interessante, não é? O pessoal, nunca chama os poetas de escritores. Será porque os poemas são, antes de tudo, inscritos nas almas dos vates? Suponho que sim. Adorei seu livro. Grande médico e, agora, para mim, grande poeta e grande escritor será sempre esse craque em tudo que já fez, inclusive no futebol. Que garra e que raça! E eu na arquibancada gritando seu nome, junto a milhares de pessoas. Um poema seu me emocionou, o "Choro Doloroso", especialmente quando você diz: "...também quero cheirar o esquálido vagabundo, tão guardado no bojo da crueldade do mundo". Parabéns por este legado, não só a seus familiares, mas a seus amigos e a toda nossa querida aldeia. Parafraseio Vininha e Ivan Lins pra dizer, finalmente: se todos fossem iguais a Tancredo Macedo a vida poderia ser maravilhosa. Vamos brigar por nosso sonho de amor? Tô nessa, contigo, caro amigo. Muito obrigado pela linda dedicatória! Seu livro, sobre ficar exposto na estante, estará sempre em mim, como uma estrela guia.


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Por Augusto Vieira - 6/5/2014 04:01:11
OS CASOS DO LORD AIR VIEIRA

Tio Air é uma pessoa agradabilíssima. Fiquei 31 anos fora de Montes Claros e estou morando aqui há quatro meses. Quando a gente chega de fora percebe melhor as coisas. Impressionante como ele é querido. Já lhe dediquei meu décimo-primeiro livro "O Roubo do Pequi Atômico", aliás, escrito para ele, em comemoração a seus 90 anos. Já aos 91, ele continua forte e lúcido, de bem com a vida e curtindo quase vinte bisnetos. As meninas de Mércio e Marta, Paulinha e Cristina, lhe deram dois, recentemente que, combinamos, iremos conhecer, em Belô, o mais breve possível. Mércio, meu querido primo "Tina Veio", deve estar babando. Demoraram, hein primo? Mas vieram, finalmente.
Considero tio Air, hoje em dia, meio que um pai substituto. Logo ele, que sempre me dissera que fora criado por meu pai, Nonô, um de seus oito irmãos. Sempre, aos domingos, vamos almoçar no restaurante "Recanto do Rio", de nossa amiga Vanessa Ramos. Neste último fim de semana fomos no sábado e no domingo e, nos dois dias, mandamos ver em duas deliciosas feijoadas, regadas a caipiríssimas.
Tio Air, quando jovem, pegava quatro sacos de 60 quilos e colocava um em cada ombro e dois entre os braços. Um touro. Mas fora acostumado, trabalhando, a fazer isto. Desde menino era o guia dos carros de bois de meu pai e de um irmão deles, tio Moacyr. Veio para Montes Claros com 14 anos e... tome serviços, sob o comando de nosso autoritário patriarca, tio Augusto Getúlio Vieira, irmão dele. E o menino se virou. E se virou muito bem. Até hoje anda a cavalo três horas por dia, em sua belíssima fazenda, a histórica "Vaca Brava". Nos finais de semana vem para cidade e fica num lugar maravilhoso, cujo nome retrata o que realmente é: seu sítio "Paraíso". A cidade o cercou pra tudo quanto é lado. A solução, qualquer hora, será transformar o sítio num loteamento e nós perderemos este local tão lindo, que nos traz gratas recordações de tia Clarice, especialmente no que diz respeito às plantas e jardins, ainda cuidados com muito carinho.
O mais gostoso desse nosso último encontro dominical foi o papo. Tio Air me revelou coisas interessantíssimas de nossa família e da história de nossa aldeia. Houve momentos que eu fazia quem nem Zezito, meu primo e sobrinho dele: chorava de tanto rir. Ele estava inspiradíssimo. Contou-me várias histórias e a que me mais me marcou foi a que envolveu Zé Piriquitinho.
O Prefeito da cidade era Dr. Santos, segundo tio Air, um homem pequeno, mas de uma valentia monstruosa. E eram amigos, ele muito mais jovem. Pois bem, estavam no Clube Montes Claros, jogando uma sinuca, quando entrou Zé Piriquitinho, que era bom de briga, todo machucado. Dr. Santos perguntou o que ocorrera e Zé narrou quer fora vítima de uma imensa covardia. Seguro por dois policiais civis, fora espancado por um desafeto, cujo nome, evidente, não declinarei. Dr. Santos viu aquilo e disse:
- Aqui nessa cidade não tem homem, não? Cês vão atrás desses malvados e façam justiça, que eu garanto o resto.
Abro um parêntesis para contar que meu pai havia me contado que tio Air, certa feita, dera um murro tão bem dado num sacana que o cara bateu com tanta força numa parede que a derrubara. E ele me contando essa história, descobri que o que meu pai me dissera era a mais pura verdade, pois foi justamente para vingar a covardia sofrida por Zé Piriquitinho que ele fizera isso, no Bar de Sinval Amorim, bem ali na Rua Quinze.
Encorajada pelo Prefeito, a turma foi lá e cobriu o cacete nos covardes. Quebraram todo o bar. Tio Air me contou e eu quase morri de tanto rir nessa hora, que aproveitou a ocasião e ainda deu uma boa porrada num cara chatíssimo que ele não topava e que estava no bar, sem nem saber o que estava ocorrendo. Nessa hora eu desabei. Quer dizer, aproveitando o ensejo, dou logo uma naquele chato, sabendo que ficaria tudo bem, porque teria a meu favor a defesa de que estava todo mundo brigando. Vingado Zé Piriquitinho, retornaram ao clube e contaram a Dr. Santos o estrago que haviam feito. Ele simplesmente respondeu:
- Não se preocupem com o restante. Deixem que eu resolvo tudo sozinho.
Saiu do clube, foi ao detonado bar e resolveu tudo com o proprietário. E ainda fez correr mais uns dois chatos, gatos pingados, que lá estavam querendo apanhar mais.
O arremate dessa história? Foi simplesmente genial. Ele me disse que naquela época só havia seis soldados aqui e que eles, quando viam a turma, mudavam de direção, morrendo de medo de sobrar pra eles também, como sobrara para os covardes detetives que haviam segurado Zé Piriquitinho. Nessa hora eu não resisti e chamei a atenção dos demais fregueses do restaurante, soltando uma estrondosa gargalhada, com os olhos lacrimejando.
Esse meu tio é mesmo um homem fora de série. Se pudesse almoçava e jantava com ele todos os dias. E sabem que ele comparece, sem remédios, até hoje? E sabem que Betinha, aquela senhora que governa a Grã-Bretanha, ainda está apaixonada por ele? Que belo exemplo para toda a família! Saravá, Lord Air Vieira!


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Por Augusto Vieira - 22/3/2014 06:17:49
ALPHEU GONÇALVES DE QUADROS

Era meu primo em segundo grau, porque sua mãe era irmã de minha avó materna. Tornou-se um dos maiores amigos de meu pai e fui, por longos anos, o herdeiro dessa grande amizade. Nosso santo combinava. Era um homem bonito, alto, elegante, de voz branda e extremamente culto. Humilde, não alardeava seus conhecimentos literários e suas virtudes profissionais. Grande médico, devo a ele a vida de minha mãe. A ele e a Dr. Fábio Ribeiro. Batíamos longos papos, em minha casa ou na dele, ou quando viajávamos em sua caminhonete com destino a alguma fazenda. Aparentemente sério, adorava dar boas e genuínas gargalhadas. Sempre de terno e meias cinzas, sapato marrom, camisa impecável e gravata borboleta vermelha, ou com seu blusão cáqui ou guarda-pó branco, camisa, calça e botinas de fazendeiro nas viagens pelas estradas empoeiradas, nas quais, muitas vezes, eu me tornava seu cuidadoso motorista. Menino, participei de suas campanhas políticas. Por três vezes foi Prefeito de minha aldeia e eu sentia o maior orgulho de ter aquele primo tão querido no comando da coisa pública. Tinha inigualável senso de justiça e não perseguia ninguém. Respeitava os adversários políticos de um modo reverente e agia com muita ética e serenidade nas questões que os envolvia. Nunca o vi abrir a boca para falar mal de alguém. Nas horas felizes sempre estava em minha casa. Nas tristes era o primeiro a chegar, perguntando se eu estava precisando de alguma coisa. O último almoço, um arroz com pequi e carne de sol, em minha casa da Irmã Beata, depois de minha separação, contou com sua honrosa presença. Fiquei uns tempos meio descontrolado e ele, semanalmente, me visitava para saber como estava minha vida. Quando adoeceu, com mais de 90 anos, eu estava judicando em Pirapora e sempre o visitava no casarão da Dr. Santos, ao lado do prédio onde funcionava “O Jornal de Montes Claros”. Ficava à beira de seu leito a bater os bons papos, relembrando coisas do passado e contando a ele as novidades. Sentia em seu semblante a alegria e um certo orgulho por me ver homem renovado e juiz de direito, depois do sofrimento. Ele gostava muito de mim e me desejava tudo de bom que o mundo poderia me ofertar. Eu também era assim em relação a ele. Tio Joãozinho e “Dindinha” Honorina tiveram um grande filho. “Dindinha” Helena Prates teve um grande marido. Suzana e Sônia tiveram um grande pai e eu tive um grande primamigo, por quem, até hoje, choro de saudade. Que homem maravilhoso foi esse Alpheu Gonçalves de Quadros!


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Por Augusto Vieira - 4/12/2013 03:22:44
DISCO “AVUADÔ”

Augusto Vieira

Corria o ano de 1958. Em outubro de 1957 os russos haviam lançado o primeiro satélite, o Sputnik, tema predileto, por muito tempo, das conversas montesclarinas. Muitos ficaram a imaginar, para breve, uma viagem ao cosmo, em busca do desconhecido, para alguns, poucos malucos-beleza da cidade, conhecidíssimo. Geraldo Tatu, com uma folha de papel numa das mãos, narrava como fora sua viagem ao planeta Marte. A meninada, influenciada pelo seriado “Flash Gordon”, o grande herói estelar, dava a maior atenção a seus enfumaçados relatos. E sonhava, nas noites quentes, com viagens interplanetárias. Volta e meia alguém dizia que visitara os anéis de Saturno e que eles eram lindos, causando inveja aos não sonhadores.
Numa linda noite de outono, lua cheia, céu coalhado de estrelas, jogavam pife-pafe, na casa de Geraldo Prates, inteligentíssimo Escrivão do Crime da Comarca, o próprio; Sinhá Oliveira, esposa do grande jornalista Jair Oliveira; Antônio Rodrigues, corretor de seguros, tocador de viola, cantador e futuro artista de cinema; o fazendeiro e comprador de bois João de Quirino; “seu” Correia, pai do futuro cineasta Carlos Alberto Prates Correia e Alfeuzão, filho de Geraldo Prates. Pela madrugada, D. Alice, dedicada esposa do serventuário da justiça, pediu ao marido que levasse a sogra, D. Maricas, em casa, na Praça da Matriz, ali pertinho. Geraldo prontamente atendeu e, quando retornava da casa da sogra, passou pelo casarão colonial de Jair Oliveira e Sinhá, na Dr. Veloso, esquina com a praça. De repente viu uma “coisa” no meio da Dr. Veloso, em frente ao portão que dava acesso lateral ao “Solar dos Oliveira”, parecendo uma caçamba de entulho, emitindo uma luz branca, fortíssima, e soltando irrespirável cheiro de enxofre. Assustado, retornou à praça e chegou a um posto de gasolina cujo vigia era o velho Nestor, com quem comentou o fato. Nestor disse que, realmente, havia visto uma luz brilhando pelos lados do sobrado. Foi então que, para surpresa de ambos, o objeto iluminado levantou-se do chão, perdeu a claridade lateral e sua luz se focou exclusivamente no piso da rua, aumentando assustadoramente de intensidade. Logo em seguida, decolou, em altíssima velocidade, sem fazer qualquer ruído. Geraldo Prates retornou à casa apavorado, arfante, quase sem fôlego. Parecia que não corria mais sangue em suas veias. O pessoal ainda jogava e, de imediato, nem deu bola para o que ele, ansioso, tentava contar. Até que Antônio Rodrigues se levantou da mesa e conclamou os presentes:
- Gente, Geraldo tá é ficando doido. Vamos lá, com ele, no lugar em que ele viu o disco voador. Essas geringonças sempre deixam algum vestígio.
E todos saíram em direção ao portão do casarão. Não viram nada de anormal, mas ainda sentiram o forte cheiro do enxofre no ar.
Poucas semanas depois uma equipe da Força Aérea Norte-Americana chegou a Montes Claros e submeteu Geraldo Prates a um longo questionário, tendo seu filho Júlio como intérprete.
Esta deve ter sido primeira visita dos ETs à nossa aldeia. Por ser Geraldo Prates um homem de muita credibilidade e nosso digno Escrivão do Crime, o fato repercutiu, inicialmente no Forum Gonçalves Chaves para, logo depois, tomar conta da cidade, na época com umas trinta a quarenta mil almas.
Até surgiu uma conversa no sentido de que Mundinho Atleta, nosso querido e saudoso Raimundo Muniz de Carvalho, havia sido abduzido. Só que ele, nosso General e Chefe Supremo das Forças Armadas do Brasil, ao invés de se tornar refém dos ETs, passou a liderá-los e, dois meses depois, era trazido de volta, com honras militares, em frente ao Bar de Zim Bolão, na rua Simeão Ribeiro. Quando Mundinho descia do disco, por ali passava - dizem que por castigo devido a não ter acreditado em Geraldo Prates - Antônio Rodrigues, que retornou imediatamente à janela da sala da casa do farmacêutico Mário Velloso para narrar a cena que presenciara aos companheiros de jogo de baralho que acabara de deixar. E eles não lhe deram a mínima atenção, tão concentrados que estavam nas cartas. Um deles apenas comentou:
- Montes Claros, gente, ganhou mais um maluco.
Carlos Alberto Prates Correia colocaria esta cena em seu festejado e premiado filme “Cabaré Mineiro”, no final dos anos 70, do século próximo passado.
Devo mencionar anda que nosso “General”, quando veio o golpe militar, em 1964, ameaçava àqueles que criticavam as forças armadas, de abdução e, conforme a gravidade da ofensa, abdução sem retorno.
Na época, perguntaram a Pedro Canela, irmão de nosso escritor, poeta e tabelião Cândido Simões Canela:
- Pedro, ocê viajaria nesse tar de “disco avuadô”?
E ele, na bucha:
- Viajaria, sim, mas só se me deixassem levar uma mulher bonita, um pacote de cigarro Continental e um 38, cano longo, carregado de balas dum-dum.
Tempos depois surgiria a sigla ET, para identificar os extra-terrestres que, aqui, em nossas plagas, para o velho Pedro Montes Claros, jamais deixariam de ser, pura e simplesmente, uns “istrangeiro”.
Em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong pousaria “in riba da lua” e gravaria para o mundo a mensagem: este é um pequeno passo para o homem, mas um salto gigantesco para a humanidade." Só que muitos de nossos conterrâneos, antes dele, já haviam feito esta pitoresca viagem.


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Por Augusto Vieira - 18/8/2013 12:54:00
A CHEGANÇA DE ZÉ BENTO

Depois de atravessar várias esferas do firmamento, finalmente, pela pureza de sua alma, meu querido Zé Bento, chegou aos pórticos celestiais. Pedroca abriu-lhe a imensa porta de madeira talhada. Zé Bento fixou aquele seu olhar penetrante em suas barbas brancas e foi logo perguntando:
- É aqui que a gente tem que "coisar"?
O bom velhinho, perplexo, nada entendeu. Aí Zé Bento voltou:
- Diz logo aí, amigo, pois se não for aqui que a gente "coisa" eu vou tratar, logo, de me "descoisar".
Pedroca arregalou os olhos. Pensou com seus botões: esse cara é doido. Mas aqui anda precisando de umas pessoas assim, diferentes. Tá muito formal, burocrático e monótono. Deixou o velho Teixeira de Salles transpor os umbrais, após responder a uma pergunta sobre onde se encontraria uma cervejinha bem gelada.
Aí, então, o Luziense apaixonado foi encontrando amigos. O Neves o abraçou, deu uma estrondosa gargalhada ao notar o semblante do santo porteiro, e foi logo dizendo:
- Zé Bento, cê demorou chegar, hein? Tá tudo bem lá embaixo? E o Roberto Elísio, continua na cabeceira da mesa, inventando frases espirituosas para arrematar os papos? E o Fausto Mata Machado ainda usa seu famoso "data vênia" antes de expor uma ideia? E o Bala Doce continua falando que nem uma égua gorda e velha? E o "figueiredo" do Leopoldo Bessone, como vai?
Foi então que aproximaram-se o Viotti e o Zé Ramos Filho. Zé Ramos com uma bandeira do Galo, aos gritos, ainda comemorando efusivamente a conquista da Libertadores. Viotti com um pedacinho de papel, dobrado, nas mãos, que entregou a Zé Bento e pediu para que ele só abrisse depois de se acomodar em seus novos aposentos.
Mesmo fatigado pela longa e cansativa viagem, o festejado escritor ainda reviu mais alguns amigos e parentes. Finalmente recolheu-se. Tomou um bom banho, barbeou-se, vestiu um pijama azul e deitou-se numa confortável cama. Pegou, na cabeceira, o papelzinho do Viotti, onde leu, escrita, à lápis, a seguinte trovinha:

O meu amigo Zé Bento
Que acaba de chegar
Introduziu no firmamento
Um novo verbo: "coisar".

E foi assim, que esse Zé, de Santa Luzia, que já nascera bento, adormeceu, cansado e feliz, em sua primeira noite de céu, ou melhor, "coisou" feliz.


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Por Augusto Vieira - 14/7/2013 10:48:04
A HOMENAGEM DO ESPN A JOMAR

Ontem me emocionei e fui às lágrimas duas vezes durante o bloco do programa "O Brasil da Copa do Mundo", em homenagem à memória de meu querido amigo Jomar, na ESPN. A primeira grande emoção foi quando Tancredo Macedo, irmão do craque, também craque do futebol e da medicina, o definiu numa só palavra: amor. Acho que foi a primeira vez que uma pessoa, na televisão brasileira, conseguiu ficar no ar por tanto tempo, depois de usar unicamente esta palavra mágica na resposta a uma pergunta de um repórter. Momento divino, que deve ter paralisado do entrevistador ao porteiro da emissora e tocou profundamente os corações de todos os telespectadores. Assim são esses meninos de meu querido "TiJuca", um homem exemplar, que percorria as ruas e os lares de minha aldeia, exercendo a nobre profissão de carteiro, amigo de todos nós, que ornamentou sua vida por uma bondade e por uma modéstia de dar inveja ao mais puro cristão. Esqueceram de dizer de outros craques da família, a começar por Vivaldo, passando por Alexander, pelo próprio Tancredo, por Danilo e João Batista. E aqui me recordo também de Padre Joaquim, também bom de bola que, no campinho do Seminário Diocesano, arregaçava a batina e corria como um foguete pela ponta esquerda, produzindo jogadas geniais. Coisa genética: todo Macedo de minha aldeia é inteligente e bom de bola! Padre Joaquim foi meu grande professor de Português, no curso científico, no casarão de nossa eterna Escola Normal, onde Jomar também concluiu seus estudos do segundo grau e bacharelou-se em Direito.
A outra grande emoção foi ver o homenageado, poucas horas antes de se encantar, comandar um pai-nosso, num encontro de antigos craques do grande futebol de minha terra, sugerido por ele ao grande jornalista Denarte D`Avila. Jomar, ali, deve ter sentido que se despedia da vida e, como disse Tancredo, amoroso, quis rever os antigos amigos das quatro linhas, antes de viajar. E ele era assim mesmo. Nunca o vi, em nossa longa e fraterna convivência, abrir a boca para falar mal de alguém, semear a discórdias ou espalhar ódios. Viveu muito perto da santidade.
A participação de Nicomedes, no programa, foi excelente. Nosso maior zagueiro retratou, com maestria, o palco em que Jomar brilhou como artista da bola. A Montes Claros de um futebol espetacular, a nível de qualquer Copa do Mundo. Helton levantou um brinde ao homenageado, no Tip Top, de meu querido diretor Vivaldo, o que também teve para mim uma significação muito especial. Ambos, ele e Nicó, foram meus atletas quando dirigi o Cassimiro de Abreu e ainda são queridos amigos que muito prezo e guardo, a sete chaves, em meu velho e marcapassado coração.
Parabéns, Denarte! Tenho certeza de que esta ideia foi sua. E muito obrigado por você dar essa imensa alegria aos exilados de nossa aldeia, que nem eu, de ver imagens de nosso chão e de nossa gente espalhadas por todo este nosso vasto mundão.
E que Deus continue a derramar suas bênçãos a todos os filhos, filhas e descendentes do grande Juca Carteiro, nosso querido "TiJuca"! E que nós jamais deixemos apagar a memória deste inesquecível conterrâneo Jomar Geraldo dos Santos Macedo.


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Por Augusto Vieira - 11/6/2013 09:56:44
Geraldo Prates

Sempre me lembro de meu querido amigo Geraldo Prates com imensa saudade. Foi na casa dele, com Júlio, que aprendi todas as músicas do Pacífico Mascarenhas, nos anos 60, do século passado. De vez em quando, indo às aulas da Escola Normal, manhã, bem cedinho, filava uma beirada do lanche dos "meninos", na vasta cozinha de sua casa. Acho que Norberto nem era nascido. Lanche? Qual o quê! Aquilo era um verdadeiro almoço. Alvenaria! E os bifões, com ovos estrelados, que Alfeuzão traçava? E D. Alice ali, feliz, por nos ver bem alimentados, antes de nossa viagem aos domínios da educação e da cultura.
Ô, Norberto, por favor, me mande uma foto de seu pai para eu colocar aqui e em meu site, ilustrando uma crônica a ele dedicada, em que ressalto, como não poderia deixar de ser, sua bondade, sua fulgurante inteligência e inigualável presença de espírito.
Ei-la:
Quando a política de Montes Claros era mais radical, meu pai, pessedista de quatro costados, disse num comício que, quando o padre rezava na missa “Orater Fratres”, estava dizendo “Orai prus Prates”. O radicalismo era tão forte que se um menino da parte de baixo da cidade pegasse uma doença venérea, os pais logo reclamavam:
— Esse menino andou frequentando as putas lá de cima, do PR.
E vice-versa.
Com o tempo o sectarismo foi se aplacando, até que a “Turma de Haroldinho” uniu a todos. Por exemplo, Cláudio Athayde e eu, do PSD, nos tornamos grandes amigos de Haroldinho e Odorico, do PR. Casamentos uniram famílias antes adversárias. O tempo foi aplacando as iras, os atavismos e as mazelas...
Quando me formei, fui brincar com o saudoso Escrivão do Crime, meu fraterno amigo Geraldo Prates, de bondade imensa. Disse a ele:
— Geraldo, esse Fórum é uma oligarquia: o Juiz é Prates, Cândido Canela é casado com uma Prates, Pedro é Prates e você é Prates. Os Escrivães são todos, portanto, Prates.
Geraldo não responde. Vai ao arquivo do Cartório e retorna, pouco tempo depois, com uns dez processos criminais e me mostra, dizendo:
— Olha aqui, todos esses acusados têm o seu sobrenome, Vieira. Tudo ladrão!!!


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Por Augusto Vieira - 18/5/2013 11:02:22
GERALDO ATHAYDE CENTENÁRIO

Foi um dos grandes amigos de meu pai, correligionários do antigo PSD. Seu centenário foi comemorado no dia 1º de maio de 2013, numa missa. Recebi convite, mas não pude comparecer a Montes Claros porque estava internado num Hospital de Belo Horizonte para colocar marca-passo no coração. Eu o conheci quando ainda era criança. Meu tio, Air, irmão de meu pai, casou-se com uma irmã dele, minha querida e inesquecível tia Clarice. Admirava aquele seu jeitão calmo e educado de falar, sua alegria, seu óculos com lentes brancas e armação preta, seu bigode bem aparado, seu vasto sorriso, sua alegria contagiante e sua elegância em se vestir. Quando tinha 13 anos ele foi o Prefeito do centenário de minha aldeia. Era muito amigo de JK, de quem teve ajuda para fazer uma revolução na cidade, preparando-a para a efeméride. Meu pai, vereador, apoiava todos os seus projetos. Gosto muito de seus filhos Maria Eugênia (Maruja), Cecília e Cláudio, que nos deixou recentemente, no esplendor da vida. Minha amizade com Cláudio se aprofundou de tal forma que nos tornamos meio que irmãos. E como eu gostava de “tia” Lia Prates, sua esposa, que, embora não fosse mulher de muita conversa, espelhava a pureza de sua alma, cheia de bondade, caridosa e solidária.
Uma vez ele me apresentou a JK e eu consegui angariar uma boa doação para a nossa Comissão de Formatura do curso ginasial, da Escola Normal. De outra feita, na Vista Alegre, fazenda de seu irmão Carlúcio, ele e meu pai proporcionaram aos convidados de uma festa de aniversário uma cena inusitada. Beberam umas pingas e resolveram brincar de boi e vaqueiro. Sabem como? Ora um era o boi, ora o vaqueiro. Quem conseguisse laçar o outro mais vezes seria o campeão. Meu pai saiu correndo atrás dele, de laço em punho. Jogava o laço e ele desviava. Quando cansavam, paravam, davam uma descansada e os papéis se invertiam. Num certo momento, sentindo-se quase encurralado, ele fez uma coisa que levou todos os convidados a cair na gargalhada: segurou um fio de arame de uma cerca com as duas mãos e simulou que iria cortá-lo com os dentes, para fugir da perseguição do vaqueiro, como fazem os bois. Foi um grande deputado estadual e defendeu com dignidade os interesses de nossa aldeia e de nossa pobre região. Era querido por todos, até pelos adversários, porque, bondoso, não perseguia e nem guardava ódio ou rancor de alguém. Parece que foi a mão de Deus que o fez Prefeito do centenário. Era Presidente da Câmara Municipal e assumiu o Executivo justo na ocasião.
Irmão de Wilson, “tia” Nenzinha, “tia” Maria Augusta, Carlúcio, Cássio, tia Clarice e Armando; filho de seu Ataidinho e de D. Alda, assim foi, para mim, esse grande homem chamado Geraldo Athayde, bacharel em Direito, cultivador de amigos e dono da fazenda Caraíbas, terras fertilíssimas onde engordava seus boizinhos. Um grande amante da vida, que nos deixou muito cedo. Visitei-o no Hospital São Lucas, em Belo Horizonte, pouco antes de sua viagem. Sempre me lembrarei dele como símbolo de honradez, de dignidade e de respeito ao semelhante. Que Deus o tenha, bem pertinho, para algum novo projeto de amor ao próximo.


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Por Augusto Vieira - 28/3/2013 10:35:57
Uma mulher revolucionária

Ela viveu e ainda vive, para minha alegria e de inúmeros amigos e admiradores, intensamente, sua liberdade, sem jamais prejudicar alguém. E por se saber tão livre é que é dotada de um dos mais incríveis sensos de responsabilidade, para com tudo que já fez e faz, e de um profundo respeito pela dignidade das pessoas com quem convive. Acho que herdou isso do berço. De um pai cultíssimo, grande médico, e de uma mãe, dedicadíssima professora e diretora de escola primária, ambos levados à política, muito mais pela vontade do povo de minha aldeia, do que pela vontade deles próprios. Minha ligação com este médico é consanguínea, porque ele é filho de uma irmã de minha avó materna. E mais: foi um dos maiores e mais queridos amigos que a vida já me deu. Daquele tipo de amigo de todas as horas, confidente, que chegava junto a qualquer momento, de alegria ou de tristeza, dando os melhores e mais sábios conselhos, sempre desejando o que de melhor um ser humano poderia desejar a outro.
Essa mulher, filha dele, quando minha aldeia não tinha sequer paralelepípedos, fumava seu cigarrinho, em público, como faziam as grandes atrizes de Hollywood. Quando nenhuma mulher dirigia carros, lá vinha ela, tomando suas aulas de direção, com Alcebíades, num aero-willys vermelho, novinho. Quando nenhuma mulher assumia uma gravidez fora do matrimônio ela o fez com a maior dignidade. Quando havia um tremendo preconceito contra mulheres estudarem direito, lá estava ela, na Faculdade de Direito da UFMG, destacando-se no Curso de Bacharelado. Quando não era comum as mulheres se inscreverem em concursos públicos de provas e títulos, lá estava ela, sendo aprovada no de Procuradora do antigo INPS, atividade que exerceu com incrível competência, até aposentar-se. De volta a Montes Claros, especialista em Finanças Públicas, ainda foi, por longos anos, titular da cadeira de Direito Financeiro, na Faculdade de Direito do Norte de Minas. E como era querida pelos colegas de magistério, pelos estudantes e pelos funcionários da faculdade!
Superou pesadas perdas: dos pais, da única irmã, do único cunhado e de um filho. Hoje em dia, dedica-se também à atividade rural, conservando e aumentando o patrimônio que amealhou com seu trabalho e que herdou dos pais. Lá está ela, sempre alegre, em sua confortável e aconchegante residência, no Bairro Todos os Santos, de nossa aldeia. Sempre foi uma das minhas mais caras musas. Sou apenas um pouquinho mais novo do que ela. Essa prima sempre me fascinou e fascina. Aplicou-me a poesia de Vinicius de Moraes e lindas músicas, clássicas e populares. Uma de minhas filhas se chama Ana Thereza, creio que, de certa forma, em homenagem a ela, inclusive na grafia do nome Thereza: com tê-agá e zê.
Na foto, histórica, na sala da casa dos pais dela, o antigo palacete da Rua Doutor Santos, num aniversário dela, estão: Bernardo Kaufman e “tia” Maria Augusta Athayde; Guilherme, meu irmão; Sônia, irmã dela; meu pai, Nonô, e minha mãe, Lena; ela; “tia” Mercês Prates; tia Clarice Athayde e Décio Machado. Destes, apenas ela e Guilherme estão aqui conosco. Todos os demais já encantaram.
Querida prima Suzana Thereza Prates Gonçalves de Quadros, continuo seu fã, sempre pedindo a Deus para te dar muita saúde e uma vida cada vez mais longa. Você é uma das pessoas mais lindas, inteligentes e competentes que conheço. “Orai prus Prates!”.


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Por Augusto Vieira - 10/3/2013 23:39:42
Moacir Lopes

Família Lopes. Povo danando de inteligente, trabalhador e honesto. Todo o território de minha aldeia vem deles, através de uma doação que o Alferes Lopes fez a São Sebastião. Quem não tiver escritura de qualquer terreno em Montes Claros é só pedir à Mitra Diocesana que tudo ficará legal. Ela, representante da Santa Sé, como administradora dos bens doados à igreja aqui em nossas plagas, tem legitimidade jurídica para tal, através do Bispo Diocesano. Os Lopes já começaram, historicamente, mostrando sua generosidade e sua religiosidade. Desde menino tornei-me admirador do Coronel Domingos Lopes, líder do PTB, sempre coligado ao nosso PSD. Homem austero, bonito, elegante, inteligente, usou seu prestígio perante vários governos para trazer muitos benefícios para nós. Depois conheci Valeriano, “seu Valu”, que era muito amigo de meu pai. Gostava de ouvir as conversas dos dois. Aí, então, fiquei conhecendo uma pérola de pessoa, um nosso vizinho de fazenda, o velho Josefino Lopes, lá do Levantado, isto sem falar de um cavalheiro chamado Nozinho Lopes, que fazia divisa conosco no rio Caititu. Conheci Maria Lopes através de ligação familiar, por ter sua filha, Mundinha, casado com meu tio Luiz Quintino, irmão de minha mãe. Que mulher extraordinária! Extremamente caridosa, sempre a resolver problemas dos menos favorecidos pela riqueza material. Passei a admirar seu dinamismo e sua capacidade de se comunicar com as pessoas. D. Maria era conhecida e querida por todas as gerações. Depois dessa ligação familiar, conhecer pessoalmente Donana, que residia ao lado do Bispo Diocesano, foi um pequeno passo. Ela sempre estava na varandinha de sua casa, na Praça Dr. Chaves. Eu passava e ela me cumprimentava com um belo sorriso, até que um dia criei coragem e resolvi parar e conversar. Quanta sabedoria encontrei naquela mulher tão simples! Sabia tudo de Montes Claros e da região. Meu pai dizia que ela era extraordinária porque, tendo se enviuvado muito cedo, criou a filharada com a maior dignidade e com muito trabalho. Disse-me até que ela sabia como ninguém comprar animais de carga e revendê-los, nos tempos em que eles eram o meio de transporte mais usado na região. Moacir é um dos filhos dela. Foi deputado estadual, federal e prefeito de minha aldeia, mas, antes disso tudo, um grande médico. Meu tio Luiz Quintino uma vez me disse que ele era um virtuoso com um bisturi na mão. Construiu, com recursos próprios, um hospital na cidade e ali nunca deixava alguém sem assistência médica. Quando prefeito, seu Chefe de Gabinete era seu primo, o inesquecível Hamilton Lopes, um cavalheiro, culto e educadíssimo, irmão de um santo vivo chamado Padre João. Hamilton era marido de minha querida prima Sônia Prates Gonçalves de Quadros, grande educadora. Ambos já encantaram. Trabalhei com Moacir alguns meses, presidindo, por indicação dele, o Montes Claros Tênis Clube. Pedi demissão porque ele autorizou que se pulasse carnaval no Ginásio Darcy Ribeiro, o que, como desportista, considerei inadmissível. Saí numa boa e ele continuou a me respeitar, como sempre. E eu a ele. Depois de brandas e tumultuadas andanças pelo poder, como sói acontecer a quase todos os políticos, Moacir voltou à medicina e à vidinha gostosa de fazendeiro. Sempre, nas minhas idas à minha aldeia, tinha o prazer de revê-lo no restaurante do Automóvel Clube, no horário de almoço, degustando as delícias da cozinha do pessoal de Zim Bolão. Todo de branco, ou seja, vestido de médico, cumpriu seu juramento até não mais ter forças físicas para trabalhar. Faleceu no CTI de nossa Santa Casa. Era homem de palavra, profundamente leal aos amigos, muito franco e sincero. O que tinha que falar, dizia na presença da pessoa. Não mandava recados. Corajoso, nada lhe metia medo. Tinha monstruosa capacidade de trabalho. Sua pele, grossa, própria dos homens incansáveis, o protegia das adversidades físicas. Moacir amou como ninguém nossa terra e nossa gente. Foi um homem bondoso em sua travessia e merece colher generosos frutos, em recompensa pelo bem que fez a muita gente pobre dessa nossa região tão sofrida, mas altiva e raçuda, que nem ele e sua mãe. Descanse em paz, meu caro amigo!


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Por Augusto Vieira - 19/11/2012 21:52:33
OSWALDO ANTUNES, UM AMIGO ENCANTADO

Aqui, no rol de meus amigos, ainda consta o mestre Oswaldo Antunes. Não o deletarei, jamais, do rol de meus amigos, a não ser que sua página seja extinta, porque quero sempre me lembrar dele, com carinho
e muito respeito. Nossa amizade se aprofundou depois que eu envelheci. Sempre o tinha como um cavalheiro. Tivemos conflitos, causados por matérias jornalísticas, não dele, mas do jornal dele, quando fui vereador. Conversei com ele e ele me recebeu na maior educação em sua residência. Fiquei chateadíssimo quando, pouco antes de minha posse, saiu numa coluna que eu precisava me impor "melhor comportamento" para me "fazer respeitado". Dei o troco da tribuna da Câmara, no famoso "Pinga Fogo", que ia ao ar pela ZYD-7. Ele, compadre de Toninho, chegou a pedir minha cabeça ao Prefeito. Toninho respondeu que escolher seu líder era a mesma coisa que escolher um padrinho de batismo para um filho e que eu seria mantido no cargo. Fiquei Porta-Voz do Prefeito mais três anos. A recondução era anual e Toninho me prestigiou até eu renunciar ao mandato, quando houve sua prorrogação por dois anos, pela ditadura, temerosa de um vexame nas eleições municipais.
Acho que eu tinha ciúmes amorosos, pelo fato de não ter pertencido à escola de jornalismo do mestre Oswaldo. Fui da escola do Décio Queiroz. Muito boa também. Mas o fato é que eu procurei me aproximar dele e me dei bem. Levei à sua residência meu livro Bala 60. Depois fui ao lançamento de seu festejado livro de memórias, o "A tempo", porque ele me mandara o texto para examinar, antes de enviá-lo à editora, o que me encheu de brios e me fez receber afetuoso agradecimento público.
Aí tivemos encontros memoráveis no Café Galo, onde ele sempre me incentivava a escrever e me dada excelentes conselhos literários. Passei a amar o mestre, depois de conhecê-lo mais intimamente, com a mesma intensidade com amei e ainda amo seu compadre Toninho Rebello.
Ainda que sua página no Face seja deletada, sua memória jamais se apagará de minha mente, sempre disposta a exaltar suas virtudes pessoais e cívicas, agora na condição de eterno amigo. Ele tornou-se, para mim, uma estrela que eu sempre verei a brilhar no firmamento.
Grande mestre Oswaldo Antunes!


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Por Augusto Vieira - 12/11/2012 13:29:27
João Avelino Neto

Ontem eu falava dos espinhos da vida. Acordei feliz pelo sucesso de meu novo livro. Mas logo a vida me deu uma tremenda pancada. Perdi um grande amigo. Uma das pessoas que mais respeitei e pela qual fui respeitado durante toda essa minha breve travessia. Nossa amizade nasceu da de nossos pais. Ele era um exemplo de respeito à dignidade da pessoa humana. Desde estudante secundarista tornou-se um grande líder. Liderança nascida da espontaneidade, por sua conduta ética e por sua ilibada reputação. E não mais parou de servir à sua comunidade, dedicando-se, com maestria, à difícil arte de fazer política com pê maiúsculo. A vida nos separou, mas nossos raros encontros tornaram-se marcados por um profundo respeito mútuo, que nos uniu desde nossa meninice. Grandioso João, descanse na mais absoluta paz. Invocando Fernando Pessoa, só me resta dizer que sua vida valeu a pena, porque sua alma sempre foi grandiosa. E você sempre será lembrando por todos nós como um grande amigo de todas as horas. Daqueles que chegavam junto. Daqueles que sempre encontravam palavras certas nas horas certas. Daqueles que, ao partir, levam consigo um bom pedacinho da gente. Restou a mim, como lembrança, a foto de sua participação no lançamento de meu primeiro livro em nossa aldeia. Descanse em paz, querido amigo. Até breve!


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Por Augusto Vieira - 27/10/2012 19:18:47
Meu caro Manoel Hygino.
Cumprimento-o pela justa homenagem ao mestre Mello Cançado. Tive a honra de ser seu aluno, no primeiro ano do curso de doutorado em direito público, na "Vetusta Casa de Afonso Pena", juntamente com os colegas norte-mineiros Antônio Soares Dias e Cícero Dumont. Sua crônica é um retrato fiel dessa bela figura humana, de uma cultura monstruosa e de uma humildade própria dos gênios. Você recebe muitos cumprimentos e está acostumado a eles, mas esse é de um conterrâneo, seu admirador desde a juventude, brotado do fundo do coração. Não podemos deixar morrer a memória de homens tão fabulosos com foi o mestre Mello Cançado.


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Por Augusto Vieira - 25/10/2012 11:45:23
Woodstock na "Vetusta"

Um japinha acaba de comprar o cabacinho de uma brasileira por um milhão e meio de reais. Nos idos de 1964 filosofávamos muito sobre a virgindade. Horas e horas, nos bares próximos à faculdade. Até que Zé Carlos Mata Machado veio com a solução:
- Por que não retiram essa membraninha das mulheres no momento em que nascem?
Propôs a circuncisão, na hora do parto. Assim, argumen
tou, acabaríamos com essa viadagem. E arrematou:
- Mulher tem vergonha é na cara, não no xibiu. Lá na Praça Sete já há até uma clínica de recuperação de hímens.
Vivíamos a época da liberação sexual. Fizemos nosso Woodstock. As meninas começaram a transar com a maior naturalidade. Livravam-se gradativamente do medo do pecado original e do tabu da virgindade. E a gente dava a maior força a elas. Não mais discriminávamos as descabaçadas e gozávamos as virgens, dizendo que virgindade dava câncer e que elas até poderiam ter seus hímens intactos, mas que estavam riscadas de pau pra tudo quando é lado.
Tínhamos uma colega muito gostosona, cheia de dramas existenciais pequeno-burgueses. Só frescuras. Um dia, depois de ouvi-la se queixar da vida por quase umas duas horas, no Albamar, Zé Carlos sentenciou, numa frase: - cê tem mais é que dar. Um mês depois ela desfilava entre nós, feliz, sorridente, cheia de vida, falando coisas importantes, discutindo sobre as transformações sociais e querendo participar do movimento estudantil.
Crepaldi era jornalista da "Última Hora". Estava tramitando o projeto Nélson Carneiro sobre o desquite. Aí me entrevistou e perguntou: - você é a favor do desquite? Respondi: sou contra o casamento. E ele publicou.
Tínhamos o maior respeito pelas freiras paulinas que desciam a Álvares Cabral, em duplas, com aqueles pesados hábitos marrons, de um tecido grossíssimo, num calorão danado. Um dia passaram duas e nós, bêbados, gritamos para elas o famoso "tira a roupa, muié". Para nós, toda nudez, ao invés de ser castigada, seria bem-vinda. A palavra de ordem era "todo mundo nu". Elas se benzeram, perdoando, de antemão, as loucuras daqueles vândalos, que adoravam escandalizar os "bons costumes".
Vi, com Zé Carlos, o filme "Mundo Cão". A música o emocionou. Quase vinte anos depois, em 1983, no momento em que recebi a notícia de seu assassinato, pela ditadura, cai em prantos, sentei ao piano e compus a música "Amigo Zé", no mesmo ritmo fúnebre da do filme e enxerguei aquela figura iluminada, um Gandhi, que tanto sonhou com um mundo mais justo, subindo aos céus por uma bela estrada.
Hoje em dia ninguém mais se preocupa com essa tal de virgindade. Só psicopatas, compradores de subdesenvolvidos cabaços, por uma fortuna que, pessoas normais, aqui no Brasil, não amealhariam durante toda uma vida de trabalho. Calculem quanto essa menina ganhará por hora, se é que o japinha "trabalhará" mais de uma hora para deflorá-la.


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Por Augusto Vieira - 6/10/2012 03:59:25
"Tio" Digas

Quando escrevemos sobre pessoas que já nos deixaram sempre retratamos momentos nos quais convivemos com elas, ou as lembranças delas guardadas em nossa mente, ainda que só pelo simples fato de as termos presenciado fazendo ou dizendo algo que teve significação para nós.
Vou falar aqui de um homem que, de tão querido por minha geração, tornar-se-ia uma espécie de “tio” de todos nós, por sua paciência com os mais jovens e por sua imensa bondade, que sempre o levavam a compartilhar seus sucessos, suas alegrias, suas tristezas e sua riqueza material com o semelhante. A primeira imagem que me vem à cabeça quando me lembro dessa figura é a dos momentos em que havia algum circo fazendo temporada em nossa aldeia. Ele sempre pagava as entradas de toda aquela meninada pobre que se aglomerava nas imediações das bilheterias, inclusive as dos que pediam apenas alguns trocados para inteirar o dinheiro do ingresso. Eu, que ganhava o ingresso de meu pai, vibrava, das arquibancadas, quando via entrarem, normalmente por um comprido corredor entre as arquibancadas, muitas vezes já ao apagar das luzes do picadeiro para as aberturas dos espetáculos, debaixo daquela imensa lona com piso de serragem, aquele bando de crianças pobres, provocando o maior rebuliço, não por algazarra, mas pela alegria que expressavam por participar de mais uma sessão circense. E quando perguntávamos de que modo haviam conseguido entrar, sempre respondiam, com largos sorrisos:
— “Tio Digas” pagou pra nós.
E assistíamos aos espetáculos, emocionando-nos com os números de trapézio, dando estrondosas gargalhadas com as brincadeiras dos palhaços, tremendo de medo de algum bicho feroz que aparecia em cena, sem que ninguém fizesse qualquer tipo de discriminação contra aqueles afilhados, protegidos do bondoso “tio”. Isso sempre se repetia e chamava minha atenção, porque, tinha vontade de fazer o mesmo e não podia. Só me restava oferecer alguma bala doce que estivesse sobrando ou alguns grãos de pipoca àqueles meninos mais pobres do que eu, que recebiam, de bom grado, minhas insignificantes oferendas.
Vi, muitas vezes, aquele homem bondoso fazer o mesmo nas bilheterias dos cinemas, especialmente nas do Cine Cel. Ribeiro, próximo a seu escritório e a sua residência. Foi assim que entrei para o clube dos fãs de “tio Digas”. Anos depois, Edgar, seu filho, meu colega de colégio e fraterno amigo, me diria que seu pai agia daquela forma com as crianças pobres porque também fora uma delas, sem grana para entrar em circos e cinemas.
Conto em meu livro de memórias o momento em que D. Quita Pereira, sua mãe, pagou a meu pai seiscentos e cinquenta contos, em dinheiro vivo, dentro de um saquinho de papel, daqueles que os armazéns colocavam os produtos depois de pesados nas balanças, pela compra da Varginha, que depois se transformaria na famosa Vila Ipê, o grande reduto da honrada família Pereira.
Aos doze anos fui colega de três filhos de “tio Digas”, no Colégio D. Bosco, em Cachoeira do Campo, em 1957. Edgarzinho era meu protetor. Era da divisão dos maiores e, quando alguém queria fazer alguma covardia comigo, bastava eu dizer que era seu conterrâneo para que o cara me respeitasse. Era fortão e bom de briga, embora não as procurasse. Ivan vivia estudando e rezando e era da minha divisão, os sub-médios. Ernane, o mais novo, era dos médios. Nossas amizades da juventude permaneceram incólumes. Perdemos Ernane, fora de hora, no esplendor de sua vida. Carlinhos eu já conheceria grandão, deputado estadual. Quase não convivi com Luis Eugênio. De Orlando, que também já partiu, fui professor, na Faculdade de Direito do Norte de Minas. D. Zulma, mãe deles, era muito amiga de minha mãe e de minha tia Consuelo. De vez em quando eu ia à casa de “tio Digas”, ali na Dr. Veloso, perto da Delegacia de Polícia. Aquele casarão era, para mim, uma monstruosidade, um palacete. Não tive o prazer de conhecer José e Cássia Maria, filhos do segundo casamento dele, com D. Ozira.
Jovem, admirava a capacidade empreendedora daquele homem bondoso, que estudara no Liceu Mineiro e no Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro. E o vi montando indústrias, construindo fazendas, praticando o comércio, sempre alegre, promovendo e ajudando pessoas das mais variadas formas, até descobrir que ele havia nascido em Brasilhinha, nome pelo qual sempre chamamos nossa querida Brasília de Minas, depois que JK construiu aquela Brasilhona, lá no planalto central, para onde “Tio Digas” iria, deputado federal, por duas vezes, com votações consagradoras, representar nossa gente. Quis o destino, no entanto, levá-lo precocemente, num acidente, em abril de 1973, quando exercia o segundo mandato, com pouco mais de sessenta anos de idade.
Maduro, quando presidi o Cassimiro, descobri que ele doara os refletores ao clube, depois que o time de seu bairro, o Ipê, não mais disputaria o campeonato da cidade. “Tio Digas” tornou-se grande benemérito e torcedor do Cassimiro. Num jogo contra o Vila Nova, no chamado “Alçapão do Bonfim”, em que ganhávamos por três a dois e tentavam coagir nosso time, ele tomou o microfone da ZYD-7 e aprontou o maior berreiro, mostrando à torcida contrária que não tínhamos medo e que continuaríamos a lutar por aquela vitória com todas as nossas forças. E ganhamos o jogo, coisa rara de acontecer, naqueles tempos, lá dentro daquele temido espaço esportivo. Gélson Dias é quem sabe contar bem esse caso.
Há uma estória hilária de “Tio Digas” com um guarda paulista, que nem sei se é verdadeira, mas que já ouvi de várias pessoas. Ele, deputado federal, dirigindo seu carro, entrou na contramão, na rua famosa Rua Augusta, na capital de São Paulo. O guarda o para e pede a “carta”. Gozador e brincalhão, respondeu:
— Que carta qual é o quê, sô, eu nem te conheço. Como iria te escrever?
O guarda quis engrossar, mas ele retrucou:
— Olha aqui, moço, sou o deputado federal Edgar Martins Pereira e quem resolve problemas de trânsito pra mim é meu assessor, Josué, lá na Valsa. Procura ele, pois tô com pressa. Té logo.
Arrancou, deixando o guarda com cara de tacho e queixo na mão.
Valsa era o nome de uma empresa da qual “Tio Digas” era sócio em Montes Claros e que era administrada por Josué, esposo de Valquíria, sobrinha dele, meus queridos ex-vizinhos em Montes Claros, na rua Irmã Beata, pais do grande político Gil Pereira.
Meu último contato com “tio Digas” foi dramático. Estávamos, só ele e eu, tomando uma cerveja, e era o último dia da apuração da eleição em que Moacir Lopes e Crisantino Borém disputavam a Prefeitura. Ele apoiara Moacir. A luta se feria voto a voto e só foi decidida na última urna a favor de Moacir. “Tio” Digas nunca perdia a esperança da vitória e me dizia que se Moacir perdesse aquela eleição se mudaria de Montes Claros. Eta sertanejo raçudo!
Essas são algumas de minhas mais caras lembranças de Edgar Martins Pereira, nosso eterno e querido “tio Digas”, figuraça, indelevelmente gravada nos corações norte-mineiros que, neste 31 de outubro de 2012, estaria completando 100 anos de idade.


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Por Augusto Vieira - 1/10/2012 21:02:09
O casamento de Sofia e André em Campo Grande (Campusca, o novo xodó do Bala Doce). Meu Deus, que cidade maravilhosa! Cheguei lá na sexta, por volta onze e meia-noite. Voos tranquilos. Fui ao Novotel, de primeiro mundo, e fiz a ficha. Nem entrei no apartamento. Peguei logo um táxi, do Enorildo, que trabalha no ponto ao lado do suntuoso prédio plano, entrei no carro e disse a ele que, àquela hora, queria fazer um tour. E ele me levou aos principais pontos. Impressionante o planejamento urbano. Avenidas extensas (Afonso Pena e outras), com três pistas de cada lado e imensos jardins centrais. Gigantescas e belas rotatórias. Ruas largas. Ingazeiros de troncos imensos. Árvores pra tudo quanto é lado. Não vi uma folha papel ou um entulho, sequer, nas ruas. Que limpeza! Bares e restaurantes maravilhosos. Belos prédios, belos hotéis e belas casas. Uma senhora Feira de Artesanato. Estão construindo outra, só de lanches. Conheci o prédio do Colégio D. Bosco. Dormi até o meio-dia do sábado. Saí do apartamento e fui ao restaurante. Que alegria! A primeira pessoa que vi foi meu compadre Haroldo Veloso. Depois chegaram minha comadre Ângela, Luciano e Patrícia. Luciano, filho de Haroldinho e Ângela. Estão morando numa cidade linda a duzentos quilômetros de Campo Grande. Ele é Procurador Federal lá. Como estão felizes! Comemos aquela feijoada. Joenildo mandou pra mim um litro de Buchanan`s 18 anos. Depois da comilança, outro sonão, até a hora do casamento. Na lindíssima igreja uma história de conto de fadas. Que cerimônia mais linda! Chorei o tempo inteiro por causa das músicas, especialmente da Ave Maria cantada por Clarice, do altar. Eta povo bonito, gente! Cada mulher mais linda do que a outra. Saindo da igreja encontrei Lilico (filho de Odorico e Regina, Delegado de Polícia numa cidade próxima a Campo Grande) e esposa. Aí fomos para a sede da Associação dos Magistrados do Mato Grosso do Sul. Que festa! Lá revi amigos fraternos como Paulinho Santiago, Waldeir Barreto, Nívio Gonçalves, vários representantes da família de Clarice, especialmente meu querido amigo Murilo, irmão dela. Senti ali o quanto Joenildo é querido na cidade. Gente de todos os níveis econômicos. E como fiquei orgulhoso disto! Do Governador do Estado ao lixeiro. Depois da festa retornei ao Hotel e apaguei. Acordei quase na hora do voo de volta. Joenildo foi se despedir de mim no aeroporto. Não pude trazer o litrão que ele me dera de presente, porque já tinha quebrado o lacre e bebido até o ombro. Aí devolvi a ele e disse: guarda aí, Baiano, que eu volto pra nós terminarmos, juntos, essa pérola. Cheguei aqui em casa muito feliz. Contei tudo a Célia que ouviu emocionada. Ela não pôde ir. E gosta muito de Joenildo e Clarice. Sofia e André são amigos de Almir Sater. São lindos pessoalmente. Ela, uma artista na flauta. Ele, no violão. E tocou uma linda música para ela, no altar, no final da cerimônia. Isso é que é marido! Tenho certeza que serão muito felizes. Parabéns a eles; aos pais; aos irmãos maravilhosos, inclusive José e Mateus, e pelos inúmeros amigos que cultivam, dos quais eu tenho a honra de ser um. Em fevereiro e 2013, se Deus me permitir, estarei lá, na posse de Joenildo na presidência do Tribunal de Justiça. Axé!


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Por Augusto Vieira - 24/9/2012 19:00:50
“QUIDIALAS”

“Quidialas” é uma expressão usada apenas pelos que se pretendem mais sábios e letrados no sertão. Ao invés de dizerem o tradicional advérbio “aliás” para dar início a um novo assunto ou a um “causo”, preferem essa forma catrumanamente latinizada.
Um candidato visitou a fazenda de um coronel da região de Montes Claros. Bem recebido e alimentado, como soia acontecer a todos os visitantes, começou a deitar falação, apresentando suas metas, caso fosse eleito. O coronel, fazendo pacientemente seu cigarrinho de palha, sem nada dizer, ouvia todo aquele chato e longo discurso, à sombra uma frondosa árvore, com um dos pés apoiado na beirada de um cocho de sal. O candidato encerrou sua longa pregação cívica e, logo depois, ante o silêncio do interlocutor, quis puxar assunto para saber se receberia, finalmente, tão sonhado, precioso e disputado apoio. Perguntou:
— Coronel, esse fumo de rolo é dos bons?
— É sim, seu moço, “quidialas”, igualzinho ao que o senhor vai levar na eleição.


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Por Augusto Vieira - 20/9/2012 02:50:10
"Diretas já" no Judiciário brasileiro!

No XI Congresso Brasileiro de Magistrados, em 1990, em Balneário Camburiú, Santa Catarina, promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros –AMB -, à qual ainda sou filiado, apresentei a tese Democracia interna, a melhor forma de democratização do poder judiciário. Preguei também a extinção do quinto constitucional. Minhas teses foram aprovadas pela Assembleia Geral e, depois, esquecidas nas prateleiras bolorentas do poder. Fui muito perseguido por causa destas ideias, das quais nunca desertei. Hoje recebi um livrinho da AMB. A entidade e os juízes brasileiros estão defendendo as "Diretas Já" para os órgãos de direção dos tribunais, menos para o STF, os Tribunais Superiores e os TREs. Já tramitam emendas no Congresso Nacional. Quando ao STF, acho que o povo poderia escolher os ministros. Quanto aos Tribunais Superiores, acho que nada impediria que seus menbros também fossem eleitos diretamente por todos os juízes, sendo elegíveis apenas juízes eleitos de segunda instância, guardada a proporcionalidade em relação aos estados-membros da federação. Quanto à justiça eleitoral, acho que ela precisa é ser implantada no país, para funcionar sem necessidade de auxílio ou empréstimos de outros órgãos do judiciário. Ela, na verdade, nunca existiu autonomamente. Seria uma justiça altamente especializada, com uma composição simples, prevista na Constituição, para funcionar em caráter permanente. Decorridos, pois, mais de 20 anos, vejo brotar uma fumacinha de esperança no sentido de termos um judiciário que realmente represente os anseios do cidadão brasileiro em relação à prestação jurisdicional. Não cruzarei meus braços. Continuarei participando, através da AMB, da AMAGIS, da ANAMAGIS e da OAB-MG, de todas essas lutas democráticas, procurando ampliar seus campos de batalha, agora como um velho soldado, já um pouco cansado, mas que nunca deixará morrer nele a vontade inquebrantável de vencer batalhas em prol da democracia que é, na definição de Hans Kelsen, sobretudo um caminho: o da progressão para a liberdade.
E mais: minha tese foi selecionada para ser debatida no Congresso dentre milhares. A apresentação foi presidida por um Ministro do STJ, que tentou cercear minha palavra e eu fui obrigado a dizer a ele que ali ele era um colega de Congresso como outro qualquer e que observasse o regimento interno em relação ao tempo de que eu dispunha para a apresentação. Felizmente esqueci o nome deste ditadorzinho. E presenciaram, dos que me lembro, tudo isto, os colegas Reynaldo Ximenes, Cantídio Dias de Freitas, Joenildo de Souza Chaves e um colega de São Paulo, por nome Lacastra, que pediu para incluir na tese a proibição de juiz ser membro de entidades privadas secretas, o que eu aceitei de bom grado.


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Por Augusto Vieira - 7/9/2012 14:29:18
A "FESTA MESTIÇA" DE YURI POPOFF

Acabo de ler o livro "Festa Mestiça, o congado na sala de aula", de autoria da doutora em educação musical, Cecília Cavalieri França, e de meu conterrâneo e querido amigo Yuri Popoff, publicado pela Editora UFMG. Ao mesmo tempo em que lia, ouvia as músicas, de um CD encartado ao livro. Coisa mais linda!
Tenho que falar um pouco sobre esse catrumano, que conheço deste a infância e que considero um gênio da música. Yuri Popoff é Prêmio Sharp de música e muitos outros. É, hoje, festejado no meio artístico brasileiro e internacional, por sua obra pessoal, por sua participação em obras de renomados artistas - como arranjador e instrumentista - e por seu trabalho no magistério dessa sublime arte, em conservatórios e universidades.
Uma vez, estando ele em Belo Horizonte, eu o convidei a cear em minha casa, numa noite de Natal. De repente ele aparece com umas dez meninas japonesas, que haviam chegado ao Brasil naqueles dias e não entendiam patavina de nosso idioma. É que elas, certamente, haviam aprendido a gostar do trabalho de Yuri depois que ele se apresentou em vários shows na terra delas e vieram comemorar o Natal brasileiro com seu ídolo. E é assim que a gente percebe a importância que seu trabalho atingiu. E não poderia ser de outra forma, porque a música que Yuri elabora, ou a de outros que ele canta ou acompanha, inclusive as de domínio público, assumem em sua voz, em seu ritmo, em seus arranjos e nos vários instrumentos que ele toca uma dimensão quase divina. É muito especial. Só ouvindo ou vendo que a gente percebe isto.
Sou do congado deste os sete anos, portanto, há seis décadas, do terno de Nossa Senhora do Rosário, de Mestre Zanza. Vários escritores de minha aldeia abordaram a Festa do Divino em suas obras, mas de forma esparsa. Há vários artigos e crônicas sobre nossos marujos, catopês e caboclinhos. Até eu já me aventurei e fiz uma crônica abordando o tema. Mas trabalho monográfico, de fôlego, científico, numa linguagem simples - como não poderia deixar de ser face à popularidade do tema -, com análise profunda das origens do congado, de suas músicas, seus ritmos e do sentido da festa, creio ser este o primeiro no Brasil, ao que me consta, é claro. E por este motivo - fui ao lançamento do livro e o recebi autografado -, quero cumprimentar os autores, especialmente ao grande Yuri Popoff, um dos mais caros orgulhos de nossa congada aldeia, cercada por claros montes que recebem um luar lindíssimo, que certamente o inspiraram a tornar-se um artista tão competente e respeitado.
Saravá!


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Por Augusto Vieira - 3/9/2012 07:44:17
Montesclaros.com Amor
A leitura durou quatro felizes horas, encerrando-se com os primeiros raios de sol de um novo dia. O livro ficara quase um mês em cima de uma mesinha de cabeceira. Namorei-o por um bom período. Às vezes o abria e passava os olhos em alguns trechos. Belo título, bela capa – uma tela do autor – e primorosa edição. Um pouco cansado, tantas foram outras coisas que me absorveram nos últimos vinte dias, inclusive viagens, decidi só fazer a leitura quando me sentisse mais tranquilo. Terminei-a envaidecido, como não poderia deixar de ser. A generosidade do autor fez constar longo trecho de minha autoria na crônica “Igrejinha do Rosário”. Sou personagem da saborosa crônica “De trem pra Montes Claros”. O autor publicou, no apêndice, uma breve análise literária que fiz de seu livro anterior, o já consagrado “A Fruta Amarela”. Mas essas minhas três vaidades, com toda pureza d’alma, são insignificantes quando comparadas ao fato de eu poder dizer que fui amigo de infância e sou velho amigo e amigo velho deste grande escritor-poeta chamado Flávio Pinto.
Por que escritor-poeta? Porque quando leio suas crônicas e artigos sinto-me viajando em lindíssimos cantos sobre nossa aldeia e nossa gente, enfim, sobre nossas vidas. Uma vez, há muitos anos, eu lia Jorge Amado e parei num capítulo. Reli-o quatro vezes, tão lindo era o texto. E foi então que percebi que era possível alguém fazer poesia não apenas em versos, na forma usual, mas também na escrita comum, seja narrando um fato ou expressando um sentimento. E afirmo aqui, sem medo de ser feliz, que, analogicamente ao belo título, esse novo livro de Flávio Pinto é um poema de amor. Amor à vida. Amor à sua terra natal. Amor as seus pais. Amor a seus irmãos. Amor a seus filhos. Amor a seus parentes. Amor a seus amigos. Amor a seus colegas de trabalho, dos jornais e do Banco do Brasil – tanto que nos foi apresentado por três deles, Waldyr Senna, Haroldo Lívio e Paulo Narciso, em textos da melhor qualidade literária. A forma pela qual Flávio conta as histórias, seu estilo, é especial. Ele sabe, como ninguém, escolher as palavras certas e ordená-las no contexto de uma maneira tal que elas produzem no leitor reações e emoções profundas, porque dotadas de veracidade, suavidade e musicalidade. A gente sente que são textos gestados e não, pura e simplesmente, vindos à luz num momento breve de explosão criativa. Certamente ele aprendeu a escrever tão bem na generosa escola do saudoso mestre Oswaldo Antunes, que tantos frutos legou às letras mineiras. E confesso aqui meus amorosos ciúmes por não ter também frequentado esta escola. Este “montesclaros.comAMOR” é tão autobiográfico quanto “A Fruta Amarela”, só que mais vasto. Nele Flávio Pinto apresenta às novas gerações lúdica fotografia de um tempo precioso de nossa História que, certamente, as ajudará a compreender melhor o mundo em que vivem. Vale a pena uma releitura e, depois de guardá-lo por uns tempos na estante, matar a saudade. E repetir esse ritual tantas vezes quantas a vida nos permitir.


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Por Augusto Vieira - 27/8/2012 17:41:03
Bala doce para massagista do galo!

Na gestão do Zé Carlos Mata Machado à frente de nosso histórico Centro Acadêmico Afonso Pena, ganhamos o campeonato universitário. Metemos um a zero na Medicina, numa final espetacular, na preliminar de Atlético X Corinthians, no Mineirão, quase lotado. Fui o massagista do time. Em nosso banco fiquei ao lado de Padre Cristóvam, futuro Reitor da Universidade de Go
iás. Ele era atleticano doente e queria tirar fotos com seus ídolos Lacy e Buião. Quando eu tirava as fotos para ele veio um cartola querendo obrigá-lo a sair do túnel e Zé Carlos não permitiu, ao argumento de que ele era Diretor Espiritual de nosso time. Fomos, assim, o único time do mundo que levou para dentro das quatro linhas do jogo um Diretor Espiritual.
No finalzinho da partida, faltando um minuto, nosso ponta-esquerda caiu contundido. Atravessei, sem preparo físico adequado, todo o Mineirão com o equipamento de massagem numa malinha. Que sacrifício! A torcida assoviando para mim e eu quase desmaiando de tanto cansaço. À medida que eu corria parecia que meu caminho até nosso atleta ia se encompridando. Quando cheguei perto dele, arfante, ele disse que o jogo estava ganho e pediu que eu o carregasse nos ombros, até o túnel. Pra quê! Dei-lhe o maior esporro e arrematei: se você não se levantar agora e sair jogando eu vou é enfiar meu dedo no seu rabo aqui, na vista deste povão todo. Meu colega se levantou na hora, voltou ao jogo a quase marcou nosso segundo gol, nos acréscimos, depois de um milimétrico lançamento do Massinha.
Pois é, se o Júnior César ontem não tivesse feito aquela cera, não teríamos dado a nosso grande rival o tempo que ele precisava para empatar o jogo, claro que com auxílio do juiz, que não marcou a falta do Montijo antes de ele fazer a jogada.
Bala Doce pra massagista do Galo!


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Por Augusto Vieira - 23/8/2012 12:17:33
Tio Luiz Quintino

Ele é irmão de minha mãe e um dos tios de quem mais gosto e que mais admiro. A primeira imagem dele em minha vida foi na Varginha, um sítio fora da cidade em que residíamos e onde vivi minha primeira infância. Dele e de sua majestosa bicicleta. Tio Luiz ia lá muitas vezes para aplicar injeções na irmã, o que fazia com o maior carinho. Quando completei sete anos mudamos para a cidade. Eu o vi uma vez cuidando do equipamento do Cine São Luiz, passando o filme para os espectadores. Depois descobri que ele gostava muito de cinema, que entendia do riscado e trabalhava neste mister, em suas férias, para ganhar uns trocados. Ele fora estudar medicina em Belo Horizonte, na UFMG, e eu sempre, orgulhosamente, acompanhava seus passos através dos relatos de minha mãe, até sua triunfal volta, especializado em otorrinolaringologia. Aí veio seu casamento com tia Mundinha, o grande amor de sua vida. Com um tempo e alguns cursos, tio Luiz tornou-se competentíssimo anestesista.
Uma vez, eu já advogando em Montes Claros, Felipe Medrado e eu fomos presos por fazermos uma serenata para tio Luiz, num seu aniversário, porque um Delegado “calça curta” ignorante proibira serenatas depois das dez horas da noite, na terra das serestas. A “rapa” chegou e fez com que parássemos nossa cantoria. Ignoramos e os caras resolveram nos prender. Fomos privados de nossa liberdade com o maior prazer. Soltos logo depois, demos homéricas gargalhadas e lembramos de Henrique Chaves dizendo: aqui nesta cela não há nada que nos agrade.
Quando estudava Direito em Belô meus pais se mudaram e muitas vezes, em minhas férias moquenhas, eu me hospedava na casa desses meus queridos tios, onde era tratado com o maior desvelo. Luiz Cláudio, Alex, Ivana e Vanelli, meninos, alegravam meus dias. Eu dormia num quarto que dava para a rua. Numa madrugada uma senhora pobre, desesperada, com uma criancinha no colo, aos gritos, chamou por ele. Eu o acordei e ele, extenuado porque chegara de um plantão hospitalar, atendeu aquela mulher, salvando a vida da criança e ainda dando a ela remédios de amostras grátis. Impressionou-me a mudança de seu semblante no momento em que examinava a criança. Parecia uma transfiguração. Senti o cheiro de Deus naquele momento.
Tornamo-nos, com o decorrer do tempo, amigos fraternos. Tenho por este tio gratidão incomensurável. Numa delicada cirurgia de minha mãe, feita por meu primo Dr. Alpheu e por Dr. Fábio Ribeiro, no antigo Hospital Santa Therezinha, ele salvou a vida da irmã, praticamente ligando suas veias às dela, transferindo-lhe seu sangue. Na cirurgia cardiovascular que meu pai Nonô fez na Beneficência Portuguesa, em São Paulo, lá estava ele, acompanhando tudo, confortando-nos e orientando-nos naqueles momentos aflitivos. Nonô considerava tio Luiz um irmão. Eles se respeitavam muito e eu adorava ver os dois conversando sobre a vida. Aprendia muito com eles.
Recentemente visitei tio Luiz, por ocasião das Festas do Divino, em sua linda residência. Encontrei-o feliz, com tia Mundinha sempre bonita e jovial, cercado pelo carinho dos filhos e se vangloriando do sucesso dos netos nos estudos. Dentre eles já há estudantes de medicina que, certamente, terão por escudo a capacidade, a experiência, a dignidade e a ética profissional do feliz avô.
Nesta minha visita, depois de tantas outras, resolvi contar a meu querido tio uma antiga história. E exponho-a aqui, para que sirva de lição a viúvas que costumam se despojar de bens de raiz e que, normalmente, terminam suas vidas em asilos. Vi muito isso acontecer em minha experiência de advogado e de juiz de direito. Gosto tanto desse tio e prezo tanto sua amizade que, por várias vezes, em minhas visitas anteriores, quis comentar o assunto e não o fizera por receio de feri-lo. Desta última vez resolvi abrir o verbo. Fiz uma pequena introdução, manifestando a ele esse meu sentimento, ao que ele me respondeu dizendo que eu pudesse contar tudo, sem qualquer receio.
Pois bem, aqui vai a história. Na herança de vovô Donato, pai de tio Luiz e de minha mãe, coube a esta a parte de cima de um prédio no centro da cidade. E ficou acertado que ela teria o direito de construir em toda a parte aérea do imóvel, o que certamente acarretaria um aumento das áreas construídas dos que haviam herdado na parte de baixo. Resolvi, sob a orientação de meu pai, construir duas salas a mais. João Carlos Sobreira fez o projeto para mim e executou a obra. Meu pai deu a meu tio Carlyle, que ocupava uma parte do imóvel, que era um apartamento, vinte milhões de cruzeiros para que ele nos liberasse a posse. Transformamos o segundo andar do prédio num belo imóvel, com oito amplas salas. E eu o batizei de Edifício Jacyntha de Quadros, em homenagem à memória de minha avó. Eu era inquilino de meus pais, porque ali montara meu escritório e, desde o início, como qualquer outro, pagava religiosamente os aluguéis. Jamais exploraria quem já havia feito tanto por mim. Em 1982 deixei a advocacia e tornei-me juiz de direito. Assumi a comarca de Jequitinhonha. Depois fui para Ipanema, Pirapora, Betim e Belo Horizonte, onde encerrei minha carreira. Quando eu estava numa dessas comarcas do interior minha mãe me ligou, comunicando-me que havia vendido o prédio por cinco milhões de cruzeiros. Dei a maior bronca nela. Falei que, se eu soubesse antes, tudo faria para impedir que ela vendesse e argumentei que viúvas que vendiam imóveis sem necessidade costumavam terminar seus dias em asilos. Ela também foi brusca comigo, dizendo que eu estava era de olho em sua herança. Respondi com mais arrogância ainda, dizendo que dava valor era no dinheiro que eu ganhava com meu próprio esforço e que dinheiro de herança eu gastava era em noitadas com raparigas. Depois falei calmamente a ela que minha preocupação não era com herança, mas sim, caso ela continuasse a vender seus imóveis, com a possibilidade de eu é que ter, no futuro, de tirar do meu dinheiro para ampará-la na velhice.
Fiquei grilado com aquilo e por um bom tempo minha relação com minha mãe andou meio estremecida. Depois fui ligando os fatos. Pensava com meus botões: como Lena foi fazer uma burrice desta? Aí me veio à mente um telefonema que recebi do advogado Pio Leão Godinho, dizendo que entraria com uma ação na justiça contra minha mãe, representando tio Luiz, que estaria inconformado com a reforma que eu fizera no prédio, entendendo que ele é quem teria o direito de construir na parte aérea, onde eu edificara as duas salas. Tio Luiz acompanhara a execução de toda a obra, realizada de comum acordo com ele. Respondi ao advogado que pudesse ajuizar a ação que quisesse contra minha mãe e que eu tinha certeza de que uma das provas a favor dela seria o depoimento pessoal de meu próprio tio, que era um homem honrado e jamais faltaria com a verdade perante a justiça. Nunca mais voltei a falar com o advogado sobre esse assunto. Ele, infelizmente, já nos deixou. E nunca ajuizaram qualquer ação contra minha mãe que, felizmente, parou de vender bens de raiz e hoje sobrevive da renda dos aluguéis dos imóveis que conservou.
Depois que terminei meu relato, na presença de tia Mundinha, tio Luiz, na maior tranquilidade, me respondeu:
— Você nem sabe como foi bom você me dizer isto. Finalmente consegui ligar as peças do quebra-cabeças. Eles quiseram comprar também minha loja e meu sítio.
Descobri, então, que meu tio jamais contratara qualquer advogado para ajuizar ação contra minha mãe e que minha mãe fora induzida por alguém a vender o prédio para impedir um litígio judicial contra um irmão que tanto amava. E foi assim que, infelizmente, sem necessidade, Lena dispôs daquele inestimável patrimônio, até histórico de nossa família, porque construído por vovô Donato, sob a batuta do grande mestre Chiquinho Guimarães. O que sei é que, conforme meu vaticínio, o dinheiro que minha mãe recebeu evaporou e ela perdeu um patrimônio valiosíssimo, de oito salas de aluguel, no miolinho da cidade. E ainda tiraram a placa com o nome de vó Zizinha da entrada do prédio. Ainda bem que a vida me permitiu conversar sobre este assunto tão delicado com meu querido tio Luiz, de quem tenho o maior orgulho de ser sobrinho.
Meu querido tio Luiz, muito obrigado por tudo o que você e tia Mundinha fizeram por mim, por meu pai e por minha mãe. Adoro seus filhos e agora estou a conhecer seus netos. Que você, tio Luiz, orgulho de nossa família, colha da vida os melhores frutos que sua imensa bondade lhe fez merecedor e que seja cada dia mais feliz. Não há dinheiro neste mundo que pague o que lhe devo. Te amo.


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Por Augusto Vieira - 18/7/2012 18:02:48
TURMA DE HAROLDINHO

Essa turma já não é tão grande. Por ser eterna, ainda somos uns gatos pingados dispostos a sempre nos confraternizarmos. Perdemos vários amigos: Lucílio e Wanderley Fagundes, Tone Abreu, Dácio Cabeludo, Afrânio Temponi, Nem Passarela e Affonsinho Ramos. Ainda estamos na ativa, com nosso Chefe Haroldinho, sempre que possível nos congregando, seja em nossa aldeia ou em qualquer outro lugar deste mundo. A chefia é una, hereditária e vitalícia. O próximo chefe será Luciano. Dentre os vivos ainda estamos Odorico Mesquita, Cláudio Athayde, Robertão Gomes, Joenildo Chaves, Marinho Alaor, Carlos Alberto Prates Correia e esse pobre escriba. Nosso chefe tinha um corcel branco, placa 8157. Depois de uma jornada de trabalho a gente saía de nossos locais e parecia que sentíamos o cheiro desse carro. Onde ele estivesse estacionado chegávamos para nossas horas felizes, que o pessoal chama de “happy hour”. No “Quintal”, no “Espeto de Ouro”, no “Skema”, no “Intermezzo” ou em qualquer outro bar ou restaurante da cidade os carros iam se enfileirando atrás do corcel branco, quando as vagas permitiam.
Quanto aos que a vida roubou de nós, Lucílio era o “frio”. Nada alterava seu temperamento. Haroldinho dizia que um dia o levaria aos maiores cassinos do mundo para jogar e limpar a grana deles. Podia estar com um “royal straight flus” que sua fisionomia permanecia inalterável. Wanderley era sempre o mais preocupado com nossa harmonia. Quando um chato chegava às nossas mesas ele logo dizia: esse aí é “dos contra”. Numa virada de ano fizemos uma serenata para Toninho Rebello que, de pijama, abriu a porta de sua residência, foi até o corcel estacionado na garagem, o famoso 2121 marrom, e colocou para nós, em cima do teto do veículo, um litrão do melhor escocês. Como chovia torrencialmente a garrafa começou a escorregar porque a superfície estava meio molhada. Quando ela ia ao solo Wanderley se adiantou a todos e literalmente voou, caindo abraçado ao litro do precioso líquido. Que bela defesa! Goleiraço! Tone Abreu, nosso querido professor, dizia que todo homem deveria ter “historiografia”, o que ele definia como “ter histórias alegres pra contar na velhice”. E arrematava: o que esse povo que não faz farra terá pra contar de interessante quando ficar velho? Escrevi uma crônica narrando como ele, Secretário Municipal de Educação, com tiros de revólver, detonou uma escola rural que caía aos pedaços, dizendo que estava a impedir que uma criança morresse. E era verdade. O estado da escola era tão precário que o telhado, a qualquer momento, poderia desabar em cima dos meninos. Toninho logo mandou construir outra no lugar. Cabeludinho, Dácio Cabeludo, foi e ainda é um de nossos ídolos. Tantas são as histórias sobre ele que daria para escrever um livro. Sua memória é cantada em verso e prosa pelos montesclarinos. Afrânio Tempone veio de Valadares e usava pulseiras e cordões de ouro. Nós o apelidamos de “Six Million Dollar Man”. Bom de prosa e viola, nos brindava com lindas músicas em nossos encontros. Nem Passarela, nosso querido “Sô Nem”, craque no futebol, acometido por uma grave doença que o impediria de beber conosco, só curtia os papos e a gente ficava doido para que ele tomasse uma, ao mesmo tempo que nossa razão nos aconselhava a proibi-lo caso ele tivesse vontade. Vinha aquela dúvida atroz: deixemos Sô Nem beber? Não deixemos Sô Nem beber? O Chefe e eu até fizemos uma paródia em cima de uma música de Tom Jobim que retrata um amigo dele, chamado Miguel, que teve o mesmo problema. Affonsinho Ramos, vermelhinho, inteligente como ninguém, jornalista de escol, era presença das mais queridas. Criou o famoso “Ônibus dos Chatos”, com passagens só de ida para a Cordilheira dos Andes. Uma vez trouxe Miltinho para dar uns shows na cidade. O famoso cantor conheceu e gostou tanto da Turma de Haroldinho que não queria mais voltar para o Rio de Janeiro.
Quanto aos que ainda estão por aqui, Odorico Mesquita advoga a todo vapor, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Sempre se encontra com Cláudio Athayde, na “cidade maravilhosa”. Quando a coisa fica boa demais, nos telefonam, dizendo onde estão e o que estão fazendo, para nos matar de terríveis ciúmes amorosos. Um dia saí para o Aeroporto da Pampulha para pegar um avião e encontrar com os dois no calçadão de Copacabana. Só não fui porque não consegui lugar no voo. Robertão Gomes só aparece de vez em quando. Depois do casamento sumiu. Nunca vi um casamento mudar tanto uma pessoa. Quando ele aparece em algum evento é a maior festa. Joenildo é Desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Vive em Campo Grande, onde é muito querido. Marinho Alaor, “certinho”, “caladinho”, “arrumadinho”, continua assim até hoje, para nossa alegria. Carlos Alberto, que durante as filmagens do “Cabaré Mineiro” se dizia o “cineasta da Turma de Haroldinho”, permanece no Rio de Janeiro, fazendo filmes e ganhando prêmios em festivais.
Haroldinho, nosso Chefe vitalício, agora, avô, sempre em Montes Claros, dando de vez em quando, como diria Tone Abreu, suas crises de franqueza, com o coração voltado para o cultivo de nossas amizades, não perdendo uma oportunidade sequer de nos reunir. Quanto a mim, aposentado, continuo em Belô, atualmente só escrevendo, em busca de novos horizontes, com saudade de todos e orgulhoso por integrar essa turma de gente tão boa e amiga.



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Por Augusto Vieira - 16/6/2012 00:00:19
SILVINHA NA ZONA

Quando meu querido amigo, o Professor Marcelo Leonardo, era Presidente da Seccional Mineira da OAB, minha aldeia, Montes Claros, sediou, em 1998, um Congresso Mineiro de Advogados. E lá fui eu, então Procurador-Chefe da Defensoria Pública, participar do evento. Já sabia que encontraria meus fraternos amigos Márcio Augusto Santiago (Santa), José Benedito Miranda (Bené) e Sílvia Rodrigues de Oliveira (Silvinha), integrantes da famosa "Turma do 6 e 1". Conversa vai, conversa vem, disse para Silvinha que a melhor cozinheira da cidade era a dona de um randevu, conhecida por "Tia Zinha". Ela, então, respondeu:
— Bala, não quero ir embora de sua terra sem conhecer a zona e sem comer um bom franguinho caipira.
Liguei para "Tia Zinha" e perguntei se ela poderia fazer um jantar para nós. Ela acedeu prazerosamente e marcou para as oito horas da noite. E foi assim que Silvinha e eu fomos parar no quintal do randevu, numa imensa mesa, debaixo de uma frondosa árvore. Estavam lá mais uns sete a oito amigos, cujos nomes não declinarei para salvá-los de conflitos matrimoniais. Quando me viram sentado com Silvinha, logo se arrancharam na mesa, curiosos por saberem quem era aquela nova estrela do puteiro. Apresentei-a a todos, sem qualificá-la. "Tia Zinha" teve que reforçar o cardápio, porque eles, impregnados pela novidade, decidiram jantar conosco. De repente aparece um violão. E começamos uma tremenda cantoria, só de músicas regionais. Silvinha se deliciava com cada uma delas, esperando o tão badalado franguinho caipira, com arroz branquinho. E haja cerveja. Querendo agradá-la, lá pelas tantas, um advogado pediu a palavra. Solenemente saudou todos os comensais e começou um discurso em homenagem àquela mulher, cuja beleza o empolgara. Só que o discurso foi ficando cansativo, porque, já bem "truviscado", o ilustre causídico falava compassadamente e ainda parava pra pensar entre uma e outra palavra. A homenageada perdeu a paciência, levantou-se da cadeira e esbravejou:
— Doutor, vê se termina logo, que esse seu discurso tá muito chato.
O homem se ofendeu, aproximou-se dela, passou uma das mãos em seu rosto e disse:
— Cale a boca, sua rameira!
Ao ouvir isso, imediatamente tomei a palavra e esclareci a todos que Silvinha era brilhante advogada em Belo Horizonte, participante do Congresso, e que apenas desejara conhecer o randevu de "tia Zinha" e saborear sua deliciosa comida. Foi então que o orador caiu na real e, percebendo sua mancada, aproximou-se mais uma vez dela para, com voz brandíssima, exclamar, em escorreito francês:
— Pardon, Mademoiselle!
Silvinha não se abalou e respondeu:
— Senta aí logo, seu chato, e vamos tratar de cantar, beber e comer. Não quero saber de discursos. Já ouvi muitos hoje no Congresso.
E a farra continuou, até ser servido o farto e delicioso jantar. Não sobrou nada. Famintos, devoramos tudo o que foi servido.
Antes de deixarmos o local um freguês do randevu aproximou-se de nosso alegre grupo e me perguntou quem era aquele "avião" que estava comigo e quanto cobrava para dar uma trepadinha. Respondi, gozando o atrevido:
— Ali, meu filho, pra comer, o cara precisa ter Banco. Cê tem Banco?
No dia seguinte contamos a história para o Santa e o Bené. Eles a espalharam no Congresso. Várias advogadas que visitavam a cidade manifestaram desejo de viver a mesma aventura da colega que, toda empertigada, dizia a elas que fora chamada de "mademoiselle" e que um freguês ainda quisera transar com ela.
Essa história é sempre relembrada em nossos alegres encontros aqui em Belô. Muitas vezes é a própria Silvinha que me pede para recontá-la.


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Por Augusto Vieira - 6/6/2012 16:18:57
A TURMA DO BASQUETE

Aprendi a jogar basquete com João da Silva Prates (Zim Bolão), em Montes Claros. Espelhava-me nos mais velhos e tinha por eles o maior respeito: Geraldo Barata, Dácio Cabeludo, Sabu, Raimundo Chupa Dedo, Marquinho Vale, Walduck Wanderley, Hélio Alcântara, Diu Colares, Amauri Fraga, Tutica, Roberto Amaral, Ronaldo Veloso, Mário Bode, Gilberto Lafetá, João Carlos Sobreira e alguns outros. Depois veio minha geração e com ela, dentre outros, Duto Figueiredo, Armeninho, Haroldinho, Maninho, Valtinho, Aristóteles, Major, Zé Carlos Periquitinho, Guigi, Joãozinho e Jairo.
Sou atleticano, mas, quando vim estudar em Belo Horizonte, o Galo não tinha time de basquete. Com dezoito anos, tornei-me atleta da Raposa. Nosso Presidente era Felício Brandi, que todos admirávamos pelo carinho que nos dedicava. Nós o chamávamos de “Titio” Felício. Os conterrâneos Armeninho, Haroldinho e Xandão (meu irmão) também jogaram nesse time. Dos demais atletas me lembro de Hélcio, Armando, Décio, Plínio, Roberson, Roninha, Helder e Lincão. Nosso abnegado roupeiro era o Dalmo. Tostão (Eduardo Gonçalves de Andrade) era do juvenil de futebol e tinha mania de entrar na quadra de basquete, antes de nossos treinos, para bater bola com Dirceu Lopes e Natal. Cansei de chutar seu bumbum, de leve, pedindo-lhe que desocupasse o local para que pudéssemos treinar em paz. Dizia-lhe: menino, o horário, agora, é do basquete. Jamais poderia imaginar que aquele menino que eu retirava da quadra, poucos anos depois, se tornaria o autor das jogadas mais geniais e decisivas da Copa do Mundo de 1970, um grande médico e, na minha modesta opinião, o melhor comentarista esportivo do Brasil. "Titio" Felício, certa feita, contratou uma exibição dos "Harlem Globetrotters" e lá fomos nós jogar contra os "negão americano". Foi a maior festa. Pintaram e bordaram conosco e só nos deixaram fazer uma cesta, assim mesmo, de lance livre. Na apresentação, apertei a mão de um deles e disse:
— “Pleased to meet you, Sir: Sweet Candy!
Será que "sweet candy" pode mesmo ser traduzido por Bala Doce? Só sei que deixei o gringo na maior perplexidade.
Meu pai havia comprado um apartamento na Av. Carandaí, perto da Alameda Álvaro Celso, então sede do América. Quando ficou pronto, em 1964, eu, já universitário, por comodidade, me transferi para Coelho, onde também fui muito feliz. Já saía de casa uniformizado e fazia meu aquecimento, correndo até a alameda. A alegre turma do América deixou muita saudade em mim, especialmente os companheiros Ahmed, Ponte Nova, Paulinho, Zé Ernesto, Celso, Tonhão e os técnicos Dalmo e Miguel. Bolão, famoso massagista, de vez em quando, me aplicava aquela massagem antes dos jogos e eu entrava na quadra a mil por hora. Apelidaram-me de "Parede", porque quem batia em meu corpo, num rebote, sempre levava a pior. Por duas vezes, ao cair ao solo disputando um rebote, quebrei uma tábua da quadra do Minas Tênis Clube e os jogos tiveram que ser paralisados para que um carpinteiro, rapidamente, consertasse o estrago. Meu maior fã, na diretoria do clube, era o Bené, dono da Camisaria Cadilac. Jair Bala e Davi, centroavante e goleiro do futebol, respectivamente, sempre nos prestigiavam, assistindo aos nossos jogos nas quadras adversárias.
A impressa elegeu-me o craque do ano do campeonato mineiro da segunda divisão de 1964 e, no dia 23 de janeiro de 1965, recebi um lindo troféu, numa festa na sede social do Cruzeiro, que era no Barro Preto, onde "Titio" Felício, além de me entregar o troféu, me presenteou com um disco do hino de seu clube. Um repórter veio me entrevistar e perguntou:
— Onde você aprendeu jogar basquete?
Respondi:
— Com Zim Bolão, lá na Praça de Esportes.
E saí, apressadamente, em busca de uma colega de turma da faculdade, que eu pedira para me acompanhar na festa e que se tornaria, três anos depois, minha esposa. Esse repórter deve estar se perguntando até hoje quem é esse tal de Zim Bolão e onde fica essa tal Praça de Esportes...
Fui convocado, pelo Miguel, que fora meu técnico no América, para disputar os XVII Jogos Universitários Brasileiros, pela seleção mineira, em Pernambuco. Ficamos em terceiro lugar. Subi ao pódio e recebi as medalhas, na solenidade de encerramento, no belo Ginásio do Esporte, representando meus companheiros.
Até hoje encontro muita gente dessa boa turma do basquete. Os papos são sempre no sentido de recordarmos um passado no qual vivemos momentos muito felizes de nossas vidas. Essas amizades históricas, conquistadas através do esporte, jamais fenecem.


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Por Augusto Vieira - 28/5/2012 23:43:21
É possível que o processo de fabricação do cimento, anos depois, derrube casas por ele edificadas. Dinamitaram loucamente a natureza. Ela sofreu e pode se vingar. É o "progresso" destruindo a vida. Os terremotos de minha aldeia são muito maiores do que se pensa. Sudenizaram-na. Gigolôs usaram recursos públicos para cobrir rombos de caixa em outras plagas. Despovoaram nossos campos. Descalejaram mãos trabalhadoras e enfavelaram a cidade. Criaram falsas esperanças. Depois fecharam fábricas. Minha gente, raçuda, nunca deixou de ir avante. Gente prejudicada em seu caminhar para o futuro. Gente que não se rende. Gente que vai sempre em frente. Gente de muita garra. Podem crer! Somos "interremotáveis."


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Por Augusto Vieira - 23/5/2012 20:04:05
Um abraço em Tetê Vasconcelos. Jaiminho se foi, mas sempre estará entre nós. Meu pai foi padrinho do casamento de vocês, cujo amor eterno, jurado, permanecerá sempre vivo. Jaiminho foi umas das figuras mais queridas de nossa aldeia. Que ele descanse em paz, num lugar muito bonito, destinado aos homens de bem!


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Por Augusto Vieira - 19/4/2012 03:31:30
Segredo de um juiz criminal.

Vou contar um segredinho a vocês. Nunca havia escrito sobre esse fato. Quando assumi a vara criminal de Betim, o Corregedor de Justiça pediu-me que a moralizasse. Prefiro não dizer as razões. Ao dar início ao interrogatório de um réu, ele logo me disse, baixinho, no maior descaramento: - doutor, se o senhor me absolver lhe dou dez mil. A vara criminal funcionava no segundo andar de um prédio nas proximidades de uma praça, aonde ficava o Fórum. Não havia um policial, sequer, no local. Só ele, o escrevente e eu. Sabem o que fiz? Dei-lhe voz de prisão. O descarado correu. Eu, gordão, corri, de beca, atrás dele. Desci dois andares de escada e saí pela rua, até chegar à praça onde se localizava o Fórum. Enquanto corria gritava para o povo: - me ajudem a pegar aquele filho da puta ali, que ele tentou me corromper. E apontava para o safado, que corria desesperadamente. Foi então que ele entrou num táxi e sumiu, para sua sorte. Depois do fato formou-se um aglomerado humano em volta de mim e eu contei o caso, enquanto, arfante, descansava. O corruptor nunca mais apareceu na cidade. O fato teve repercussão altamente positiva. Não aconselho ninguém a fazer isso. Acho que nem eu mesmo o faria novamente. Mas que funcionou, funcionou. Logo depois transferiram a vara criminal para o prédio do Fórum. Trabalhei tranquilo, em Betim, por mais de dois anos, com toda segurança e tranquilidade. Fernando Pedroso, Tarcísio Martins Costa e eu, ficamos tão amigos, que éramos chamados pelo povo de "Os Três Mosqueteiros". Betim foi meu paraíso na magistratura. Adoro aquela gente. Em minha despedida da comarca, na festa que fizeram, havia gente saíndo pelo ladrão. Tornara-me um homem querido por aquele bom povo, honesto e trabalhador. O povo gosta mesmo é de justiça.


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Por Augusto Vieira - 12/4/2012 17:31:44
Adeus, caro mestre!

Perdemos o grande Oswaldo Antunes, uma das maiores expressões culturais de minha aldeia. Fui a Montes Claros para o lançamento de seu livro "A Tempo". O salão do Automóvel Clube estava lotado de pessoas do mais elevado nível intelectual. Ouvimos as palavras introdutórias de Waldyr Senna Batista, a apresentação da obra pelo escritor Petrônio Braz e a breve e calorosa fala do autor. Corri para a fila de autógrafos, porque também representava dois grandes amigos do mestre: José Bento Teixeira de Salles (...) e Roberto Elísio de Castro Silva. O mestre sorriu quando me viu e deu os três autógrafos. Agradeceu, na dedicatória, minha modesta colaboração, porque eu havia feito uma breve revisão, a pedido dele. Em casa, antes de dormir, abri o livro e só o fechei depois de reler sua última página, na manhã do dia seguinte. Mais uma vez vi desfilar sob meus olhos a vida pessoal do escritor, que também é a vida do seu e nosso “Jornal de Montes Claros”. Mas o que mais me fascinou foi saber, pelo artístico marcador de páginas, em que está inscrito o poema “Caminho”, que o mestre está preparando mais um: “Estrela Final”. É, minha gente, esse macabeuzinho-caramuru-brasilminense-moquenho, em sua longa e merecida vida, jamais deixou o comando da resistência à invasão dos “borás”, só que, após a infância, passou a usar sua arma predileta: a escrita precisa, honesta, artística, profundamente eivada de filosofia de vida, de amor à sua família e ao semelhante. Publiquei em meu site um de seus últimos textos, "O Deus em que não creio", onde ele mostra sua grande intimidade com Deus. Espero que a família reúna, na “Estrela Final”, todos os seus poemas, pérolas literárias que não podem ficar escondidas em ostras. Descanse em paz, mestre Oswaldo Antunes, na “Nova Estrela” que surgiu para abrigá-lo, carinhosamente, no firmamento e para iluminar nossas vidas, tanto quanto você o fez enquanto esteve aqui conosco!


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Por Augusto Vieira - 10/4/2012 21:04:11
Nossa aldeia é culta

Nasci em Montes Claros. Prestei serviços a ela e dela recebi muitas coisas. Hoje estou no exílio, forçado pelas circunstâncias da vida, principalmente pela magistratura. Resido em Belô, mas conservo um pequeno apartamento lá. Minha mãe é de lá, está viva, com 86 anos, e reside na casa em que me criou. Saí de lá, mas a cidade nunca saiu ou sairá de mim. Pode ter alguém que ame minha terra igual a mim, mas mais do que eu, duvido. Infelizmente sou obrigado a dizer que lá ainda há pessoas muito medíocres que se julgam donas da cultura do pedaço. Egoístas, só pensam em aparecer, usar a gente e levar vantagens, inclusive financeiras, às nossas custas. Muitos são forasteiros, recebidos por nossos bondosos corações, mas que não se integraram a nós, por não terem ou não quererem ter aprendido ser mais um de nós. Deus me livre dessa tralha! Quando saí de minha terra fiz até um versinho para esses beócios: Minhas mágoas/São sepultas/Nestas águas/Incultas. Abaixo essa porcalhada cultural que deslustra nossas tradições e nossa História, tão cheia de vultos da maior grandeza. A continuar assim, dentro de pouco tempo, as novas gerações não mais saberão quem foram homens como João Chaves, Dr. Santos, Dr. Velloso, João Alves, Alpheu de Quadros, Nélson Vianna, Hermes de Paula, Simeão Ribeiro Pires, Darcy Ribeiro, Cyro dos Anjos, João Valle Maurício, Mário Ribeiro e muitos outros. E quero, ainda, falar especialmente às mulheres de minha aldeia, neste mesmo tom, invocando a grandeza de Dulce Sarmento, de Dona Tiburtina e de Irmã Beata, só para mencionar três nomes. Não deixem a barangolândia tomar conta de nossa aldeia. Deem um solene não à galinhada inculta que só pensa, como diria Darcy Ribeiro, em furunfar. Minha terra é terra de grandes mulheres. Essa gente medíocre não pode nos representar e nos caracterizar perante outras cidades, outros estados e outros países. Vamos dar um basta à subcultura. Temos muito mais valores para mostrar a Minas, ao Brasil e ao mundo, minha gente. Nossa aldeia é culta. Muito culta. E é assim que deve continuar a ser reconhecida e cantada pelas pessoas, em verso e prosa.


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Por Augusto Vieira - 5/4/2012 01:15:47
Cícero Dumont

Conheci-o, ainda menino, em minha casa. Era amigo de meu pai. Quando visitava a cidade dava uma passadinha lá em casa para um cafezinho e um rápido bate-papo. Ficava impressionado com a educação e a elegância daquele bonito homenzarrão, que mais parecia um lorde inglês. Foi deputado estadual por seis legislaturas e sempre lutou pelas grandes causas norte-mineiras. Nunca sua honorabilidade foi manchada por qualquer deslize no exercício da função pública. Falo do grande Cícero Dumont. Seu irmão, Wandick era prefeito de Bocaiúva. Quando eu estava com meus 14 anos ele me convidava para as festas no pomposo clube da cidade. Meu pai me liberava e eu ficava que nem um reizinho na mesa do Prefeito, tomando os melhores drinques por conta dele e paquerando as mais lindas donzelas vestais da cidade. Até namorico arranjei por lá. E quase virou coisa séria.
Depois, quando eu estava fazendo meu doutorado em direito público, na Faculdade de Direito da UFMG ele, já bem mais antigo, matriculou-se no curso e tornou-se meu colega de sala de aula. Juntos, por dois longos anos, curtimos as aulas de Antônio Augusto Melo Cançado, Lydio Machado Bandeira de Mello, Adalmo de Araújo Andrade, Raul Machado Horta, José Fernandes Filho e Simão Pedro Casassanta. Terminamos o doutorado, fizemos nossos trabalhos finais e eu voltei a Montes Claros e fui trabalhar com João Valle Maurício, na Fundação Norte Mineira de Ensino Superior. Para minha alegria, descobri que fora ele o autor da Lei Estadual 2.615, de 26 de maio de 1962, que criara a Universidade Norte Mineira. Posteriormente ela passaria a denominar-se Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, pela Lei Estadual 6.361, de 03 de julho de 1974. Hoje é a nossa tão respeitada e festejada Unimontes.
Li um livro dele, chamado Direito Municipal Brasileiro, uma das grandes obras existentes sobre a típica autonomia municipal de nosso sistema federativo. Escreveu outros. Depois ele ingressou, por mérito, no magistério, em nossa querida e vetusta "Casa de Afonso Pena", onde lecionou brilhantemente até aposentar-se.
Doutor Cícero Dumont foi um grande político e um grande jurista. Cidadão exemplar. Fui herdeiro de uma profunda amizade que uniu nossas famílias num sertão tão cantado por João Guimarães Rosa. Saudade de você, meu querido Doutor Cícero. Muito obrigado por tudo que você fez por por mim e por todos nós! Que Deus o guarde com muito carinho. Até breve, caro amigo. Foi uma honra ter sido seu colega de estudos, seu amigo e admirador.


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Por Augusto Vieira - 3/4/2012 23:58:29
Carlos Prates, nosso cineasta maior

Vejam os textos da Curadoria do Festival de Buenos Aires. E neles, uma coisa que me fascinou: a referência a nossa aldeia, nossa querida Montes Claros, enfim, à nossa cultura (nossos cantares, dançares, falares, comeres e fazeres). Quero cumprimentar o vereador Athos Mameluque pelo título de cidadão benemérito outorgado a nosso cineasta-maior e ao pessoal da Secretaria de Cultura, por desejar homenageá-lo em nosso III Festival de Cinema. Infelizmente ele, por estar se recuperando de duas cirurgias, não poderá comparecer por agora, nem a Buenos Aires, nem a Montes Claros. Espero, em breve, que nós possamos organizar uma grande festa em sua homenagem, quem sabe até com uma mostra de seus filmes tão festejados no Brasil e no mundo.
Carlos Prates pela curadoria do Festival de Cinema de Buenos Aires (Bafici) - Abril de 2012.
Nem os caminhos serranos por onde passeiam as moças em Noites do Sertão, nem a carruagem caindo no tiroteio do western, logo no início de Minas Texas. Nem mesmo o trem de ferro, em que o elegante personagem de Cabaret Mineiro conhece a mulher de seus sonhos, atravessa o eixo Río-São Paulo, as duas cidades que disputam o título de epicentro cultural brasileiro.
Carlos Alberto Prates Correia (1941), que hoje prefere ser chamado simplesmente de Carlos Prates, encontrou em sua terra (Montes Claros, Minas Gerais) a sólida matéria prima e o sentido de seu cinema.
Este cineasta secreto, que trabalhou com Joaquim Pedro de Andrade em alguns filmes, não só está localizado à margem, geograficamente, mas também no mapa imaginário das correntes e vanguardas reconhecidas pela elite cultural. E não só dessas: Prates está fora, inclusive, do cinema marginal de Sganzerla e Bressane, ainda que se descubram afinidades entre seus filmes, todos feitos durante os anos da ditadura. O erotismo extravagante, os personagens renegados, o humor excêntrico, as danças, o piscar de olhos: tudo aquilo que as palavras não traduziam e dessa forma conseguia ser contrabandeado na censura.
Mas esses desabafos formais com intenção conspiratória – próprios de um cinema maldito, marginal, contravanguardista – foram para Prates muito mais que uma posição estética. Eles não pretendiam revolucionar o cinema nem atrair ou escandalizar os espectadores; simplesmente o seduzia a oportunidade de fazer experiências com aquilo que o envolvia: a mítica Montes Claros, sua música, suas paisagens, seus amores, a “brisa que corria de trás para frente da câmera desde o primeiro filme”.
Para cada um de seus planos – de composição simples, mas extraordinariamente refinada e detalhista, Prates orquestra situações em que se imagina até que ponto suas filmagens foram experiências únicas, carregadas de vitalidade. Atores totalmente entregues a seu histrionismo, desfrutando cada gesto e cada som; atrizes vestidas ou desnudas que explodiam de sensualidade. Planos como peças únicas, que Prates reunia e logo desfazia, na singularidade de suas articulações.
Em sua obra, apresentada agora neste Bafici, Prates promove a convivência fluida de realidade e imaginação. Com o talento, entre outros, que demonstra bem atrás da câmera, o título de um de seus filmes. Esse homem fugidio, que não gosta de ser fotografado, se apresentar em público nem viajar de avião, sabe, como poucos, deixar correr a brisa pelas telas.
Eloísa Solaas
Festival Internacional de Buenos Aires
A Filmografia
Cabaré mineiro – já referido no texto introdutório.
Castelar e Nelson Dantas no País no generais
“Em Minas, nos anos da ditadura militar, cineastas atormentados pelas personagens de seus filmes lançam a pergunta fulminante: por que as mulheres são tão belas? Nenhum cometeu o erro de imaginar que a razão fosse o vestido. Mesmo quando as mulheres se encontram bem cobertas, a nudez sob as vestes pode ser possuída pelos olhos do bicho homem. Basta que ele saiba olhar com concentrada gana.”.
Com esse estranho resumo do (não) argumento se apresentava o último filme de Prates no Festival de Gramado, em 2007 – quando terminaria ganhando o prêmio de melhor longa-metragem brasileiro. Estranho, porém mais que apropriado para um objeto fílmico que resiste a qualquer tentativa de classificação. Cruzando autobiografía com fragmentos de seus próprios filmes e daqueles que, de uma forma ou de outra, marcaram sua vida, Prates (psico) analisa a relação que teve com a cinematografia brasileira (e não somente, como prova a foto de Humphrey Bogart) para construir uma espécie de ensaio metafísico coerente com sua ideia do cinema como fonte inesgotável de indagações.
Crioulo Doido
Em 1970, Prates filmou na cidade histórica de Sabará seu primeiro longa-metragem. O protagonista era um ator negro – fato nada habitual no cinema brasileiro da época – e essa era a menor das raridades de Crioulo Doido, expressão local que muito apropriadamente se emprega para descrever o nonsense, o delírio. Combinando, como explicou Prates, “racismo com ascensão social e Contos da Lua Vaga, de Mizoguchi”, o filme narra o projeto de Sebastiana e o Amigo da Família para levar à loucura um bem sucedido alfaiate negro, e apoderar-se de seu dinheiro. Enquadramentos simples, fotografia em preto e branco de alto contraste, intertítulos e outras marcas do cinema mudo, atuações caricaturais: muitas constantes da obra de Prates já aparecem bem delineadas nessa fantasia transbordante de ideias que o diretor voltou a montar não faz muito, cortando 17 minutos, mas nada de sua fascinante ambiguidade. O que levou um crítico a escrever que Crioulo Doido bem poderia ser “um drama de costumes, uma comédia sobre a pilhagem ou uma ficção científica do Terceiro Mundo”.
Minas Texas
Em Minas Texas, só uma coisa resiste à passagem do tempo: a fantasia romântica de Januária pelo peão de rodeio Roy, imagem de herói americano como que saída da tela. A donzela foge do altar para escapar de um marido imposto pelos pais e reúne um bando para lutar contra a quadrilha que tenta vingar o noivo abandonado enquanto espera em sua fazenda por seu amado Roy, que nunca chega.
O delirante western mineiro de Prates (ou Charles Stone), em que o herói monta um cavalo com o escudo do Clube Atlético Mineiro, é menos uma paródia do gênero que um metafilme, uma alegoria sobre a realização de um faroeste no Brasil. Como escreveu o crítico Gabriel Martins, “construindo uma obra de diálogos inspiradíssimos, Prates/Stone filma sua própria criatividade, com uma inspiração claramente nascida de sua visão particular da vida e do cinema que divertem, sem deixar de ter, em sua eloquência, uma dose de política e de poesia”.
Noites do Sertão
Belo Horizonte, década de 1950. Desquitada de Irvino, que fugiu com outra mulher, a bela e frágil Lalinha vai morar no Buriti Bom com as duas cunhadas e o sogro viúvo. A amizade da família a conforta e aos poucos ela conhece a gente do lugar. O veterinário Miguel chega para vacinar o gado e desperta o amor da mais nova. Quando ele parte, uma inesperada movimentação erótica se estabelece.
Prates conseguiu transportar para a tela toda a sensualidade da novela Buriti, do grande Guimarães Rosa, e converter em cinema puro – e em música, como demonstra a notável trilha sonora a cargo de Tavinho Moura – as imagens e os diálogos desse sutil estudo sobre as relações entre homens e mulheres. Da insônia à morte, dos ciúmes aos sonhos, das paixões cruzadas ao pranto, as mil formas de amor que vive ou encontra Lalinha em seu caminho (platônico, sexual, entre pais e filhos, entre amigos...) modelam um melodrama coletivo tão poderoso como elegante.
Perdida
Depois de vários anos trabalhando como produtor executivo para quitar as dívidas de Crioulo Doido, Prates voltou à realização com esse duríssimo melodrama, que segue o calvário da Estela de Maria Sílvia, uma empregada doméstica em perpétua fuga até parte alguma. Cansada das aplicações cotidianas de violência na casa onde trabalha, Estela decide escapar. Leva apenas uma trouxa com seus pertences na cabeça. É atacada num bar de beira de estrada, um caminhoneiro a resgata, só para deixá-la num prostíbulo. Lá, um poeta propõe-lhe casamento e mudança para a roça, mas é ferido de morte. Nenhum sonho de vida melhor dura muito para Estela que, buscando a redenção, abandona tudo para trabalhar numa fábrica. Quando os problemas voltam a alcançá-la, sobrará apenas um destino possível em sua fuga da subocupação, da prostituição e da asfixia: Belo Horizonte, a cidade grande que, como diz seu próprio nome, tem algo de mito e algo de promessa.


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Por Augusto Vieira - 26/3/2012 08:37:38
Meu caro amigo Denarte, fiquei emocionado ao saber que serei homenageado pelo "Troféu Bola Cheia - 2012" por ter sido o primeiro presidente de um time profissional de nossa aldeia, o Cassimiro de Abreu. Em 1971 disputamos o Campeonato Mineiro e ficamos em quarto lugar, abaixo apenas de Atlético, Cruzeiro e América. Telê Santana, o grande mestre, esteve aí no jogo de inauguração de nossos refletores, assumiu a direção do Galo e foi campeão brasileiro no final do ano. Jantei com ele e já seu fã como jogador (ainda menino eu o vira jogar no Maracanã, pelo Fluminense, contra o Bangu, que tinha Zizinho) minha admiração só aumentou. Nunca mais deixei de admirá-lo e de me aconselhar com ele. Nunca consegui torcer contra um time que ele dirigia. A imprensa escolheu a seleção do campeonato e dentre os craques estavam dois beques de nosso time, Afrânio e Nicomedes. Divido esta homenagem com João Melo, Zé Maria Melo, Edgar Martins Pereira, Aristóteles Mendes Ruas, Tião Boi, Xandão (meu irmão), Affonso Prates Borba, Vivaldo Porreta, Marcelino Paz do Nascimento, Bonga, Raimundo Pereira Veloso (Dim), Manoelzinho, Ozias, Afrânio, Nicomedes, Jurandir, Nogueira, Hélton, Sabará, Moisés, Professor Nilson, Bené, Jacy, Elísio, Milton Henrique, Nona, Malveirinha, Gílson e com os demais atletas. Divido-a também com nosso médico Alfredo Barreto, com Geraldino Ferreira Vargas (Castilho, nosso massagista), com "Doutor" Satyro (nosso enfermeiro), e com João Raimundo (nosso roupeiro). E porque não fazê-lo também com nosso mascote, aquela criancinha bonita que sempre entrava com nosso time em campo, o Barretinho, que chamávamos carinhosamente de "cornetinha". Compartilho-a também com nosso torcedor-símbolo da época, o saudoso Chiquinho Santiago, que já velhinho ajudava-nos com sua sabedoria, incentivando-nos sempre a buscar novas vitórias. Se Deus quiser (estou me restabelecendo de uma gripe que me levou ao leito) estarei aí no Automóvel Clube, no próximo dia 27 de março, para receber esta honraria, que preservarei com todo meu carinho e orgulho enquanto durar minha vida e que carregarei comigo para o túmulo. Muito obrigado!


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Por Augusto Vieira - 16/3/2012 09:54:55
O MÉ E A COPA DO MUNDO.

Quem errou no caso da venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante a Copa do Mundo? Claro que foi quem apresentou o projeto da candidatura do Brasil. Se a lei brasileira proibia a venda de bebidas alcoólicas nos estádios, o Brasil jamais poderia ter pactuado com a Fifa que isso seria permitido durante a Copa. E agora veio essa confusão toda. O ministro, ontem, defendeu a modificação da lei para se permitir a venda apenas durante a Copa. Está passando um atestado, perante o mundo, de que o povo brasileiro não é civilizado e que só os estrangeiros que virão aqui participar do evento têm condições de ingerir bebidas alcoólicas nos estádios, durante os jogos, e se comportarem dignamente. Nunca aceitei este tipo de vassalagem cultural. Quando estudei em Harvard entrei na biblioteca fumando e a bibliotecária, sabendo ser eu brasileiro, veio logo em minha direção e me advertiu para não jogar cinza no chão. Fui à direção da Faculdade de Direito e pedi meu desligamento da bolsa que recebera para ali estudar, porque não admitia aquele tipo de comportamento em relação a mim e à minha brava gente brasileira. Eles tiveram que se desculpar perante mim. A Fifa não tem o poder de interferir em nossa soberania, que é de nosso povo (nossa), que delega ao governante apenas seu exercício, conservando sua titularidade. Temos que abandonar essa mania de nos passarmos por seres inferiores perante o mundo. As chamadas grandes nações também têm seus problemas com o alcoolismo e muitas delas em proporções bem mais graves do que nós. Ou deixam os torcedores beberem moderadamente ou não deixam. Quem abusar e agir incivilizadamente, por causa da bebida, é que deve ser reprimido. É justo, por causa de alguns que pegam mal, impedir todos de praticarem determinado ato socialmente aceitável?


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Por Augusto Vieira - 13/3/2012 02:16:11
PEDRO MALASARTES, A VELHA AVARENTA E A SOPA DE PEDRAS

Era uma viúva muito avarenta, sem filhos, dona de imensa faixa de terras e muitas cabeças de gado. Nem o caixão para enterrar o marido a megera pagara. Nunca dera nada a ninguém. Sua fama corria mundo. Na vendinha do povoado quase todos falavam de sua mesquinhez. Um dia parou lá um rapaz alto e forte, de cabelos negros, bigodinho ralo, usando calça cáqui, camisa listrada, paletó branco, longas botinas vermelhas e chapéu de palha. Fumando seu cigarrinho, também de palha, ouvia vários fregueses contarem várias histórias sobre o pão-durismo da anciã. Resolveu ganhar um dinheirinho extra e apostou com cinco pessoas, dez reais com cada uma, que conseguiria fazer com que a velha lhe desse alguma coisa. Casaram o dinheiro. Um dos apostadores perguntou-lhe o nome e ele respondeu:
– Meu nome é Pedro, Pedro Malasartes.
Pedro comprou um caldeirão de ferro fundido, daqueles grandões, arranjou duas barras de ferro e foi até a porteira de entrada das terras da velha. Ali armou duas fileiras de pedras grandes, firmou nelas as barras de ferro, encheu o caldeirão de pedras pequenas e colocou-o por cima. Em seguida, usando uma caneca esmaltada, pegou água num córrego próximo e derramou-a no caldeirão. Depois cortou lenha no mato e atiçou fogo. Logo, logo, a velha viu a fumaça, mas não deu trela, com medo de que fosse alguém que poderia lhe dar alguma despesa. Malasartes, muito paciente, ficou ali por mais de três horas, jogando lenha no vão dos tijolos e água no caldeirão. A curiosidade da velha aumentava a cada momento, até que ela não resistiu e foi até a porteira.
– O que o senhor está fazendo aqui?
Pedro, que estava agachado, soprando as brasas, levantou-se e disse:
– Tô vindo da Bahia e me deu fome. Então resolvi fazer essa sopa de pedras.
– Sopa de pedras?
– Sim. Aprendi com meu avô. Daqui a umas três horas ficará pronta. É deliciosa, ótima pra saúde e a gente nada gasta pra fazer, a não ser o tempo e o caldeirão. A natureza já nos dá todos os ingredientes: as pedras, a lenha e a água, que pode até ser de chuva.
A velha gostou do baixo custo da sopa e ficou observando. Pedro trocava a água e a lenha, de quinze em quinze minutos.
– Dentro de meia hora estará no ponto. Se a senhora quiser pode pegar um prato e provar. E ainda deixo o que sobrar pra senhora. Já tenho meu prato.
Tirou de seu embornal um imenso prato fundo de latão e uma colher. A velha, interessada em comer de graça e na sobra, aceitou o convite e disse que iria até a casa pegar um prato, um garfo e uma faca. Pedro, então, sugeriu:
– Se a senhora quiser pode trazer uns tomates e umas batatas que a gente põe na sopa.
Ela fulminou Pedro com o olhar, mas sua curiosidade sobre sopa tão barata era tão grande que resolveu atender. Trouxe seu prato, os talheres, duas batatas e dois tomates. Entregou as batatas e os tomates a Pedro. Ele nem descascou as batatas. Jogou-as na panela. Guardou os tomates em seu embornal. Apenas disse que logo que as batatas cozinhassem ele cortaria os tomates e serviria a sopa. A velha ficou ali, ansiosa, esperando. De repente, Pedro pergunta:
– A senhora quer melhorar a sopa? Se puser um pedaço de carne fica mais gostosa ainda.
A velha vacilou, mas foi até sua dispensa, pegou dois pedaços de carne, já temperados, e os entregou a Pedro, que os jogou no caldeirão.
– Por acaso a senhora não teria umas salsinhas e umas cebolinhas pra dar mais gosto ainda?
A velha foi até sua horta ali pertinho e voltou com as salsas e as cebolinhas. Pedro jogou tudo no caldeirão e disse:
– Agora terei que retirar as pedras e a água do caldeirão e esperar a sopa esfriar um pouco, até ficar no ponto de ser comida.
Ficaram ali, os dois, esperando a panela desaquecer. De repente Pedro pega as duas barras de ferro, coloca-as em seu embornal e sai correndo, segurando o caldeirão. Quando corria, antes de chegar à venda, com o juiz da aposta, que ficara observando tudo de uma moita, ainda ouviu um tiro de espingarda. Chegou à venda, recebeu seus cinquenta reais e ainda dividiu o gostoso guisado, de carne com batata, tomate, salsa e cebolinha com um garotinho pobre que lhe pedira um dinheirinho pra comprar comida.


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Por Augusto Vieira - 5/3/2012 19:03:47
JOÃO DA SILVA PRATES

Dentre todos os desportistas de minha aldeia ainda vive um que, para minha geração, tornou-se um ícone, um símbolo, um corifeu, um paradigma. Ele se chama João da Silva Prates e é conhecido pelo histórico apelido de Zim Bolão, embora nunca tenha sido um bolão propriamente dito, mas um homem forte e musculoso. Zim, de uma das mais tradicionais famílias da cidade, praticava todos os esportes especializados. Nadava vários estilos, era um exímio levantador de voleibol e jogava basquete muito bem. Cidadão modelo, amante de sua terra, trabalhador, honesto, solidário, culto e profundamente sincero, não era apenas nosso técnico de basquete, mas nosso orientador para os embates da vida. Um filósofo-educador, posso dizer hoje, sem medo de errar. Quantos problemas de ajustamento social de seus pupilos ele resolvia com sábios conselhos e atitudes firmes! Às vezes, poucas, quando rude, suas broncas eram de amor, desejando mostrar novos caminhos a quem deles carecia para se tornar homem de bem. Paizão mesmo, esse exigente treinador tratava todos igualmente e acompanhava, interessado, os passos de nossas vidas. Depois dos bons tempos do basquete, quando obtínhamos alguma vitória, sentíamos logo – creio que isso acontecia com todos – aquele ansioso desejo de encontrá-lo, só para contar-lhe e ver o brilho de seu bondoso olhar abençoando nossa conquista. E normalmente o fazíamos em seu famoso e inesquecível bar, na rua Simião Ribeiro.
Em 1965 fui convocado para a seleção mineira universitária de basquete e disputei o Campeonato Brasileiro. Antes já participara de dois campeonatos mineiros, jogando pelo Cruzeiro e pelo América, O Galo não tinha time de basquete. Fiz amigos excelentes nestes dois clubes e até hoje exibo, orgulhoso, minha carteira de sócio atleta deles e um troféu a mim entregue por “titio” Felício Brandi, quando fui eleito craque do ano, pelo colunista Ilídio Costa, do “Diário de Minas”. Houve uma festa na antiga sede social do Cruzeiro, no Barro Preto, tipo “Troféu Bola Cheia”, que nosso querido Denarte promove em Montes Claros. Um repórter, da TV Italocomi, fazia a cobertura do evento e resolveu gravar uma entrevista comigo. Eu estava paquerando minha futura esposa e não queria saber de perder tempo com outras coisas. Aí ele me tirou da pista de dança e perguntou onde eu tinha aprendido a jogar basquete. Respondi: com Zim Bolão, lá na Praça de Esportes. E saí apressado do local para retornar aos braços da quase namorada. O rapaz deve estar procurando saber, até hoje, decorrido quase meio século, quem é esse tal de Zim Bolão e onde fica essa tal de Praça de Esportes...
Zim Bolão fechou seu bar, que era frequentado por pessoas maravilhosas e foi, por muitos anos, um importante centro cultural de nossa aldeia, com inúmeros habitués – não cito nomes para não cometer injustiças – que ora homenageio na pessoa do saudoso Raymundo Muniz de Carvalho, nosso “General” Mundinho Atleta, eterno presidente de uma imaginária república de amizade e afeto. Hoje em dia, viúvo, ainda deve gostar muito de ler bons livros e de trabalhar. É dono de um famoso bufê, com magnífica sede, que leva o nome da meeira de sua vida, D. Duca, que deixou imensa saudade em nossos corações quando partiu e que, com ele, legou à nossa gente, Joãozinho, Catarina Maria e Ângela, herdeiros da inteligência, da honradez e da dignidade de ambos.
Meu querido Zim, mais uma vez, emocionado, ofereço-lhe todas as minhas cestas e todas as minhas vitórias. Muito obrigado pelo que você fez por mim. É uma honra poder chamá-lo de amigo. Só Deus saberá lhe recompensar tanta paciência e bondade. E que você permaneça entre nós por muitos anos, sendo esse majestoso e brilhante farol a nos guiar. Um grande abraço!


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Por Augusto Vieira - 13/2/2012 14:10:51
ARTISTAS X IMPRENSA

Valeu a pena interromper minhas férias em Cabo Frio para vir a minha querida aldeia e ser técnico de um time de futebol de artistas, num momento sublime de confraternização com o pessoal da imprensa, tendo por palco o agradável espaço do clube da turma do Banco do Brasil. Nosso time, que fez até camisas para o evento, foi chamado de “Bagaceira de Leobina”, em homenagem a um antigo randevu, aonde várias gerações viveram momentos inesquecíveis com belas raspadeiras tristezas. Luís Carlos Novaes, nosso querido Peré, intimou-me a ser técnico desse time e cheguei a tempo para assumir, com prazer, mais este cargo honorífico em minha vida.
Os atletas foram recebidos por um excelente público, que vibrou, nas arquibancadas.
O time adversário, que poderia ser batizado de “Egressos de Roxa Futebol Clube”, enaltecendo outra casa de amor bandido, mais antiga ainda, da cidade, era composto por pessoas tão bacanas que, mesmo como técnico adversário, em alguns momentos não resisti e aplaudi seus craques, principalmente dois deles. O primeiro, meu irmãozinho Gélson Dias que, no altar de seus 73 anos, além de comandar os colegas em campo, ainda jogou uns dez minutos aquele seu futebol de classe e arte, bem antigo e gostoso. O segundo, meu caro amigo Zé Vicente, com seus quase 70, sempre vibrante, ainda acariciando o gomo 13 da G18 com maestria. E nele outros craques como Karoba e Benedito Said, dois tratores de esteira, raçudos que só eles, para compensar o pouco gás de suas idades provectas e o peso de seus corpos.
Meu time foi o maior barato. Peré de goleiro, que nem Gilmar dos Santos Neves. Na defesa um craque chamado Maya, que joga tão bem que, quando ele saiu para uma descansadinha de cinco minutos, tomamos dois gols. Danilo Campos, artista também na magistratura, sempre ali na meiuca, procurava conter as investidas dos adversários, que o eterno futebol-arte de Denarte transformava rapidamente em chances de gol, desperdiçadas por nossos atacantes. Tive a ousadia de lançar dois atletas, depois que nosso craque Hilton teve câimbra: nosso querido Janaúba, que jogou com muita eficiência, e João Jorge, com seus belos e fartos cabelos e porte atlético de fazer inveja a muito profissional.
Perdemos de quatro a um, por culpa de um rapazinho de Mirabela, chamado Luiz Ribeiro, que entrou no final e logo marcou o terceiro gol dos adversários, justo no momento em que havíamos perdido várias chances de empatar e estávamos em busca de uma virada. Gravei entrevista com ele, findo o jogo, e ele exaltou, com belas palavras, o sentido da confraternização e me rasgou um elogio, ao que eu respondi:- Você ferra meu time e depois vem me elogiar, né, seu sacana!?
Depois do jogo a turma se reuniu num galpão e foram entregues as medalhas e os troféus. Em seguida foram abertas garrafas da famosa cachaça Balalaika, cervejas estupidamente geladas, refrigerantes e servidos deliciosos tira-gostos. Aí veio a viola de Hilton, que passava por várias mãos e acompanhava deliciosas canções nacionais e regionais.Permitam-me exaltar meu craque Maya, compositor das mais belas músicas norte-mineiras, com quem tive a honra de cantar sua mais recente criação, o “Catrumano”, um dos mais fieis retratos poético-musicais de nossa gente.
Obrigado, Peré, por me proporcionar momentos tão felizes, em companhia de pessoas tão especiais, que representam, com tanta dignidade e arte, o momento atual desta nossa maravilhosa civilização do ciclo do gado.Abraço a todos vocês, na pessoa de meu querido Nascimento Silva, a quem tive a alegria de rever em tão gostosa jornada etílico-gastro-esportiva.


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Por Augusto Vieira - 6/2/2012 20:25:22
AROLDO "CENTENÁRIO" DA COSTA TOURINHO

Até o término de meu curso científico, no final do ano de 1962, com quase 18 anos, eu o conhecia apenas de nome. Era considerado por meu pai como um dos grandes médicos da cidade. Convivi muito mais, nesse período, com minha querida e saudosa “tia” Lourdes do que com ele, porque ela era muito amiga de minha mãe e de minha mestra D. Marina. E passei a admirar seu... gênio sempre alegre, sua capacidade de resolver problemas com simplicidade e rapidez e seu espírito bastante evoluído, muito à frente das mulheres da época.
Aí fui estudar em Belo Horizonte, onde permaneci até o mês de dezembro de 1969, presente em nossas vidas o AI-5, um dos mais violentos instrumentos da opressão dos chamados “anos de chumbo”. Retornei a minha aldeia para iniciar a vida profissional, depois de lutar contra a ditadura durante toda minha passagem pela UFMG e sofrer na própria pele as consequências de meus atos. Enveredei-me pelos caminhos do magistério e da advocacia, mas meus sonhos não envelheciam. A luta continuava. E me liguei ao pessoal do MDB, do qual ele era um dos mais conceituados militantes. Participei de várias reuniões do partido, muitas delas na residência de meu querido “tio” Zeca Guimarães, e lá estava ele, sempre altivo, com aqueles inteligentíssimos e pequeninos olhos negros, medicinalmente trajado, sempre à disposição para as lutas pela redemocratização do país. E foi assim que nasceu uma grande amizade que, com o passar do inexorável tempo, só fez se aprofundar e tornar-se cada vez mais sincera, perdurando até seu encantamento. Sentíamos imenso prazer em nos encontrarmos em qualquer local, desde uma solenidade a uma festinha em casa de amigos. Como eu já tratava sua esposa por “tia” Lourdes, passei a tratá-lo por “tio” Aroldo.
Quando sua filha, Layce, dirigiu a Faculdade de Filosofia eu lecionava Política, no curso de Ciências Sociais. E em homenagem a ela fiz o roteiro e dirigi o I Show Fafil, apresentado uma única vez, no Clube Montes Claros, com o salão do quarto andar lotado. Sucesso estrondoso, com reiterados pedidos de reapresentações que, esnobemente, negávamos, argumentando que jamais conseguiríamos alcançar novamente aquele sucesso, que marcou profundamente a arte universitária de minha aldeia. Adorávamos deixar as pessoas na saudade daquele show, cujos artistas foram os próprios alunos da faculdade. Não fosse minha diretora filha de meu grande amigo, acho que eu não teria me empenhado tanto naquela empreitada. Layce me agradeceu de uma maneira tão carinhosa que jamais esquecerei seu gesto e suas palavras, ditas no palco, no encerramento da jornada.
Claro que eu gostava muito de Raimundo, de Aroldo (Cabaré) e de Henrique, mas dos filhos de “tio” Aroldo, meu grande amigo foi Roberto (Didu), que se tornou personagem de meu livro Estórias do Bala, num dos “causos” mais engraçados que já escrevi, que é a história dele com um dono de bar chamado “Pedro Babão”. Didu frequentava minha casa e uma vez me deu para ler um livro, prontinho, com seus poemas, para que eu fizesse a crítica. Foi uma das coisas mais lindas que já li em toda minha vida.
Pois é, meu querido “tio” Aroldo, nesse seu centenário, em que toda a cidade reverencia sua memória, quero que você receba mais um afetuoso abraço de seu eterno amigo Augustão Bala Doce. Abraço sincero, como sinceros foram tantos outros que já trocamos, dessa vez, com meu coração cheio de saudade de você, que merece de todos nós as mais efusivas homenagens, pelo tanto que você fez por nós e por nossa cidade em toda sua honrada e alegre travessia. Daqui de sua Bahia, saravá, baiano porreta, montes-clarense da gema! E que o dia 20 de fevereiro de 2012 fique eternamente marcado como o “Dia do Centenário de Aroldo da Costa Tourinho”.


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Por Augusto Vieira - 1/2/2012 10:03:41
UMA DÉCADA AO LADO DE MAURICINHO

Felipe Gabrich me pediu que escrevesse uma crônica sobre o tempo em que trabalhei na Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, com o Magnífico Reitor João Valle Maurício, para ilustrar uma publicação comemorativa do cinquentenário da instituição, que hoje é uma das mais conceituadas universidade do país.
Viajo no tempo para dizer que minha geração, nascida no pós-segunda guerra mundial, cresceu numa Montes Claros com pouco mais de vinte mil almas, sem um paralelepípedo sequer, onde todo mundo conhecia todo mundo. Os partidos políticos que se revezavam no poder eram PR e PSD. Maurícinho era do PR. Minha família do PSD. E fomos caminhando, juntos, construindo a cidade. A rivalidade entre as facções era intensa, mas respeitosa, com raras exceções. Poucos sectários, intransigentes, quebravam a harmonia social.
Quando terminei o antigo curso ginasial, na Escola Normal, ainda não havia o curso científico na cidade. Somente os jovens cujos pais podiam arcar com o pesado ônus de sustentá-los em centros urbanos mais desenvolvidos poderiam continuar os estudos. Em 1960 iniciamos, no Diretório dos Estudantes, sob a liderança de José Gama Dias, um movimento pela criação do curso científico e contamos com o apoio de dois grandes amigos do então governador Magalhães Pinto: Euler de Araújo Lafetá e Alcides Martins Loyola. O Governador veio a Montes Claros e eu fui o orador do palanque, na Praça Dr. Chaves, em nome dos estudantes.
Comecei meus estudos do científico no Colégio Santo Antônio, de Belo Horizonte. Logo depois foi instalado o curso em Montes Claros e eu tratei logo, prevendo inclusive uma estrondosa bomba no final do ano, de voltar para meu cantinho. E terminei o científico junto a colegas maravilhosos, que hoje despontam no culto cenário catrumano. E depois? O que faríamos? O mesmo problema anterior nos afligiu. Não havia cursos superiores na cidade. Fui embora para Belo Horizonte e fiz vestibulares. Não só eu, mas muitos moços e moças, em busca do saber.
Montes-clarenses, muito poucos, nascidos nos anos 20 e 30 do século próximo passado, de famílias abastadas, com raras exceções, já haviam concluído cursos superiores e exerciam suas profissões na cidade. E nós? O que fazer? Enfrentar a estrada sem asfalto ou as gostosas viagens pelos vagões da Central do Brasil, em memoráveis viagens. Fora de nosso rincão morávamos em repúblicas. Alguns pais até se mudaram ou passaram a ter duas residências para acompanhar os estudos dos filhos.
O que seria dessa geração? Ela sonhava, quase toda, em terminar os estudos superiores e voltar para o aconchego de sua aldeia. A gente sai de Montes Claros, mas Montes Claros nunca sai da gente. E foi essa turma, associada a antigos intelectuais da cidade, que deu os primeiros passos para a criação de nossa universidade. Mauricinho e Mário Ribeiro batalhavam para criar a Faculdade de Medicina. Izabel Rebello, Mary e Baby Figueiredo, Sônia Prates e outros por uma Faculdade de Filosofia. João Luiz de Almeida por uma Faculdade de Direito. E estes sonhos, com o decorrer do tempo, foram se tornando realidades.
Quando cheguei, em 1970, três faculdades já estavam autorizadas a funcionar, pelo Conselho Estadual de Educação e pelo MEC: medicina, direito e filosofia, esta última com vários cursos. Estavam lançadas as sementes. E o campo era fértil. Recém-casado, minha esposa, Heloísa Combat, era funcionária pública concursada, da Secretaria de Estado da Administração. Tínhamos doutorado, eu em direito público, ela em direito privado. Fui à residência de Mauricinho, na Dr. Santos e pedi a ele que estudasse a possibilidade de ela ficar à disposição da Fundação. Ele simplesmente me mandou datilografar o ofício solicitando ao governo. Pouco tempo depois a nomearia Diretora Executiva, cargo que exerceria até o último dia de seu mandato. Mauricinho e Heloísa montaram um embrião de Reitoria, num cômodo do lado esquerdo do Centro de Saúde, na Dr. Veloso, e ali iam administrando a futura universidade. Mauricinho pediu-me para ser seu assessor jurídico, sem remuneração. Aceitei o cargo orgulhosamente e exerci a função por mais de sete anos, ao mesmo tempo em que lecionava nas Faculdades de Direito (Teoria do Estado e Direito Constitucional), Filosofia (Política. no curso de Ciências Sociais) e Economia (Finanças Públicas).
O grande valor que vi naquele homem foi sua capacidade de superar o antigo ranço político e tratar com o mesmo senso de fraternidade e justiça, tanto os descendentes de seus correligionários, quanto os de seus adversários políticos. Ele, com espírito magnânimo, norteado por seu ideal de levar a educação superior aos norte-mineiros, tão carentes de cultura, agia com a maior imparcialidade, exaltando os méritos de todos, recrutando todos para a empreitada, sem qualquer discriminação. Sacrificava seus interesses pessoais pela instituição e, pelo que eu observava, gastava muito mais de seu próprio dinheiro do que a simbólica remuneração que seu cargo de Reitor passou a ter, depois de implantada a universidade. E ainda se preocupava com aqueles que não podiam pagar as mensalidades. Assessorei-o num Congresso de Reitores, em Manaus, e ele me ordenou que fizesse um projeto de financiamento dos cursos superiores aos estudantes carentes. Fiquei emocionado quando ele leu, na assembleia, o esboço de uma lei que redigi e que foi submetido à votação e aprovado unanimemente. E ele alardeava para todos que eu fora o autor, por ordem dele, do projeto da lei que instituiu o crédito educativo no Brasil.
Quando tudo se estruturou, quando todos começaram a receber salários, inclusive eu, surgiram o que chamamos vulgarmente de “olhos gordos” e começaram uma insidiosa campanha contra Mauricinho, até derrubá-lo do poder. Fiquei revoltado com isto. Ele se sacrificara anos a fio por um ideal e não poderia deixar o barco daquela maneira, premido por circunstâncias da baixa política. Liguei para Francelino Pereira, então Governador, e mencionei a injustiça, a ingratidão e a covardia que estavam fazendo com aquele grande cidadão. Francelino, político como ninguém, resolveu compor a situação para, depois, em recompensa, nomear Mauricinho para o cargo de Secretário de Estado da Saúde, que ele aceitou e exerceu, com o brilhantismo de sempre, nos últimos dois anos de seu governo. Ainda assim, aquela injustiça não parou de doer em mim.
O último ato de Mauricinho como Reitor da FUNM foi escolher-me, numa lista tríplice, para dirigir a Faculdade de Direito do Norte de Minas. Ele foi à minha casa e entregou-me pessoalmente o ofício. Só aceitei o cargo depois de uma votação de todos os alunos. Ganhei a eleição e dirigi nossa Fadir por três anos, muito mais em homenagem Mauricinho do que para engrandecer meu currículo. E só saí de lá para tornar-me Juiz de Direito.
Foi Mauricinho que conseguiu com o governo estadual e com o Bispo D. José a desapropriação do terreno do campus. Eu era advogado da Mitra e da FUNM e fiz todo o trabalho jurídico gratuitamente. Hoje passo de carro por aquele complexo universitário – levei meus filhos e netos para conhecê-lo – e sinto o maior orgulho da pequena contribuição que dei à cultura de minha querida aldeia.
Maurícinho cardiologista, poeta, escritor, seresteiro, fazendeiro, fabricante de cachaça da boa, marido de Milene, esposa maravilhosa, sempre solidária e amorosa, pai de Mânia, Nairzinha, Vitorinha e Liliane é, para mim, a estrela mais brilhante dessa constelação de cultura. Outros viriam e lançariam tijolos. Mas o pai da obra, a base de tudo, o alicerce, foi ele, com sua abnegação, seu idealismo e seu amor por Montes Claros.


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Por Augusto Vieira - 8/1/2012 21:13:22
A "CASA DE YVONNE SILVEIRA".
Catrumanos se dão bem em todo tipo de casa. Muitos comerciantes da terra batizaram seus pontos com essa palavra. Quem ainda não entrou na “Casa Alves”, na rua Quinze (Presidente Vargas) com Praça Dr. Carlos? A Faculdade de Direito do Norte de Minas foi batizada, por mim, quando seu Diretor, de “Casa de João Luiz de Almeida”. Casa era tão importante para os ingleses do início do sec. XIII, que eles cunharam o magnífico lema: “My home, my castle”. A Igreja sempre foi cognominada “Casa de Deus”. A umbanda consagrou até a “Casa de Mãe Joana”. Dizem que os chamados afro-descendentes estão pensando em exigir do Vaticano um regime de cotas, pois só há dois santos negros: Cidinha e Bené. Cidinha tornou-se padroeira do Brasil. Bené o patrono dos nossos catopês, marujos e caboclinhos. Casa é, pois, aconchego, lugar sagrado, recanto de amor, paz e carinho, cantinho de descanso e sossego, altar de cada um de nós. Ou, ainda, como diz o poeta Georginho Júnior, “lugar onde um tal Bala Doce faz sua literatura, sem terno, chatice e gravata, caracterizando um modo de ser de quem ama profundamente a liberdade”. Maluquice-beleza. Sim, poeta, maluquice-beleza, mas muito mais dos acadêmicos que, no final dos anos 70, tornaram-me titular da cadeira nº 34, da Academia Montes-clarense de Letras, como sucessor do grande José Correia Machado, na presença de Cyro dos Anjos, que veio do Rio de Janeiro testemunhar a loucura. Larguei a chatice e a formalidade da toga para continuar trilhando caminhos libertários. Mas é a toga desvestida que hoje me provê materialmente para que eu possa me expressar através de meus livros, pelo “Jornal de Notícias”, pelo “Mural” e pela internet, em várias redes. E me inspiro muito no mestre Oswaldo Antunes. E tenho a sorte de contar com Luís Carlos Novaes, nosso Peré, meu editor amigo, e com Paulinho Narciso, meu querido crítico literário. Vocês acreditam que o pessoal daqui de Belô está me chamando de “Vinicius mineiro”? Será pelo fato de eu ter, depois da magistratura, dedicado minha vida à literatura e a outros movimentos culturais? Ter abolido dela coisas tais como reuniões, paletós, gravatas, meias, cuecas e horários? É muita honra para um pobre marquês essa comparação!
Com uma menina de 94 anos que vive em minha aldeia é um pouco diferente. Nada de maluquice-beleza. Ela se dedicou, com muita seriedade, sem perder sua alegria e seu requintado senso de humor, a semear generosas sementes sem a ambição de colher frutos. É o protótipo da educadora. Uma lady. E como escreve gostoso! E como fala bem! Outro dia mesmo vi uma entrevista que ela deu a minha querida prima Felicidade Tupynambá, no Canal 20. Vi duas vezes, porque eles reprisam os programas. Coisa mais linda! Falou de nossa Academia. Ouvi-la ou ler o que ela escreve, são deleites para minh’alma. E me emociono quando ela se lembra de seu querido Olyntho, de cuja amizade sincera tive o prazer de desfrutar por longos anos. Os dois se tornariam muito grandiosos para uma só casa na Padre Augusto. Muita luz para lugar tão pequeno. A fulgurante estrela chamada Olyntho foi brilhar no firmamento, num recanto muito especial. E lá se encontra à espera da amada de sua vida, que nós não queremos deixar partir. Ele já deve estar se queixando da demora.
Essa amada de Olyntho é realmente uma mestra. Nossa mola mestra. Líder inconteste de todo um processo cultural que vem fazendo uma verdadeira revolução em nossas plagas. Dentre os acadêmicos – e tive o prazer de conviver com os mais antigos, desde Cândido Simões Canela, Arthur Jardim de Castro Gomes, Simeão Ribeiro Pires e João Valle Maurício – ela é a estrela mais brilhante e merece, como ninguém, ter seu nome como epíteto de nossa Academia que, na verdade, é a filha que ela e Olyntho não tiveram.
Que o nome dessa nossa musa atravesse gerações e seja sempre lembrado. Afinal, somos imortais, pelo menos no território de uma aldeia que nasceu entre montes tão claros e cuja grandeza se reflete neste nosso céu tão lindo.
Viva a “Casa de Yvonne Silveira”!


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Por Augusto Vieira - 3/1/2012 06:36:09
O MAGISTRADO E A BICHA CEARENSE

E lá foi ele para um congresso de magistrados no Ceará. Horas e horas de aeroportos e finalmente um voo num airbus que mais parecia um pau de arara voador. Orla com muito vento e hotel cinco estrelas o aguardavam na gostosa Fortaleza. Depois de encontrar vários conhecidos, inclusive da cidade, perguntou onde poderia se divertir. Três colegas cearenses se ofereceram para ciceroneá-lo e disseram que a melhor boate da cidade ficava numa rua próxima ao hotel. Combinaram que o pegariam por volta das dez horas.Chegaram os quatro e pegaram uma mesa de pista numa bela e espaçosa casa noturna, com música mecânica de alto nível, perfumada e aprazível. O local foi se enchendo de gente. Por volta da meia-noite ficou lotado. Vários casais de namorados, jovens, adultos e velhos, lindas moças e belos rapazes solteiros se paquerando e ele ali, à caça de sua presa. De repente flertou com uma morena deslumbrante, sentada sozinha numa mesa ao canto do local onde se encontrava. Ela correspondeu com um sorriso disfarçado. Não resistiu, levantou-se e abordou-a, convidando-a para dançar. Bailaram mais de meia hora até colarem seus rostos numa música romântica. Ela se chamava Irene. Convidou-a para a mesa onde estava com os colegas, o que ela aceitou de bom grado. Fez as apresentações de praxe. Ofereceu uma bebida à gata, que escolheu uma dose de uísque. Entusiasmado, pediu logo um litro de Chivas 12 anos. Ela merecia. Depois de umas quatro doses já se beijavam afetuosamente, daqueles beijos de língua que pareciam sugar seus órgãos inferiores para suas goelas. E os colegas ali, só observando, parecendo felizes ante tamanha sorte do visitante. Um deles até comentou com aquele sotaque típico:
— A gente que é daqui nunca encontra coisa linda assim. Os caras de fora mal chegam e logo tiram sorte grande.
E ele lá, orgulhoso, sentindo-se o maior casanova daqueles mares nunca dantes navegados, curtindo aquele monumento. Por volta das quatro horas da madrugada foi ao banheiro. Um rapaz que urinava a seu lado disse:
— O senhor sabe que está namorando uma bicha?
— Não é possível. Aquilo é mulher. Não é bicha, nada. Cê tá é querendo me enganar pra paquerá-la.
— Não, tô falando a verdade.
— Só acredito se ela mesma me disser.
Voltou à mesa e convidou Irene para dançar. Na pista, depois de vasculhar seu corpo sutilmente com as mãos e nada perceber, perguntou. Veio a revelação. Ela se disse surpresa pelo fato de ele não ter desconfiado. Na maior educação respondeu que respeitava sua opção, mas que não transava com homossexuais. Facultou-a permanecer na mesa. Ela topou e agradeceu a gentileza. Despediram-se, todos, quase o dia amanhecendo, na porta da boate. Não aceitou a carona dos colegas cearenses e entrou num táxi, com Irene, dizendo que a levaria em casa. Deixou-a na portaria de um prédio, num bairro bem distante do centro da cidade e, quase uma hora depois, chegou ao hotel. Tomou um bom banho. Não conseguiu dormir. Lá pelas dez horas da manhã, depois de um farto café, foi ao centro de convenções do hotel, onde se realizava a abertura do congresso. Ao entrar viu uma imensa faixa afixada sobre um majestoso quadro de avisos: JUIZ DE FORA SE APAIXONA POR BICHA CEARENSE.


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Por Augusto Vieira - 15/12/2011 10:29:08
CAUSAS DA VIOLÊNCIA

A onda violência que nos aflige jamais será abrandada se não atacarmos as causas do problema. Dói, e dói muito em minha alma, ler, ouvir e ver os lamentos de pessoas vítimas de crimes ou que tiveram familiares ou outros entes queridos em tal situação. Já me senti assim e pude avaliar o quanto isso é doloroso. No entanto, tinha consciência de que o crime, sobre ser lesão a um bem jurídico individual, é, antes de tudo, lesão à ordem, à paz e à harmonia social. Se o tratarmos apenas sob o enfoque individual jamais conseguiremos vencê-lo. Seremos, todos, sociologicamente falando, apenas seres vingativos. E sabemos que vingança, inclusive aquela do tipo em que legisladores despreparados aprovam leis draconianas, só gera mais violência.
A verdade é que, meus caros leitores, os corruptos criam, para enganar o povo, vários mitos. Um deles é o “mito da marginalidade”, que abordei em meu livro Judiciário Penal e Cidadania, editado pela Del Rey, em 1998. É mera justificativa à imensa corrupção que há no país e tem por pressuposto que todo cidadão é presumido criminoso, até prova de não o ser (inversão da garantia da presunção da inocência, prevista no inciso LVII do citado artigo 5º da CF). Esquecem-se os corifeus dessas teorias nazistas que o povo brasileiro, ao contrário do que pensam, é, em sua esmagadora maioria, trabalhador e honesto, vítima de um sistema econômico elitista, concentrador da riqueza social, que o obriga a sobreviver com salários que ferem a dignidade da pessoa humana, em franco descumprimento do disposto na cabeça do art. 170 de nossa Lei Maior.
Reduzir a idade para a responsabilização penal será apenas mais uma dessas leis draconianas. O maior problema do menor é o maior. Menor precisa é de boas escolas. É de ser tratado com bondade. É de sair das ruas. É de boa alimentação. É de assistência médica, odontológica e mental. Nossas cadeias já estão abarrotadas de jovens no esplendor da vida. Acaso reeducam alguém? Normalmente só os tem transformado em criminosos cada vez mais sofisticados e violentos.
Esses intelectuais “valentões” que desafiam “marginais” são por eles adorados, simplesmente porque fazem seu jogo, ou seja, dão-lhes justamente o que mais necessitam para tentarem justificar suas condutas antissociais: o desprezo do semelhante e da sociedade.
Cuidado, minha gente! O problema da criminalidade é de todos nós. E será somente com uma mudança radical nesta estrutura social extremamente injusta que nos asseguraremos uma vida mais tranquila e harmoniosa.


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Por Augusto Vieira - 5/12/2011 10:02:54
ALBERTO DEODATO

Houve um tempo em que mulher que estudava Direito era chamada de puta. O rompimento desse preconceito começou pouco antes de entrarmos na faculdade, o que se deu em 1964. Já havia várias nas séries subsequentes, mas foi nossa turma que encheu a “vetusta” de mulheres, então chamadas de sexo oposto. Que contrassenso! Onde se localiza essa oposição? E, por acaso, putas não podiam estudar Direito?
Havia uma estudante de mãe muito religiosa. Suas pernas eram as mais bonitas do pedaço. Coitada da moça, não tinha paz. Nós ficávamos na Biblioteca só para olhá-las por baixo das mesas. No Restaurante a mesma coisa. Quando subia a rampa, era uma festa. Amontoávamos no vão para tentar ver melhor aqueles monumentos.
A mãe procura, com a filha, o Diretor Alberto Deodato, para se queixar dos tarados.
— Professor, eu vou ter que tirar minha filha daqui. Ela não tem sossego. Até na sala de aula eles não tiram os olhos de suas pernas.
Deodato, que atendia na sala de nosso secretário, o Tancredinho, no andar térreo, dá uma girada na cadeira – a parede já estava descascada de tanto ele fazer isso – olha as pernas da moça e exclama:
— Eta meninada de bom gosto!!!
Restou à mãe aceitar a realidade e à donzela continuar a conviver conosco e a admitir nossos sedentos e voluptuosos olhares às suas lindas pernas.
Deodato era um grande contador de piadas. Estava no Conselho Federal de Educação e trazia, do Rio, as mais novas, quentinhas e contava para nós, na porta da faculdade. Fazíamos uma roda em volta dele só para ouvi-las e ali ficávamos horas, curtindo seu excelente papo. Certa feita disse:
— Olha, gente, não há mais uma virgem nesta escola.
Um colega, José Eduardo Carreira Alvim, cuja irmã, Maria Helena, também estudava conosco, retruca:
— Professor, minha irmã estuda aqui!
O mestre responde:
— Mas sua irmã sobe pelo elevador. Estou me referindo apenas às que sobem pela rampa.
Em 1966, batendo papo no saguão da faculdade, ele me ofereceu essa interessante definição:
— Broxura é quando a gente vê passando uma mulher lindíssima e gostosa e sente apenas imensa ternura.
Numa roda de colegas, um deles propôs a criação de randevus de homens para as mulheres, argumentando que nós, estudantes, quebrados, seríamos os putos e ganharíamos dinheiro para pagar nossos estudos. Deodato, no ato, lançou a instituição que batizou de “gigolato público”. E isto foi cantado em verso e prosa.
Quando Zezinho da Viola morreu, eu lhe dei a triste notícia e ele escreveu, em sua coluna do “Estado de Minas”, magnífica crônica em homenagem póstuma ao grande violeiro de Montes Claros, que ele conhecia muito bem e amava, desde os tempos em que fora Promotor de Justiça em Rio Pardo de Minas.
Deodato era assim: competente, alegre, satisfeito, amante da vida, apaixonado por D. Helena, pelos filhos e por nós, seus alunos, a quem sempre pedia para lhe fazer serenatas. E lhe fizemos várias, no casarão da rua Rio de Janeiro. Sorridente, considerava aquilo uma grande homenagem, abria as portas da sala, convidava-nos a entrar e nos servia um magnífico Vinho do Porto.
Figuraça esse mestre Alberto Deodato Maia Barreto! Sempre me lembro dele, com muita saudade.


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Por Augusto Vieira - 28/11/2011 11:15:42
Entristeceu-me receber aqui a notícia da viagem de Geraldino, meu querido Gera. Lembro de quando ele chegou, conquistou a todos nós e especialmente o amor de sua vida, D. Vanda. E acompanhei seu sucesso como empresário trabalhador e honesto. Ao ponto de receber um acréscimo a seu nome e passar a ser conhecido por Geraldino Boutique. Elegantíssimo, inteligente, pontificou como aluno de nossa Fadir. Com minhas filhas, menininhas, vestidas à caráter, desfilei na escola de samba que ele comandava, curtindo a alegria das duas pelas ruas da cidade. Gera fazia questão de participar de tudo quanto era bom para nossa aldeia. Ajudava todo mundo. Gostava de compartilhar as alegrias da vida com o semelhante. Descanse em paz, caro amigo.


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Por Augusto Vieira - 10/10/2011 02:10:07
Dois amigos no "Mala e Cuia".

Minha missa, neste segundo domingo de outubro do ano da graça de dois mil e onze, foi ver e ouvir, em nosso Canal 20, na telinha do monitor de meu computador, aqui em Belô, dois amigos de juventude, colegas do curso científico da Escola Normal, Luiz Giovanni Santa Rosa e Gélson Dias, no programa “Prosa e Cuia”. Giovanni, o entrevistador; Gélson, o entrevistado. Ambos falaram sobre uma figuraça de minha aldeia, de nosso querido “Cumpade” Nélson, irmão e pai adotivo de Gélson.
Giovanni, como responsável pelo programa, vem resgatando um pouco de nossa história, enfocando personalidades do passado que engrandeceram nossa terra. E “cumpade” Nélson, seja em sua barbearia, seja nas apresentações de seu “Conjunto Lord”, seja em seu lar, no convívio com a família e com os amigos, sem sombra de dúvida, foi uma das pessoas mais significativas com quem minha geração conviveu. E digo mais: ele, um irmão de sangue que Gélson considera pai, foi também para mim e Giovanni, que éramos colegas de estudo de seu filho-irmão-adotivo, um grande conselheiro. “Cumpade” me dava muitas broncas quando eu dizia besteiras e quando me enveredava por algum caminho tortuoso da vida. Bastava seu olhar severo para me avisar que elas viriam, educadas, mas objetivas e incisivas. E como me fizeram pensar! E como me ajudaram! Hoje me vem um sentimento de gratidão a uma pessoa que auxiliou o velho Nonô na difícil e árdua tarefa de criar aquele menino travesso, muitas vezes chamado de “impossível”.
Nonô gostava muito de Gélson e sempre me dizia, quando íamos para a fazenda:
– Duto, vê se Gélson pode ir com a gente.
E fizemos memoráveis caçadas no “Levantado”, na região do “Caititu”.
A barbearia ficava quase na esquina da Simeão Ribeiro com a Governador Valadares. Algumas passagens ali vividas, felizmente já mencionadas em meu livro de memórias, o “Balorizonte”, publicado em 1999, sempre são relembradas em nossas prosas sertanejas. Elas têm como personagens não apenas meu inesquecível “Cumpade” Nélson, mas também componentes da alegre turma que ali fazia ponto. E eu fui um deles, motivo pelo qual Gélson se tornou, com o decorrer do inexorável tempo, um de meus mais queridos amigos, de amizade nascida na rocha, indestrutível, que ainda cultivo com carinho e espero cultivar por mais muitos anos. Vocês não imaginam a emoção que senti na primeira vez que “Cumpade” Nélson cortou meu cabelo. Eu não merecia tanto.
Meu caro amigo GD, fui juiz na terra em que você e “Cumpade” nasceram, porque Joaíma integrava minha primeira Comarca, que tinha sede ali bem pertinho, em Jequitinhonha. Isto se deu de setembro de 1982 a dezembro de 1986, muitos anos depois de nossa amizade ter nascido em nossa amada Montes Claros, que também é sua, oficialmente e pelo coração. Você está parecendo um garoto, viu? Não envelhece. E está muito bonito. Cuidado com essa mulherada quente daí, lindos enfeites de nossas vidas, tá? Acho que você ainda joga futebol na lateral direita do Ateneu e pode voltar, tranquilamente, aos palcos da vida para representar personagens, como festejado ator de teatro que sempre foi.
Meu caro amigo Giô, parabéns pelo que você vem fazendo, no Mala e Cuia, por nossa cultura e nossa história. Você, tal qual GD, é um afetuoso capítulo do meu “Bala 60” e espero que o seja também dos livros que ainda virão, com a graça de Deus.
E parabéns a vocês dois por mostrarem às novas gerações quem foi Nélson Dias e por arrematarem o programa com o toque sublime do Bené, naquele saxofone que tanto acompanhou nossas danças com as donzelas vestais, especialmente na boate diurna da Praça de Esportes.
Um afetuoso abraçamigo, cheio de saudade, a vocês dois.


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Por Augusto Vieira - 27/9/2011 18:37:37
Maconha liberada em paredão de Minas

Quando a Rede Globo produziu o famoso seriado “Grande Sertão: Veredas” eu era Juiz de Direito na comarca de Pirapora, cidade gostosa à beira do São Chico. João Guimarães Rosa andara por toda a região, com seu caderninho, fazendo as anotações que o levariam a escrever o maior romance da língua portuguesa. Paredão era distrito de Buritizeiro, município que pertencia à minha Comarca. Lá havia um Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais. No final do ano era meu dever inspecioná-lo. E lá fui eu, feliz por conhecer aquele lugar tão famoso, citado na grande obra literária. Peguei o carro e tomei o rumo do Rio do Sono. Quase 90 quilômetros, em mais de duas horas de viagem em estrada de chão.
Ao chegar, a primeira coisa que fiz foi me dirigir às margens do rio e ver a praia e o famoso paredão. Emocionei-me ao conhecer pessoalmente aquele lugar tão lindo, bastante preservado, que era atração turística de um distrito com pouco mais de quinhentas almas. Depois fui visitar a sede, o casario, o sobrado tão usado nas filmagens e, finalmente, me dirigi ao cartório, que ficava num cômodo, anexo à residência do Oficial do Registro. O servidor era educadíssimo, versado no idioma, organizado e competente. Tudo estava em ordem. Finda a inspeção ele me ofereceu um café com pães de queijo, na cozinha de sua casa. Assinamos o termo da Corregedoria e nos dirigimos ao local. Fogão de lenha dos grandes, mesa grandona, de madeira roliça, fortes e confortáveis cadeiras, veio o delicioso café. E com ele o papo agradável. Perguntei ao servidor sobre o seriado e ele, então, me disse, orgulhosamente:
— A televisão arrumou este lugar todinho. Alugou várias casas para o pessoal da equipe e as reformou. Era muita gente. E usaram os daqui como figurantes. Alguns até alugaram suas casas e foram para as dos parentes, para ganharem um dinheirinho extra. E eles pagaram muito bem. O povoado ficou lindo. Toda noite era uma festa. Fiquei amicíssimo de “seu” Tarcísio e de Dona Bruna. Gostei muito também de “seu” Tone Ramos. Eles não saíam daqui de casa. De noitinha, depois do trabalho, vinham aqui para essa mesa tomar meu cafezinho e comer os biscoitos feitos por minha mulher, que é a biscoiteira mais famosa aqui da região. Contei a eles toda a nossa história. São artistas famosos, mas muito simples e sabem cativar os corações das pessoas. Tenho muita saudade dos três.
Já anoitecendo, despedi-me do Oficial e cumprimentei-o pela ordem de seu cartório. Ao passar por um descampado senti um forte cheiro de maconha. Fiquei com aquilo na cabeça e, no dia seguinte, resolvi descobrir o que era. Comentei com meus colegas de Fórum. Eles me disseram que mais de duzentas pessoas que trabalhavam na equipe do seriado ocuparam as casas do distrito. Muitas delas usavam maconha e aplicaram a erva a muitos nativos que, inclusive, plantaram sementes em seus quintais. Trocaram o cigarro convencional dizendo, inclusive, que faziam economia, pelo novo cigarrinho, que era feito com fumo caseiro. E ainda diziam que curava várias doenças, que os deixava tranquilos, com um tremendo apetite e com disposição para executarem suas tarefas diárias. Em Paredão não havia posto policial e o pessoal curtia sua maconhinha numa boa, sem que ninguém importunasse.
Não é, pois, sem motivo que Fernando Henrique Cardoso defende a descriminalização do uso da “cannabis sativa”. Lá em Paredão de Minas não havia necessidade de traficantes, porque os usuários colhiam a erva em seus próprios quintais e a consumiam abertamente, especialmente na linda praia, morena, às margens do caudaloso Rio do Sono. Coisa que só acontece neste nosso grande sertão.


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Por Augusto Vieira - 13/8/2011 09:15:33
TURMA DO PT109 - Ô seu Jarbas, pelamordedeus, vê se reconhece logo que sou pobre e tô precisando do cartucho pra ganhar uns dindins. Tiu Ariri, ao ministro Jarbas Passarinho, no Gabinete dele, pedindo o reconhecimento da Faculdade de Medicina do Norte de Minas. E eu lá, chefiando a delegação, morrendo de rir por dentro. Na volta, perto de Brasília, em Quirinópolis, o ônibus parou para a gente fazer um lanche e mexeram com a mulher de um cara. Ele sacou um 38. Saí do ônibus, entrei na frente da arma e expliquei que eram estudantes de medicina, que poderiam salvar a vida das pessoas e pedi mil desculpas, dizendo que era professor deles e que puniria rigorosamente o atrevido logo que chegasse a nosso destino. Entrei no ônibus e mandei todo mundo deitar no piso. Saímos esperando ouvir tiros que não vieram. Depois de uns dez minutos de estrada veio a comemoração: celebração da vida com muita pinga da boa. Nunca fiquei sabendo quem "cantou" a mulher do valentão. Três dias depois saiu o ato do Diário Oficial da União. Alugamos um caminhão e fizemos o maior desfile pela cidade, comemorando. Turma maravilhosa: Tiu Ariri, Aurelino Cachacinha, Ibsen Alcântara, Fernandinho e tantos outros, da embaixada que ficou conhecida por PT109, nome de um dos quartos de nosso alojamento em Brasília, onde a galera se reunia para as cantorias e os goles. Debaixo das camas uma multidão de garrafas vazias...


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Por Augusto Vieira - 21/6/2011 10:55:31
Marão

O lançamento de meu segundo livro, o volume II, das Estórias do Bala, em 1997, foi incluído na programação de uma Exposição Agropecuária, em Montes Claros, na data em que se comemorava mais um aniversário da cidade. O evento coincidiu com a visita de um montão de autoridades ao Parque João Alencar Athayde, o que esvaziou minha festa. Tanto que foram vendidos apenas vinte livros, a alguns parentes e amigos, gatos pingados. Não deu nem para as despesas da viagem. Minha sorte foi que o lançamento anterior, em Belo Horizonte, pagara a edição. Mas esse fracasso foi um dos momentos mais caros de minha vida. Passado o affaire político, já bem vazio o Parque, avistei uma pessoa que vinha caminhando, lentamente, em direção ao estande a mim reservado, parecendo bem doente, praticamente se arrastando nos próprios pés, com movimentos lentos nas pernas. Minha atenção se fixou exclusivamente naquele cidadão, alto, cabelos negros e abundantes, corpo ereto, elegante, vindo em minha direção. Não consegui mais dar atenção a qualquer outra coisa. De repente minha visão o alcançou e pude identificá-lo. Abri-me num imenso e feliz sorriso. Lá vinha meu amigo Mário Ribeiro da Silveira à minha festa. Só esse fato a justificou.
A primeira vez que o vi, eu ainda era menino. Ele e meu pai eram vereadores e, de vez em quando meu pai me levava às reuniões da Câmara Municipal de Montes Claros. Depois o conheci, pessoalmente, nos meus 13 anos – há mais de meio século, portanto –, em seu consultório médico, na rua Dr. Santos, numa das partes frontais da casa da mestra Fininha, sua dileta mãe, quando fui fazer um exame para nadar nas piscinas do Montes Claros Tênis Clube. Daí, então, nunca mais se afastou de minha vida a figura do “Doutor Mário”.
Um dia perguntei a Maria Jacy como foi que ela, de uma família rica, culta e tradicional de Pedra Azul (os Faria) havia conhecido o “Mário Comunista” de Montes Claros, então estudante de medicina em Belo Horizonte. Jacy me contou que o conhecera numa hora-dançante da Faculdade e que, sem que ela lhe desse, descobriu o número do telefone de sua casa. E ligava o dia inteiro. Incomodada, narrou à mãe o motivo daquelas insistentes chamadas telefônicas. A mãe a aconselhou a marcar um encontro e a dizer ao pretendente, com toda franqueza, que não queria nada com ele e a solicitar, educadamente, que parasse de telefonar. Jacy, que seguiu o conselho da mãe, arrematou:
— Bala, encontrei com Mário, na Álvares Cabral com João Pinheiro, conversamos por alguns minutos, e nunca mais consegui deixá-lo.
Minha querida Maria Jacy, o mesmo aconteceu comigo. Conheci Mário nos meus 13 anos e nunca mais consegui deixar de admirá-lo e de gostar dele. Imagino, pela intensidade da minha, a saudade que você sente dele.


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Por Augusto Vieira - 13/6/2011 15:43:22
As "Quebradas"

Sábado, de tardinha.
- Pai, dexôí, pelamordedeus, mãe, dexôí!
- Não, minino, vai dá trabalho pra eles.
Aí ele, pitando seu Continental, com aquele bigodão, aquela impecável camisa de linho, aquele vozeirão estrondoso e aquela vistosa e brilhante botina marrom dava o veredito:
- Que isso Nô, que isso Lena, o minino nunca nos deu trabalho. Nós gostamos muito dele. Dexeli que tomamos conta direitinho. Segunda, trago de volta.
E os velhos:
- Tá bom, pode ir.
Nesse momento meu coração quase saltava de meu peito juvenil, de tanta alegria pelos momentos felizes que, já sabia, viveria em mais um fim de semana, num dos lugares mais lindos do mundo, uma verdadeira ilha da fantasia, recanto de meus sonhos. E já começava a sentir o gosto das comidinhas deliciosas, dos doces de leite, de buriti, de casca de laranja e de goiaba. E o cheiro das águas doces do riacho a banharem meu corpo.
Entrava levitando na boleia do caminhãozinho Ford, com a carroceria carregada de mantimentos e de amigos que habitualmente pegavam carona. Ele era tão solidário que mandou fixar fortes tiras de madeira na carroceria, para que eles viajassem sentados. Eu gostava tanto dele que o chamava de “tio” e, quando acordava, dia nascendo, lhe pedia a benção. Viajávamos pouco tempo, parando muitas vezes à beira da estrada para deixar um caroneiro, para admirar a corrida de alguma perdiz ou codorna, para ouvir melhor o piar de uma zabelê, ou para sentir, mais de perto, alguma catinga de veado e ver se havia algum nas imediações – ele era um exímio caçador, com suas espingardas maravilhosas e seu imenso embornal bege, feito à mão. Motorista habilidosíssimo, conhecia todos os buracos do caminho. Subíamos a serra e percorríamos um planalto verdoengo. Eu descia, orgulhoso, para abrir as cancelas e “colchetes” e o fazia com o maior prazer. Aí, então, de um leve declive verdinho, quase sem árvores, cheio de vacas, bezerros, bois, cavalos, cabritos e bodes, descortinava-se aquele lindo casario, iluminado por um sol já cansado de tanto brilhar, pondo-se por detrás dos montes. Em frente à sede havia uma montanha em cujo cume se destacava uma cruz, misteriosa sepultura de um escravo que, para mim e para o primo Gaiola, ainda pairava por ali nas noites de lua cheia e vinha até os pés de nossas camas para curar nossas doenças. Escravo milagroso que, rezava a lenda, morrera num tronco ainda existente no imenso pátio, ao lado da misteriosa senzala, de tanto açoite.
Ela já nos esperava, com a comida quentinha e deliciosos quitutes, numa imensa mesa de madeira da sala. Confortáveis banhos preparavam nossos corpos para manjares de deuses. Satisfeitos, íamos à imensa varanda, às espreguiçadeiras, ver a lua surgir, esplêndida e soberana, no majestoso céu já estrelando. Eu me deliciava com os casos que ele me contava, especialmente os de suas caçadas. E com suas histórias de Pedro Malasartes. O sono vinha chegando devagarinho. Lá a gente literalmente apagava, porque não havia ruídos, a não serem os sutis, de pássaros noturnos. Tudo dormia. A natureza dormia. Com os primeiros raios de sol eu era despertado pelo agudo canto dos bem-te-vis e pelo mugido das vacas que estavam sendo ordenhadas no curral, para viver mais um domingo naquele paraíso que nunca me sai do pensamento, naquele lugar abençoado por Deus, naquela inesquecível e gostosa Fazenda Quebradas, de meu querido “tio” Pedro Veloso e de minha querida “Dindinha” Arynha.


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Por Augusto Vieira - 6/6/2011 23:55:35
A junta de bois.

Essa estória quem me passou foi Jackson Athayde, odontólogo em Montes Claros, filho do saudoso Wilson, companheiro de Nonô, meu pai, em muitas noitadas. Jackson também já fez sua viagem, prematuramente, para nossa imensa tristeza.
Zeferino, sitiante na beira do Rio Verde, tinha o maior ciúme de sua junta de bois. O compadre Juquita precisava arar uma terra e a pediu emprestada. Depois de muito relutar, Zeferino atende o amigo, mas recomenda:
— Óia, cumpade, cê tem o maió cuidado pruquê ês tão cumigo desde bizirrim e eu nunca imprestei pra alguém.
– Podexá, cumpade, vou tratá seus boi mió do qui trato muié e fio.
Começa o serviço. Arava à beira de uma grota, quando um dos bois escorrega, cai e quebra uma perna. Teve de executá-lo.
Como dizer o acontecido ao compadre?
Três dias depois, chega, macambúzio, ao sítio de Zeferino.
— Dia, cumpade.
— Dia.
— Óia, cumpade, nunca vi junta tão boa. Cê imagina qui gostei tanto deles qui vim propô comprá os boi pelo preço qui ocê pidi.
— Num tem preço. Nem todo ouro do mundo tira aquês boi di mim.
— Mas, cumpade, ocê num vai levá ês quando morrê.
— Se pudesse, levava.
— Põe preço, cumpade, eu pago.
— Já disse, num tem preço.
— Tá bão, vou falá logo a verdade. Nóis é muito amigo e eu tô triste. Um dês morreu onte. Iscorregô no grotão, quebrou uma perna e tive qui matá.
— Bão, cumpade, nesse causo os boi já têm preço...


67613
Por Augusto Vieira - 17/5/2011 04:22:41
SANTA IRMÃ BEATA
A pedido de Alberto Sena Batista

Final do século dezenove
Deus uma santa enviou,
À vilazinha holandesa.
Num janeiro, vinte e nove.
A criancinha chorou
Pro mundo ouvir a beleza.

Confirmada no batismo
Wilhelmina Luwen
Cresceu no bom catecismo
Das religiosas de Etten.

Caridosíssima freira,
A serviço do Senhor,
Procurou outra trincheira
Para expressar seu amor.

Viajora singrou mares
Para adorar a Jesus
Nos mais longínquos altares
Da Terra de Santa Cruz.

Ele entrou em Jerusalém
Num jumentinho montado.
E isto ela fez também
No seu caminho traçado.

Mil novecentos e doze
Primeiro de fevereiro
Humilde, sem qualquer pose,
Chega ao destino estrangeiro.

Jesus aos trinta e três.
E a holandezinha também.
E todos, de uma só vez,
Agradeceram: Amém!

Eram nortistas gerais
De uma Minas catrumana,
Tão longe da terra dos pais
Da religiosa tão humana.

Claros altaneiros montes
Da Princesinha do Norte
Seriam preciosas fontes
De um amor de mulher forte.

Semeou sua cultura
Àquela gente bondosa
Da forma mais bela e pura,
Da forma mais carinhosa.

No então único hospital
Que havia na cidade
Serviu de forma abissal
A Deus e à irmandade.

A incansável enfermeira
Do rebanho das pastoras
Tornou-se exímia parteira
De vidinhas promissoras.

Da santa casa de saúde
Cuidou por quatro decênios,
Até chegar ao ataúde
Para atravessar milênios.

Agosto, no oitavo dia,
Do ano cinquenta e dois
Do século em que chegaria
Esse anjo partiria. E depois?

Foram setenta e três anos
De vida laboriosa
A serviço dos humanos
Com uma fé grandiosa.

E hoje brilha no céu,
Já que a vida ninguém mata,
Essa estrela, com seu véu,
Essa santa Irmã Beata.


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Por Augusto Vieira - 15/5/2011 05:14:26
PIQUI E MUIÉ

Tudo começou numa postagem, no Facebook, de Maristela Mello Kosinski sobre mulher e cerveja. Aí eu perguntei: qual é mió, muié ou piqui? E foram surgindo espontaneamente interessantíssimas brincadeiras. Então resolvi sistematizá-las e editar. Os autores são Bala Brando, Emily Guimarães, Maristela Kosinski e Leonardo Ferreira da Silva. Usarei linguagem catrumana para expor. Espero que nossa turma da arte ilustre com uma mulher muito gostosa roendo um pequi carnudo. Quem sabe um pequi atômico? E aguardamos outras frases para se incorporarem à nossa relação.

1 – Piqui cê rói; muié cê lambe;
2 – Piqui tem castanha; muié castanhola;
3 – Piqui tem polpa; muié tem popa;
4 – Piqui tem ispinho; muié tem ispinha;
5 – Piqui dá na arvre; muié dá na cama;
6 – Piqui cê congela e disfruta anintirim; muié congela se ocê num disfrutá;
7 – Piqui cê cumpartia cus amigo; muié, não;
8 – Piqui cê come na vista dus ôtro; muié, não;
9 – Piqui tem muita receita pra cumê; muié num carece receita pra cumê;
10 – Piqui sempre é afrodisico; muié, nem sempre;
11 – Piqui deixa gosto; muié deixa disgosto;
12 – Piqui cê cuzinha pra cumê; muié cê come prela cuzinhá.
13 – Piqui cê põe sal pra cumê; muié cê come até as sem sal;
14 – Piqui cê come uma dúzia duma vêis; muié, se ocê cumê uma dúzia, morre;
15 – Piqui te dá energia quando cê come; muié te tira energia quando cê come;
16 – Piqui sempre fica na memória; muié, nem sempre;
17 – Piqui é bom até cumo tira-gosto; muié tira gosto quando é ruim;
18 – Piqui cê conserva; muié, nem sempre;
19 – Piqui é comido até pelos piriquito; muié é comida pelas piriquita e,
20 – Piqui é mió qui muié; mió qui piqui só muié.


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Por Augusto Vieira - 3/5/2011 19:15:41
Adeus, dona Syria

E lá se foi, aos 106 anos, encontrar com seu amado, que partira 28 anos antes - o competente e caridoso farmacêutico de Santa Luzia, Antônio de Castro Silva, mais conhecido por "Seu Castrinho" -, minha querida amiga Dona Syria Gonçalves Teixeira de Castro.
Partiu em plena lucidez, muito mais pelo peso das longas primaveras que, pelo menos aqui, não mais compartilhará com seus filhos Roberto, Márcio, Deínha e Maria Helena.
Uma vez um larápio invadiu a residência de Dona Syria. Ela o dissuadiu da intenção de furtar, deu-lhe dinheiro, comida e quase uma hora de bons conselhos, para que ele, um jovem, deixasse a senda do crime. E conseguiu convencê-lo. Quando ele se levantou para ir embora ela o acompanhou até o elevador.
O jovem indagou-lhe sobre a razão de tamanha gentileza:
— Eu vim aqui furtar da senhora, a senhora me dá dinheiro, me alimenta, me enche de bons conselhos e ainda me leva até o elevador?
Ao que Dona Syria respondeu:
— Meu jovem, resido aqui há mais de 40 anos e toda visita que vem aqui em casa eu levo até o elevador.
Assim era essa grande mulher, sempre alegre, cheirosa, elegante e culta, eterna mestra dos Luzienses. Roberto Elísio, seu filho, grande jornalista e colunista do "Hoje em Dia", dedicou-lhe uma crônica que encerrou assim:
“Agora, partiu. O Céu, certamente, abriu-lhe logo as portas. E bem à entrada, o marido que a esperava há quase 28 anos:
— Syria, você demorou muito a chegar, minha filha. Eu já não estava aguentando de tanta saudade. Sem você do meu lado, até o Céu era incompleto”.
Agora, para nós, sem Dona Syria, será a Terra é que estará incompleta.


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Por Augusto Vieira - 2/5/2011 01:02:19
MEU QUERIDO VOVÔ DONATO

Donato Alves Quintino, filho de Olympio Quintino, que quase foi padre, e de uma linda morena de olhos verdes, Carolina Alves Quintino, conhecida por “Calu”, foi criado na Fazenda das Quebradas, a uma légua de Montes Claros. Mudou-se para a cidade e estabeleceu-se no comércio de loterias. Jogou baralho, amigou na zona, bebeu e fumou. Um dia perdeu quase tudo que tinha no jogo. Jacyntha escorraçou a mulher da cidade, negou-se a assinar escrituras aos credores e foi à máquina de costura ajudar a pagar dívidas. Nunca mais jogou esse Donato. Bebida só moderadamente e, de vez em quando, com prazer, um cigarrinho, fazendo biquinho, com os lábios, para expelir a fumaça. Tornou-se pão-duro e, com os lucros da agência lotérica “A Preferida”, construiu prédio no centro da cidade e adquiriu outros imóveis. Tocava violão divinamente, compunha e fazia fundo musical dos filmes do cinema mudo. Vivia cercado de amigos. Até bem pouco antes de morrer, quando o visitava, me oferecia um “drink dreher” numa tacinha, pegava outra na qual eu lhe servia uma dose, pedia que eu lhe lesse a correspondência e as respostas – tornara-me seu secretário – que trazia e, depois, que portasse o pinho e lhe tocasse algumas músicas. Afinava o instrumento como ninguém. Tratávamo-nos por Zeb, apócope de Zebedeu. Foi meu padrinho de batismo, com vó Menininha. Sovina, num aniversário de tio Augusto Getúlio, deu-me uma nota de vinte, novinha. Estranhei, acostumado a ganhá-las apenas em ocasiões especiais e, surpreso, disse-lhe que não era o aniversariante, mas o tio xará. Ele, de imediato: — me devolve o dinheiro, menino! Já começara a sonhar com as balas e os picolés. Odiava futebol. Dizem que tio Carlyle veio estudar em Belo Horizonte e Zeb ligou o rádio e ouviu o locutor gritar: — gol de Carlyle! Mandou buscar o filho de volta, na suposição de que o famoso goleador do Atlético fosse o próprio. Quando inauguraram o Estádio João Rebello, do Ateneu, Zeb compareceu e foi aplaudido, de pé, por mais de cinco mil pessoas. Eu, menino, na arquibancada, senti o maior orgulho em ver como meu avô era querido. Os aficionados pelo esporte bretão devem ter pensado que, a partir daquele momento, Zeb mudaria de opinião. Que nada, essa foi a única vez que ele frequentou um estádio de futebol. Deve ter ido porque haviam dado o nome do estádio a um filho de um de seus maiores amigos, “seu” Jayme Rebello. Contaram-me que, já com as visões obnubiladas pela idade, sentados na porta de “A Preferida”, agência lotérica de Zeb, ele, Zé Luiz Barbosa e “seu” Mundinho Dias, batiam papo. Passaram duas mulheres gostosas e eles começaram a fazer fiu-fiu para elas, exclamando: — que bundas, que coxas, que seios! Eram as filhas de Zeb, Lena e Consuelo. Numa tarde de verão, Zeb estava no quintal, tomando banho de sol e alguém, da rua, quis derrubar um abacate. A pedra atingiu-lhe a cabeça e deu coágulo. Operou em Belo Horizonte. Inventamos que havia recebido sangue de um rapaz de dezoito anos, para animá-lo a recuperar-se. O velho sentiu-se moço e virou onça. Quis, vó Zizinha já falecida, até casar-se com uma empregada novinha que cuidava dele. A moça não aceitou a proposta e casou-se com um PM. Tio Geraldo, solteirão e comedor, apelidado Cabacinha, filho que residia com Zeb, quando ele chegou, restabelecido, dele se aproximou, carinhoso, ainda na rua, pedindo-lhe a benção. Zeb respondeu, nervoso: — que bença qual é o quê, corno! Cabacinha ficara em casa, durante toda sua doença, sozinho, com a moça. Senil ciúme doentio. Alguns dias depois Zeb pediu-me que o levasse a uma visita ao casal. Entrou no casebre, em bairro periférico, estando o soldado a limpar um revólver, e disse nervoso: — pois é, foi casar com soldado, tá morando, dormindo e comendo mal. Se tivesse casado comigo, estaria andando de Ford Galaxie. Corri, temeroso, para perto do marido e convenci-o a relevar o que ouvira, fundamentando minha tese em doutoral palavrório sobre arteriosclerose. Felizmente o homem compreendeu a senilidade de Zeb. Ele censurava meu pai pelo alcoolismo, cujos danos à vida bem conhecia. Quanto eu tinha dez anos, discutimos acaloradamente, porque, um dia, em nossa casa, ausente meu pai, ele o feriu moralmente. Deve ter-se arrependido do que dissera, porque na manhã seguinte apareceu sorridente, puxou conversa e fizemos as pazes. Meu pai, por sua vez, tinha algumas mágoas da família de Zeb que, com o tempo, se dissiparam. Quando nervoso, querendo chamar-nos de ignorantes, externando esses seus sentimentos, esbravejava: — Quintino! Queixava-se de que Zeb não o indenizara por um barracão e muro que fizera num terreno que lhe havia dado para construir casa, logo depois do casamento, e que lhe tomara para que nele residisse tia Babia, separada do marido. Queixava-se também de que ele lhe negara um aval. Hoje, só consigo me lembrar desse meu querido amigo Zeb, grande avô, com um apertozinho no coração, que quase me leva a chorar de tanta saudade.
Conheci alguns irmãos e irmãs de Zeb, meus queridos tios Job e Noé, e minhas queridas tias Generosa (Yayá), Bemvida e Flora. Tia Yayá eu dizia que era minha terceira mãe, porque a primeira era Nossa Senhora e a segunda minha mãe mesmo. Ela cercou-me de carinho em minha primeira infância e participou de quase todos os eventos importantes de minha vida, especialmente do primeiro casamento e das formaturas. Tia Bemvida tocava violão muito bem e com ela e tia Yayá aprendi os primeiros acordes de violão.
Convivi bastante com meus tios, filhos de Zeb. Eles são sete, pela ordem de nascimento: Geraldo (Cabacinha), Maria José (Babia), Consuelo (Yeyê), Carlyle (Lai), Graice (Dei), Luiz e Margarida (Margô). Deles, atualmente, só estão vivos minha mãe Maria Helena (Nininha ou Lena, com quase 86 anos), Graice (com 80 anos) e Luiz, também com mais de 80 anos, que se tornou fraterno amigo de meu pai e um dos maiores médicos que Montes Claros já conheceu. Devo a ele, pela amizade e carinho dedicados a meus pais, favores que dinheiro nenhum deste mundo pagará. Em todos os momentos aflitivos de nossas vidas ele sempre se fazia presente e uma vez salvou a vida de minha mãe, doando a ela seu precioso sangue, numa complicada cirurgia que quase a levou de nós.
Zeb e vó Zizinha (Jacyntha de Quadros Sá Quintino) foram pais extremosos e queridíssimos por todos os netos.


67346
Por Augusto Vieira - 25/4/2011 02:40:06
JÁDER DE OLIVEIRA

Faleceu, na quarta-feira, 20 de abril de 2011, aos 76 anos, depois de lutar por mais de quatro anos contra um câncer, um dos expoentes do jornalismo brasileiro e internacional, meu querido amigo Jáder de Oliveira. Mineiro da gema, apaixonado por Belo Horizonte, nasceu no dia 02 de dezembro de 1934. Impregnado de mineiridade, grande contador de “causos”, entendia de música como ninguém e poderia, tranquilamente, alcançar o mesmo sucesso de sua carreira jornalística se tentasse a de cantor. Sua voz era aveludada e afinadíssima. Esse seu amor à música certamente nasceu dos acordes de sua mãe ao bandolim. Jáder era também um apaixonado pelo rádio. Imitador de primeira qualidade, falando ou cantando, fazia com que a gente enxergasse os imitados em sua pessoa, dentre eles Orlando Silva e Cyro Monteiro. Sabia os nomes dos compositores e dos autores das letras de quase todas as músicas brasileiras. Pena que só lançou um livro. Tinha muito mais coisa para nos contar. Mas em compensação, o seu “No tempo mais que perfeito”, retrata magistralmente a Belo Horizonte dos anos 50.
Jáder começou no jornalismo muito jovem, aos 17 anos, no Diário de Minas. Foi redator da Rádio Inconfidência. Trabalhou na Rádio Guarani, na TV Itacolomy, no Diário da Tarde e no Estado de Minas. Serviu à BBC Brasil por 31 anos, antes de assumir o posto de correspondente da Globo News, função que acumulou com a de colaborador do Correio Brasiliense, da Rádio CBN e de muitos outros meios de comunicação. Na Inglaterra, onde viveu por mais de 40 anos, Jáder casou-se com a argentina Nelly, com quem teve dois filhos, Marcelo e Eddie. Junto a Nelly, esses seus dois filhos, aliados ao rádio e ao quintal de sua casa, em Cobham, no Condado de Surrey, nas imediações de Londres, foram suas grandes paixões.
Conheci-o em 1999, através de Roberto Elísio de Castro Silva e de José Bento Teixeira de Salles. Mostrei a ele meu livro de poesias, o Baladas, pedi-o para fazer a orelha e ele o levou para Cobham. Pouco tempo depois, em julho de 2001, me brindou com o texto que orna meu livro, editado pela Mandamentos e lançado no mesmo ano.
Em 2002, como era seu hábito, Jáder esteve aqui em Belô, de férias, e eu o homenageei em minha residência. Convidei o grande músico Marcelo Drummond. Vieram nossos amigos comuns, José Bento Teixeira de Salles, Roberto Elísio de Castro Silva, Fausto Mata Machado e José Ramos Filho. Foi uma das grandes noites de minha vida. Na verdade, nós é que fomos homenageados. Jáder cantou lindas músicas, ao microfone, acompanhado pelo saboroso toque de piano do Marcelo e, em algumas, por meus pobres acordes de violão. Guardo com o maior carinho uma foto de nós três nos apresentando a nossos amigos, num palco imaginário, cheio de amor e pureza d’alma.
A voz desse grande brasileiro, seja no rádio, na televisão, na sala de minha casa ou nas mesas dos bares da vida, jamais se apagará de nossas memórias. Sua alma generosa será sempre um exemplo de dignidade humana para todos nós, especialmente por nunca termos ouvido de seus lábios qualquer maledicência. A vida de Jáder foi uma imensa cachoeira de ética, inteligência e cultura. Cultura vastíssima, em todas as áreas, especialmente na literária, em que ele conhecia quase todos os autores dos livros mais importantes do Brasil e do mundo, antigos e modernos.
Adeus e até breve, grandioso Jáder de Oliveira. Guardo comigo o maior orgulho de ter sido um de seus amigos. Mais uma vez, muito obrigado pela orelha de meu livrinho de poemas. Que Deus o guarde eternamente num lugar muito especial, destinado aos homens honestos, puros e bondosos.


67204
Por Augusto Vieira - 11/4/2011 10:18:34
Bala Doce e o motoqueiro.

Se há neste mundo de meu Deus uma pessoa que defende os “motobois” (eles não constam de nossos dicionários e detesto usar palavras estrangeiras quando podemos ter a nossa, original), é o velho Bala. São cidadãos trabalhadores, ganhando o pão de cada dia, prestando relevantes serviços a todos nós. Dói-me o coração, e muito – sempre vejo a cena –, me deparar com algum deles caído no asfalto, ao lado de sua moto, na loucura de nosso trânsito, com algum ferimento grave. Os poderes públicos deveriam cuidar deles com mais carinho, destinando-lhes pistas especiais, pelo menos nas vias públicas de maior circulação de veículos. Nossos motobois, no entanto, se transformam, a cada dia, naqueles habilidosos artistas do barulhento “Globo da Morte”, que acostumei a ver nos circos, em minha juventude. E estão, como não poderia deixar de ser, cada vez mais tensos.
Num sábado, à tarde, eu me dirigia à Pampulha para a festa dos 90 anos do Desembargador Elisson Guimarães. Descia a Contorno para pegar a Tereza Cristina e o sinal fechou. Estava atrás de um carro, na pista do meio. Como a pista lateral esquerda estava desocupada, sem dar sinal, fiz, vagarosamente, uma pequena conversão e parei ao lado do carro que estava à minha frente. O tráfego não era intenso no local. De repente me aparece, do lado direito de meu carro, um motoboi me dando o maior esporro. Argumentei com ele que não precisava me xingar daquele jeito, que eu tinha 66 anos e que, no meu entender, não fizera nada errado. Ele, então, aumentou o tom de sua voz e me chamou de velho babaca. Pra quê! Consegui raciocinar um pouco e, fingindo estar encolerizado, retruquei:
— Olha aqui, seu filho da puta, eu sou Delegado de Polícia e vou mandar te prender agora.
O pobre moço arrancou, atravessou à frente dos carros enfileirados que esperavam o sinal abrir e, ao invés de entrar na Tereza Cristina, sumiu, na contramão, a toda velocidade, por uma via lateral.
Fica aqui, pois, este conselho aos motoristas idosos: quando forem desrespeitados, no trânsito, por uma besta fera que nem esse pobre rapaz, mintam para o infeliz, dizendo serem Delegados de Polícia. Parece que isso é uma das poucas coisas que muitos deles ainda estão respeitando. E, pelos menos os que passarem por isto, pensarão dez vezes antes de ofenderem alguém no trânsito.


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Por Augusto Vieira - 21/3/2011 20:18:58

“Ars longa, vita brevis.”

A TV da Assembléia Legislativa de Minas Gerais realizou um especial do programa “Memória”, com meu querido amigo Konstantin Cristoff. Aprendi a chamá-lo de “Konsta” e “Barão” – ele se parecia com um barão europeu – através de João Carlos Sobreira, quando batíamos longos papos, sentados em cadeiras da varanda da casa de “tia” Nazaré, mãe de João, na Dr. Veloso com Governador Valadares. Ele estudava arquitetura e entendia muito de arte. Eu, curioso capiau, pouco ou quase nada versado na matéria, sedento de aprender, ficava ouvindo atentamente suas palavras. E como ele conhecia a vida e a obra de Konstantin!
Anos depois eu trabalharia com Yedde, filha do grande Dr. Plínio Ribeiro, esposa do “Barão”, na reitoria da universidade e passaria a admirá-la pela vasta cultura, pela tranquilidade e pela bondade. Foi fácil ficar amigo dela porque eu já era fã incondicional de seu marido..
O especial da TV Assembleia emocionou-me. Deveria ser reproduzido em todas as faculdades do país, porque é uma verdadeira aula de história da arte, num linguajar simples, embalado pela sinceridade e pela pureza. “Barão” falou de sua grande amizade, desde a juventude, com Guignard e dos quatro autorretratos que esse grande artista pintou dele. Falou da influência da semana da arte moderna na sociedade de então, falou de sua vida pessoal e de seus vários momentos artísticos. Falou da influência que sobre ele exerceu Godofredo Guedes. Falou dos nus, do misticismo, dos quase-cartuns, das quase-pinturas e do Konstantin, artista pleno e maduro, que trocaria a arte de cuidar da saúde dos homens pela de retratar as pessoas e a vida, em telas. Telas, digo eu, que ficarão na História, para o bem das gerações porvindouras. “Barão” ainda dissertou ainda sobre política com “p” maiúsculo, exaltou a impactante arte contemporânea e fechou o programa dizendo da importância de Yedde em sua vida, numa linda declaração de amor.
Neste 21 de março de 2011, como diria o Rosa, ele “encantou”. Ouso dizer, no entanto que, pelo encanto de sua vida, sua partida foi um desencanto. Desencanto que se transformará numa fulgurosa estrela, lindíssima, que se instalará harmoniosamente num lugar muito especial do firmamento.
Muito obrigado, grandioso Konstantin, pelo que você fez por todos nós. Obrigado por sempre ter-nos embriagado do mais profundo orgulho de sermos montesclarinos. Como são pobres as palavras ante a magnitude de sua arte!


66725
Por Augusto Vieira - 8/3/2011 13:40:59
Minha homenagem às mulheres

"Pulchrum sane aurum, sed femina pulchrum auro"

Em meio a desfiles de escolas de samba e terremotos, não devo esquecer de homenagear as mulheres neste seu dia. Tanto no calendário internacional quanto nos nacionais há esse negócio de dia de alguém ou de alguma coisa. Nunca aceitei pacificamente a idéia. Por exemplo, em relação à mulher, seria mesmo necessário o estabelecimento de um dia dedicado a ela para os homens se lembrarem de que lhe devem todo o respeito do mundo?
Na verdade, a realidade é bem outra. O que se vê neste nosso mundão meio doido são mulheres violentadas, humilhadas, tratadas como objetos, independentemente da classe social a que pertencem. E a grande maioria delas se acomoda, não reage, não vai à luta, não protesta, para extirpar da sociedade preconceitos atávicos, herdados de uma milenar cultura machista que, infelizmente, muitas aceitam, até por conveniência, numa espécie de vingança tácita, silenciosa, como se fôssemos obrigados a pagar a imensa conta dos graves erros de nossos antepassados.
Da mesma forma que tenho imenso prazer em me sentar à mesa de um bar com meus amigos e bater grandes papos, tenho-o ao fazer o mesmo com minhas inúmeras amigas, só que ante elas o prazer adquire conotação especial pela presença da mais linda emanação de Deus. Quantas amigas maravilhosas tenho feito ao longo de minha vida! Quantas e quantas lutadoras, batalhadoras que, vencendo barreiras sociais quase intransponíveis, ao invés de aceitarem a humilhação, se afirmaram perante todos como seres humanos autônomos, provando não serem meros apêndices de pais, maridos, noivos, namorados ou companheiros? E continuaram amorosas, sem perderem a feminilidade.
É a essas amigas, pelo encanto que dão ao mundo e à minha vida, que desejo homenagear no Dia Internacional da Mulher. Não citarei nomes, mas saberão que pensei nelas quando escolhi a frase latina que citei acima, inspiradora desse breve texto: “por mais belo que seja o ouro, a mulher é mais bela.” A elas dedico também o seguinte poeminha:

Tu tens uterinidade
E te entranhaste em mim.
Carrego-te, de verdade,
Pela vida, até o fim.

Tu foste, primeiro lar,
O meu mais puro alimento.
Teu leite puro, a jorrar,
Meu mais sublime fermento.

Foste a menina faceira,
Comigo sempre a brincar,
Subindo na goiabeira
Pra ver o tempo passar.

Foste, ainda, a namorada,
Candura em plenitude,
Que me alegrou a jornada
Da saudosa juventude.

Depois foste a companheira
De minha maturidade,
A guardiã da trincheira
De minha felicidade.

E, ainda, em ti nasceu
O fruto de nosso amor,
Muito mais teu do que meu,
Porque parido na dor.

Paciente madroeira,
Envelheceste comigo.
Passaste tua vida inteira
Dando-me força e abrigo.

Meu dias foram os teus,
Sonhando te ver feliz,
Pedindo perdão a Deus
Pelo bem que não te fiz.


66702
Por Augusto Vieira - 7/3/2011 17:15:30
A resposta da natureza

Nabonosseu é um contrafilósofo nietzschiano que criei nas férias do verão de 2010. Montei até um blog sobre ele. Hermitão, vive pelo mundo, em companhia de um sapo chamado Zebedeu e de uma coruja chamada Turmalina, espalhando sua doutrina. Vejam o que ele disse, indagado por uma jovem, sobre os terremotos e outros abalos naturais:
"A ambição do homem, minha filha, é que causa tudo isso. Em busca das riquezas ele agride a natureza e ela responde impiedosamente. Veja esse imenso campo. Destruíram quase toda vegetação para plantar a soja. Os ventos tornaram-se, na falta de anteparos naturais, arrasadores. Já nas cidades, as contruções verticais, impedem que eles fluam normalmente e o ar torna-se seco, praticamente irrespirável, misturado aos gases que saem dos canos de descarga dos veículos. Tanta área para construir na horizontal, mas os donos da Terra preferem ganhar mais dinheiro com espigões, engaiolando pessoas que lhes pagam regiamente os investimentos, através de financiamentos cuja fonte é o próprio dinheiro do povo. Essas torres, dentro de pouco tempo, em relação à existência do universo, envelhecerão, como tudo que é edificado pelo homem, e certamente serão implodidas, por mais resistentes que sejam os materiais usados em suas estruturas. Por outro lado, os homens retiram muitas riquezas do subsolo, mas a Terra sempre responde. Qualquer vão criado pela atividade humana, aliado aos naturalmente existentes, tende a compactar-se, a acomodar-se. E quando isso acontece vêm os abalos sísmicos, os terremotos e os tsunamis. O que torna ainda mais catastróficos os tsunamis é que o gelo dos polos está derretendo devido ao aquecimento do planeta e isso aumenta o volume das águas dos mares. O mar é como uma imensa bacia. Qualquer alteração em suas extremidades provoca distúrbios na água que ela contém. Os "donos do progresso" contam com o apoio de "cientistas" regiamente pagos por eles, que procuram, doutoralmente, justificar a destruição de nossa casa. Já até disseram que o aquecimento da Terra é uma balela inventada por despreparados profetas do desespero. Aprenderam, nas universidades, a serem intelectualmente desonestos. Pensam de acordo com os interesses dos donos da riqueza. Inventam as mais estapafúrdias teorias. E ainda contam com o apoio da mídia, sustentada pelas propagandas das empresas desses ambiciosos que destroem a vida."
Assim falou Nabonosseu!


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Por Augusto Vieira - 28/2/2011 14:48:09
JoãoMaia

Companheiro da velha guarda, filho do grande Quinto Maia, conservou do pai aquele semblante sóbrio que, na verdade, enfeitou, por mais de setenta anos, um ser humano inteligente e brincalhão. Para vocês terem uma idéia contarei apenas um caso. Meu irmão caçula, Xandão, levou a esposa, Guida, renomada intelectual, para conhecer o restaurante de João Maia. Fizera tão entusiástica propaganda da farofa ali servida, que ela desejou conhecer a maneira como a guloseima era preparada. João Maia, ao saber disto, convidou-a à cozinha. Aproximaram-se de um panelão, com farofa já pronta. Enquanto ele dissecava as artimanhas utilizadas para se chegar àquele ponto de perfeição culinária, Guida pediu para dar uma experimentada. Xandão, prevendo o que poderia acontecer, antecipou-se à esposa e estendeu logo uma das mãos, onde João Maia depositou uma colherada. Na maior habilidade, como fazemos desde a infância em nosso Norte de Minas, arremessou, num único e hábil movimento, toda aquela porção em sua boca, sem nada desperdiçar. João Maia fez o mesmo. Guida, impressionadíssima com a perícia dos dois, quis imitá-los. A farofa foi depositada em uma de suas mãos. Ela, então, não conseguindo arremessar a porção à boca, elevou as duas mãos, em cunha, até os lábios e começou a lamber o conteúdo. João Maia, sério que nem o pai, lamentou:
— Xandão, pra que essa mulher sua estudou tanto? Não aprendeu nem a comer uma farofa?!?!
Esse catrumano, montes-clarense da gema, batizado João Álvaro Maia, que a vida acaba de nos roubar, fará muita falta à sua família, a nós, seus amigos e à nossa querida aldeia.


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Por Augusto Vieira - 21/2/2011 05:04:28
ARMANDO ATHAYDE

Armando Prates Athayde, filho caçula de “seu” Athaydinho e de D. Alda, irmão de Geraldo, Wilson, Maria Augusta, de minha tia Clarice (porque casada com o irmão de meu pai, meu tio Air), de Carlúcio e de Cássio foi uma das pessoas mais inteligentes e espirituosas que já conheci. Fui muito ligado ele, apenas uns cinco anos mais velho do que eu, devido à amizade que unia nossas famílias. Estudou no Grambery, um dos melhores colégios que já existiram em Minas Gerais. Eu gostava muito de D. Alda. Tanto que, menino, estava à beira de seu leito no momento em que ela se despedia de nós. Armando gostava muito de fazenda e passava grandes temporadas na de seu pai, a aconchegante “Vaca Brava”. Era, desde a juventude, devorador de livros. Sistemático, muito organizado, metódico, obstinado em conquistar objetivos, trazia dentro de si um coração extremamente generoso. Conversava com a gente com voz meio rouca e branda, segurando-nos fortemente com uma de suas mãos em um de nossos braços, e constantemente parando uma frase para usar, antes de dizer a seguinte, a clássica expressão “cê tá entendendo?”.
Eu gostava muito de papear com ele. Foi cliente de meu escritório, nos anos 70, do século próximo passado, quando advoguei em minha aldeia. Filosofávamos, desde sobre os grandes problemas de nosso então pequeno vasto mundo, ainda não tão tecnológico, até sobre o comportamento de uma formiga. Ele era um exímio observador da vida. Dominador de palavras, expressava-as, oralmente ou por escrito, com maestria. Sua caligrafia era bela.
Armando tornou-se, ainda jovem, abastado fazendeiro. Casou-se com Marlice Silva, gerou filhos e os criou com o maior carinho. Larissa, sua filha, hoje advogada em Montes Claros, foi brilhante aluna de meu filho, o Combat, na Universidade Federal de Uberlândia, o que me encheu de alegria.
A vida nos separou por muitos e muitos anos. De repente, eu já quase nos meus sessenta, começo a ler crônicas escritas por Armando nos jornais de minha aldeia. Até que, no dia 10 de março de 2004, ao ser assaltado em seu sítio, próximo à cidade, ele foi assassinado por dois menores, fato este que consternou toda a sociedade norte-mineira e que me entristeceu profundamente.
Pouco tempo depois fui a Montes Claros. Num sábado, com vários amigos, numa mesa do Restaurante Skema, comentei com eles sobre o infausto acontecimento e, depois, manifestei minha satisfação por ainda ter lido vários textos produzidos por Armando, publicados em nossos jornais. E perguntei aos presentes porque ele só começara a publicá-los tardiamente. Alguém me esclareceu, não me lembro mais quem:
– Bala, Armando era muito trabalhador, metódico. Ficou independente e com muita saúde com menos de meio século de vida. Fizeram-lhe essa mesma pergunta e você sabe o que ele respondeu?
– Não.
– Fiquei independente muito cedo, (cê tá entendendo?), sem precisar mais de dar duro para ganhar a vida (cê tá entendendo?). Comecei a observar alguns amigos que estavam na mesma situação (cê tá entendendo?). Alguns deles, na ociosidade, começaram a ter comportamentos estranhos e uns até passaram a entregar suas roscas ao próximo (cê tá entendendo?). Fiquei com medo e desandei a ler, a escrever e a publicar meus textos, com medo de que o ócio não criativo me levasse à simples cogitação de fazer o que aqueles poucos amigos, de minha geração, resolveram fazer (cê tá entendendo?) Deus me livre! Ócio é perigosíssimo!
Grande Armando Athayde! Montesclarense da gema, aquariano (09 de fevereiro, pertinho de Nonô, que era de 10), tragicamente roubado de nós, na plenitude de sua vida. Que Deus o guarde! Até breve, caro amigo! Cê tá entendendo?


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Por Augusto Vieira - 17/2/2011 02:41:32
DR. HERMES

Em minhas últimas férias levei o livro “Hermes de Paula – Passado e Presente”, organizado e escrito por Amelina Chaves, e o curti durante vinte dias. Prazerosos, todos eles, iluminados pela presença deste inesquecível montes-clarense em minha mente. Quem, em minha aldeia, não tem uma história dele pra contar?
Eu o conheci quando tinha sete anos, porque minha família se mudara da Varginha (sítio onde vivi toda minha primeira infância) para a cidade e meu pai alugou uma casa, vizinha à dele, que, me parece, ainda estava em construção, na Avenida Coronel Prates. E fiquei amigo Virgílio, seu filho, que me convidava para nadar na piscina. Naquele tempo, ter piscina em casa era um luxo. Eu vibrava com os convites e largava tudo para atendê-los. Esta sua casa, onde até hoje residem sua esposa, D. Fina, e sua filha Virgínia, era uma espécie de centro cultural da cidade. Os marujos e catopês ali iniciavam suas alegres caminhadas. As vitórias do Cassimiro de Abreu eram ali comemoradas. Dr. Hermes foi presidente do “Mais Querido”, certamente pelo fato de o time levar o nome de um parente de D. Fina. Depois ganhou um genro, Mauro, esposo de sua filha Valéria, que era festejado craque cassimirense. Quase todas as pessoas importantes que vinham à cidade ou se hospedavam em sua casa ou passavam por lá para visitá-lo.
Meu pai e ele eram amigos fraternos e depois que nos mudamos para o casarão da Presidente Vargas ele tornou-se assíduo frequentador de nossos serões noturnos, no passeio público, regados a cafezinhos, pães de queijo e biscoitos de fofão, emoldurados pelo lindo céu estrelado e pela beleza inigualável dos luares de Montes Claros. Sua grande obra literária, “Montes Claros, sua História, sua Gente e seus Costumes”, passou a ser uma espécie de bíblia lá de casa. Meus irmãos e eu sabíamos, de cor, várias partes do livro, especialmente as adivinhações e trovinhas, que recitávamos naqueles serões. Quando ele nos ouvia, na sua costumeira humildade, apenas esboçava um grato sorriso, certamente orgulhoso pelo fato de se ver lido e cantado, em verso e prosa, até pelos meninos da terra que adotou como sua e pela qual foi adotado como cidadão benemérito.
Quando resolveu construir o Pentáurea, chamou meu pai para visitar o terreno. Fui com eles, no carro de Nonô. Acho que Dr. Hermes não dirigia veículos, pois nunca o vi ao volante de um carro. Ele sempre pedia a meu pai para opinar sobre as coisas do Clube e eles iam lá, frequentemente, durante as obras. Eu, já grandinho, os acompanhava. Foi aí que passou a me chamar de Augustão, tratamento carinhoso que me dedicou até sua morte.
Depois que fui estudar em Belo Horizonte perdi um pouco o contato com ele. Mas a partir de 1970, trabalhando com Mauricinho na implantação da então Fundação Norte-Mineira de Ensino Superior, de cujo Conselho Diretor ele era membro, retomei essa saudável convivência. Ele, sob a batuta de Mauricinho, foi um dos esteios da construção de uma universidade que, hoje, nos orgulha a todos.
O conjunto de serestas que Dr. Hermes fundou e manteve até sua morte – e que ainda continua graças aos esforços de D. Fina –, ainda é um dos mais significativos cartões de visita de Montes Claros. Ganhou fama nacional e internacional. Coroava os grandes acontecimentos sociais e políticos com músicas nossas e de outros rincões, no estilo serenata, tocadas e cantadas pelos mais competentes artistas da terra. Esse seu conjunto fez com que a cidade se tornasse mais conhecida ainda por este nosso imenso Brasilzão afora. Eu ficava impressionado com sua energia e seu bom astral. Podia estar extenuado pelo exercício da profissão de médico, mas ainda encontrava forças para viajar, em finais de semana, para os mais distantes lugares, com a maior alegria, animando todo mundo com suas espirituosas brincadeiras. Nunca o ouvi proferir maledicências, nem o vi ofender alguém. Discutia calmamente as idéias, sem ferir pessoas. Um exemplo, para todos nós, de respeito à dignidade humana.
Dr. Hermes foi um dos maiores homens que conheci em minha vida. Um grande escritor e pesquisador, um competente cientista e médico, um extremoso amante da arte, um homem extremamente bondoso e um honrado cidadão que nunca deixava morrer a eterna criança que lhe habitava o ser.
Que Deus o guarde, grandioso Hermes Augusto de Paula, ao lado de João Walmor e de Virgílio!


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Por Augusto Vieira - 7/2/2011 07:44:59
NONÔ, MEU PAI CENTENÁRIO.

Na região conhecida por Violeiros, do município de Queluz de Minas, hoje Conselheiro Lafayette, no final do século XIX e início do XX, viveu um agricultor, pequeno proprietário rural, chamado Augusto José Vieira, casado com Maria Elisena Lelles Vieira, conhecida por “Menininha”. O casal teve vinte e um filhos, dez mulheres e onze homens. Os machos, desde infantes, trabalhavam para possibilitar estudo às fêmeas. Impossível tanta gente sobreviver apenas da labuta dos dois. O primogênito era José de Paula Vieira que, depois da morte do pai, substituiu-o na descendência e passou a ser chamado “vô Juquita”. Depois nasceu Augusto Getúlio que, rapazinho, foi ao mundo, tornou-se viajante, conheceu o Norte de Minas, gostou e abriu comércio. Sonhador, religioso, dinâmico, amigo de boas leituras, autoritário, ganhou dinheiro e, à medida que a sorte o bafejava, convidava irmãos e cunhados ao eldorado. Alguns, poucos, preferiram as origens. Outros, mais ambiciosos, cientes do sucesso do parente, aceitaram os sedutores convites e rumaram a Montes Claros, a “Princesa do Norte”. Norival, apelidado “Nonô”, o terceiro varão, nasceu no dia 10 de fevereiro de 1911. Menino, engraxava sapatos na estação ferroviária e, num burrinho, vendia leite e lenha na cidade. Moço bonito, alto e forte, de olhos verdes, covinhas e furinho no queixo, xodó das moças, inclusive de donzelas de famílias abastadas, era namorador. Roupa de domingo, dirigia-se, a cavalo, aos encontros, até que um dia, humilhado por rapaz rico, invejoso de suas conquistas, deu-lhe, desarmado, tremenda surra. Esse fato marcou-lhe a vida e o fez carregar certo complexo. Juntou cobres, montou vendinha e prosperou. Noivou sete vezes e não se casou. Gandaiava, bebia imoderadamente e, organismo propenso, tornou-se alcoólatra. Sabedor dos infortúnios do irmão, Augusto Getúlio o convida para sócio. Norival, esperando cura em mudança de vida, vende comercinho, por sete contos, a irmão Antônio, passa nos cobres pertences de menor valor e sai ao Norte, aonde chega em 1937, com 26 anos. Constituíram sociedade em comandita simples, com firma Vieira & Cia., na qual Augusto Getúlio era comanditado, e Norival, com capital integralizado de dez contos de reis, comanditário. Este tipo de sociedade comercial caracteriza-se pelo fato de ter o comanditado responsabilidade ilimitada e o comanditário só até o limite de sua cota. Segunda Guerra Mundial. Empresa a prosperar, vendendo de tudo, desde bugigangas a ouro, a ela chegavam outros parentes. Norival, muito ativo e com acentuado tino comercial, enriquecia-se. Comprava imóveis, namorava formosas moças casadoiras, andava de baratinha, frequentava cabarés, fazia amizade com políticos e influentes funcionários públicos. Tinha até mulher, por conta, na famosa e nacionalmente conhecida zona boêmia norte-mineira, onde se apresentava a dançarinha espanhola que inspirou Carlos Drummond de Andrade ao poema “Cabaré Mineiro”. Já com trinta e um anos, bateu olhos em normalista linda, de dezessete, que jogava vôlei, chamada Maria Helena que, menina, já se sentara em seu colo, velando namoro da irmã mais velha, Consuelo. A moçoila era a quarta, de oito filhos de Donato Alves Quintino e Jacyntha de Quadros Sá Quintino. No dia 16 de maio de 1944, ele, com trinta e três anos, e Maria Helena, com pouco mais de dezoito (nascera no dia 13 de agosto de 1925), em festa de arromba, casaram-se e viajaram, em lua-de-mel, para o Rio de Janeiro, pela Panair do Brasil. O casal teve três filhos: Augusto José, Carlos Guilherme e Marcus Alexandre. Crianças, Nonô os chamava de Dutim, Diemim e Xandim. Adolescentes e adultps de Duto, Di e Xande.
Nonô, antes riquíssimo, empobrecia, porque Vieira & Cia. entrara em crise, devido a um problema no mercado de tecidos e a uma malsinada parceria com banqueiros belo-horizontinos. O escritor e poeta Cândido Canela, Tabelião, disse-me que meu pai fora o homem que mais vendera propriedades para manter o nome limpo. Sua responsabilidade nos negócios era limitada ao capital que integralizara, mas não podia deixar o irmão mais velho na mão e o nome da família sujo. A ele, depois da bancarrota de Vieira & Cia., que, diga-se de passagem, cerrou portas sem falir ou dar prejuízo a quem quer que fosse, só restou a opção de residir numa chácara, chamada Varginha, distante. À época, uns cinco quilômetros do centro da cidade e ir acertando a vida. A Varginha é, hoje, um dos bairros maiores bairros de Montes Claros, chamado Vila Ipê. Sua casa principal ainda se encontra intacta, quase com a mesma arquitetura.
Nonô era alegre e brincalhão. Uma vez fiz um cocô durinho, amarelinho, em gomos simétricos e unidos, num dos cantos de um dos quartos da casa. Ele descobriu, pegou com uma das mãos e, às gargalhadas, exibiu a todos os presentes na casa, que estavam na copa, em volta de uma mesa redonda com tampo giratório, exclamando:
– Olha o cocô bonito que Dutim fez!
Nessa mesa ele fazia grandes pilhérias nas refeições. Convidados, não sabedores de que o tampo circular era móvel, levantavam-se de suas cadeiras para se servirem. Quando a pessoa dava a volta e chegava à frente da travessa do petisco que desejava servir-se, ele, despistadamente, com as mãos por baixo da madeira, girava o tampo da mesa, fazendo com que a travessa ficasse em frente à cadeira de onde o conviva se levantara. Dinda, tia de Maria Helena, era a que mais penava. A pobre velhinha ficava exausta de circular em volta da mesa, em busca de seus pratos prediletos. Demorou a descobrir. Durante a brincadeira sufocávamos nossas gargalhadas, que, depois, vinham homéricas. Depois que a tia descobriu, passou a trazer os alimentos até a frente de sua cadeira. Só que havia uma trava e, quando ela tentava fazê-lo, Nonô parava o tampo giratório. Compadre Toninho, vítima dessa brincadeira, saiu da sala de jantar apavorado, achando que era coisa do outro mundo e não quis mais saber de ali tomar refeições. Era servido por Maria Helena, na varanda.
Recordo-me de Nonô, completamente bêbado, chegando a casa, montado num burro chamado Soberbo, vestido com uma calça branca, rasgada numa das pernas, da cintura até a barra. Parou o animal no pátio, caiu da sela e, ali mesmo, começou a dormir e roncar. Todos, juntos, o carregamos até sua cama. Soberbo sabia ir e vir, sem guia, da Varginha à cidade. Nonô podia até dar-se ao luxo de dormir ou “apagar” na sela. Contam que uma vez ele entrou num bar, montado em Soberbo, foi ao balcão e, sem apear, pediu uma pinga, foi servido, pagou e deixou o local, todo feliz.
Em 1950 Nonô vendeu a Varginha para D. Quita Pereira, por seiscentos e cinquenta contos, e mudou-se para a cidade, para uma casa, alugada, na Av. Coronel Prates, que ele batizou de “Avenida de Nóis”.
Neste mesmo ano vim com ele a Belo Horizonte, mais de dezoito horas de viagem, em estrada de chão, num sedã Ford. Pousamos em Várzea da Palma, meio do caminho. Chegamos, pegamos hotel, nos arrumamos e saímos a andar. Nonô não desgrudava suas mãos grossas das minhas, ora a esquerda, ora a direita, certamente com medo de que eu me desgarrasse e sumisse no meio daquele formigueiro. Tiramos uma foto, em frente ao Campeão da Avenida. Estou com cara de besta, capiau mesmo, todo frajola, com sapato branco, de solado grosso e bico acinzentado. Ele, de terno preto, camisa branca, sem gravata, todo elegante.
Um prefeito, a quem, anos antes, em tempos de bonança, Nonô emprestara quinhentos contos, numa dificuldade de momento, seu grande amigo, Capitão Enéas Mineiro de Souza, arranjou-lhe obras para tocar. Ele passou a derrubar casas velhas – o espantoso progresso da cidade o exigia –, comercializando o madeirame e outros materiais. A situação econômica da família ia se estabilizando, com participação efetiva de Maria Helena, que se tornou exímia costureira de crianças, com seleta freguesia, para ajudar o marido. Nesta época lembro-me de Nonô, com os braços apoiados na janela da sala, que dava para a rua, fumando seu Continental, com barba por fazer, tomando chá de mastruz para curar uma úlcera duodenal, comendo arroz com jiló e ansioso por voltar à ativa. Pouco tempo antes ele, bêbado, capotara uma caminhonete velha, que caíra no leito de um rio. Chovia muito e não morrera por milagre. Conseguira quebrar o vidro do pára-brisa e saíra nadando, antes que afundasse com o carro.
Nonô entrou na política e elegeu-se vereador, por duas vezes, pelo PSD, praticamente sem fazer campanha, porque, vicentino caridoso, era muito querido na zona rural, urbana e boêmia. JK, seu amigo, era o Nonô de Diamantina, e ele o Nonô de Montes Claros. Ficou conhecida sua atitude de ter pego, nos braços, nos trilhos da estrada de ferro, um leproso que havia sido atropelado por um vagão. Internou o indigente num Hospital, às suas expensas e lhe deu toda a assistência. Naquele tempo o preconceito contra a hanseniase era muito intenso.
Um Prefeito o nomeou, temporariamente, Secretário da Educação e Saúde e ele, no discurso de posse, disse o seguinte:
– Educação, não tenho muita não, mas saúde tenho pra dar e vender. Vamos trabalhar pelo povo!
Ele tinha o maior orgulho em dizer que estudara na famosa Escola de Comércio, do Dr. João Luiz de Almeida, e que devia muito ao grande mestre pelo que ali aprendera.
Nonô comprou fazendinha, na Vargem Grande, onde passou a criar vacas holandesas mestiças e a comercializar leite. Sonhava transformá-la num celeiro de produção de alimentos. Tentou irrigá-la, por gravidade, furando poço tubular no alto de uma serra. Infelizmente não jorrou o precioso líquido. Construiu um campinho de peladas para nós, com duas traves, onde nos divertíamos a valer. Quando estava construindo o curral, queria fazer cercados individuais para ordenhar vacas. Não havia nenhuma nas proximidades. Ele, então, chamou uma sua irmã que nos visitava, tia Dila, gordona, de mais de cem quilos, que ali passeava, mandou que ficasse em pé, no local. Em seguida, fincou um pau de cada lado de sua bunda, tirou o alinhamento e disse aos operários:
– Podem meter cerca, onde esta minha irmã passa, passa uma vaca!
A Vargem Grande teve o mesmo destino da Varginha: virou bairro da cidade, com supermercados e tudo o mais.
Numa manhã íamos à missa da Matriz, meus irmãos e eu vestidos com terninhos brancos. Descíamos a Dr. Veloso, a pé, quando Walduck Wanderley, começando vida, subia num jipe sem capota, com vários rapazes, certamente voltando de uma farra. Amigo de Nonô, gritou:
– Aí, Nô, leva os meninos de dia pra missa que à noite eu levo pra zona!
Nonô deu aquele sorriso gostoso e Maria Helena se benzeu, também sorrindo.
Uma vez, às escondidas, tirei do bolso de sua calça uma nota de vinte cruzeiros. De vez em quando surrupiava dinheiro da gaveta da máquina de costura de Lena. Descobriram. Esperei surra. Nonô chamou-me a seu quarto, trancou a porta, mostrou-me a calça dependurada e disse:
– Tenho pouco dinheiro, mas quando você precisar pode pegar no bolso e me dizer depois quanto.
Nunca mais furtei.
Nas férias de fim de ano de 1956, Nonô resolveu passear com a família no circuito histórico de Minas Gerais, para nos proporcionar cultura e dar uma chegada até sua terra natal. Quando chegamos a Ouro Preto, perguntou a uma velhinha onde ficava o monumento a Tiradentes. Ela, surda, abriu um largo e bochechudo sorriso. Não tinha um dente na boca. Nonô, então, tirou sua dentadura, estendeu um dos braços, com ela segura pelos dedos, em direção à mulher e perguntou-a:
– Quer procê, fia?
A anciã arreganhou as bochechas de tanto rir e não aceitou o inusitado presente, que foi reposto a seu devido lugar.
Nonô prosperou e comprou outra fazenda, para engordar bois. Era no “Levantado”, na região de Burarama, hoje Capitão Enéias, e foi batizada por Maria Helena de “Fazenda Santa Mônica”. Adolescente, passando férias nesta fazenda, tive acalorada discussão com ele por não ter permitido que eu fosse a um forró, no Caititu. Amigos foram me buscar e ele não cedeu. Fui dormir emburrado. De madrugada chegou um baleado. Nonô pegou a caminhonete, pôs a vítima na carroceria e a trouxe a MOC, internando-a num hospital. Nem conhecia o infeliz, e ainda acordou médico, que lhe abriu a cabeça, não tendo ele resistido e morrido na mesa de cirurgia. Nonô pagou tudo. Depois, voltando para a fazenda, após o meio-dia, disse-me:
– Agora cê viu por que não te deixei ir... podia ser você... festa naquele lugar sempre tem tiro... não podia dizer isto na frente deles.
Quando fomos estudar em Belo Horizonte Nonô comprou um apartamento na Av. Caranday. Permanecia uns tempos em MOC e outros em Belô. Maria Helena ficava sempre conosco. Ele continuava fazendo seus negócios, batalhando nosso sustento. Preocupava-me sua solidão, que poderia levá-lo a beber desbragadamente. Lembro-me dele falando a um companheiro que fizera o mesmo para acompanhar os estudos dos filhos:
– Compadre, já que estamos à toa, vamos fazer um nigucin?
Era seu grande amigo Aleixo Pereira Lopes. Os dois, brincalhões, uma vez se sentaram no meio-fio da Avenida Afonso Pena, em horário de movimento intenso, em frente ao Café Pérola. Cortaram fumo de rolo, enrolaram compridos cigarros de palha, que fumaram, enquanto simulavam estar negociando boiada, para espanto dos metropolitanos transeuntes, que paravam ante rurícola e cômica cena, em pleno coração de Belo Horizonte.
Nessas idas e vindas Nonô começou a permanecer longos períodos conosco, acompanhando nossos estudos e proporcionando-nos inesquecíveis momentos de alegria, em passeios de finais de semana, especialmente nas fazendas de “vô” Juquita, de Tio Chiquinho (esposo de sua irmã, Tia Maria) e de Tia Dila, nas proximidades de Lafayette. Ensinou os três filhos a dirigir. Punha-nos ao volante e ficava ao lado, observando nosso desempenho e, ansiosamente, advertindo-nos nas barbeiragens. Ele acompanhou todos os nossos exames de motorista, no DETRAN. Seu carro predileto passou a ser o Itamaraty, que anualmente trocava na CISA, diretamente com o dono da empresa, seu amigo, dizendo que a melhor marca de carro era “novo”. Depois que tirei carteira fizemos várias viagens, só nós dois. Já fumava em sua presença e nossos papos eram ótimos.
Tia Dila doara uns terrenos aos Padres do Trabalho, em Lafayette. Lá fomos nós ao banquete. Nonô e eu enchemos a cara de vinho. Bebemos tanto que a solução foi Carlinhos, o “Tiboy”, seu sobrinho, voltar dirigindo o carro, madrugada a dentro e cerração brava. Chegamos, despedimo-nos do querido parente e, quando já íamos subir as escadas, para o segundo andar ele não conseguiu galgar os degraus. Voltou à rua, quase correndo, foi ao canteiro central, abaixou as calças e soltou o barro ali mesmo. Manhã, cedinho, estava na janela, rindo de um cachorro, que cheirava o que despejara no canteiro. Chamou-me para ver. Maria Helena, ao lado, de cara fechada. Doravante teria que aguentar as cachaçadas do marido e do filho mais velho...
Na Faculdade de Direito, em 1965, ficamos entrincheirados dois dias, após uma manifestação pública. Tomamos conta do prédio e da cantina, onde fazíamos nossa comida. A polícia tentou invadir e não permitimos. Um batalhão da policia militar e vários policiais civis ficaram nas imediações, esperando nossa rendição. Mas resistimos. Mandamos mensagem a eles no sentido de que só sairíamos quando não houvesse nenhum policial nas ruas. Capitularam e saímos, pela madrugada, unidos, grandiosos, vitoriosos e tranquilos. Esse fato teve repercussão nacional, apesar da censura à imprensa. Mostramos ao Brasil que era possível lutar contra a prepotência e o arbítrio. Nonô tornou-se muito querido por meus colegas por ter furado o cerco policial, levado a nós vários maços de cigarro, que jogou pelo vão de um vidro que se partira, e por ter dito a mim:
– Só saia com a turma!
Depois disso, quando nos reuníamos, muitos me perguntavam como estava “seu” Nonô?
Xande, meu irmão caçula, ainda secundarista, foi para a guerrilha. Recordo-me de Nonô, debruçado na janela de seu quarto, chorando copiosamente, com saudade do filho. Ele me dava dinheiro para mandar para o filho através dos colegas-pontes entre os militantes da Ação Popular, da cidade e do campo.
Guilhermão, meu outro irmão, foi estudar em Lisboa e Nonô e Maria Helena o visitaram. Alugaram carro e, com ele, rodaram quase toda a Europa. Contaram-me que Nonô, cansado de não entender o que os gringos diziam, gritou, numa praça em Frankfurt:
– Não tem nem um fi duma égua aqui pra conversar comigo, não?
Apareceram dois brasileiros, que lhe ofereceram feijoada e ele ainda trouxe um certificado de cadastro do INCRA de um deles, para regularizar a declaração de umas terras que o conterrâneo deixara no Brasil.
Minha relação com Nonô era muito carinhosa, desde a meninice. Quando ele e Lena chegaram da viagem, no Aeroporto da Pampulha, trocamos beijos e um rapaz, que estava ao lado, estranhou nosso afeto. Só perguntei a ele:
– Ô, bicho, você também não beija seu pai?
Em 1970, Nonô fez cirurgia cardiovascular, com Dr. Adib Jatene, no Hospital da Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Pegou uma infecção no soro, que lhe atacou o já debilitado fígado. Ainda viveria sete anos. Éramos confidentes e ele me revelava suas angústias e preocupações. Eu também muito triste nesta época a ele revelava as minhas. Foi obrigado a residir em Belô por um ano, onde era assistido pelos cardiologistas Mário Carlos Chagas Gomes (Cacau, craque do futebol de salão e meu amigo desde os tempos do Colégio Santo Antônio), Vieira de Mendonça e Marcílio Stortini, este último seu mais afetuoso médico, desde as primeiras crises de angina. Alguns anos antes de ser operado, Nonô brincava com Juquinha Pimenta, dizendo que se viesse a morrer de alguma doença, queria uma que tivesse nome bonito como strongiloides stercoralis e angina pectoris.
Em 1975, Nonô compareceu à formatura de Xandão, em Belô e, emocionado, disse:
– Agora posso ir, realizei meu sonho. Formei meus três filhos.
Contra minha vontade, ele e Maria Helena dividiram os bens, em vida. Cada um de nós ganhou valioso imóvel. Deitado em seu braço, chorando e pedindo-lhe que me perdoasse pelos sofrimentos que lhe causara durante a vida, disse-me:
– Cuide da parte jurídica. Sei que estou partindo e sua mãe tem temperamento muito difícil. Não pode ficar dependendo de ninguém.
Até na hora da morte manteve a alegria esse Nonô. Quando me viu, disse:
– Duto, já me despacharam, mas eu tô indo contrariado. Isto aqui é bom demais.
Aproximei-me do leito, levantei-lhe a cabeça com uma das mãos e sussurrei-lhe ao ouvido:
– Vá, em paz, você foi muito bom.
Chamou pelo irmão Moacir e por vó Zizinha, mãe de Maria Helena. Foram suas últimas palavras. Em seguida, dado o último suspiro, beijei-lhe a face e, chorando, cerrei-lhe os olhos verdes. Saí, com Xandão, andando pela “Avenida de Nóis”, em caminhada nunca feita antes, sem destino e tempo, nós que tantas outras havíamos feito juntos, por tantos outros motivos.
Nonô era tão popular que tivemos que levar seu corpo para uma Igreja. Lá ficamos, Lena e nós três, enfileirados, sentados em cadeiras colocadas em frente ao altar, o caixão logo abaixo, onde desfilavam amigos que nos consolavam. De repente, recebo um tapa nas costas. Era Santim Amorim que, olhando o corpo de Nonô, me abraça e diz:
– Eta defuntão grande e corado! Vai ser duro levar essa fera pru jazego! A viúva tá ali, chorando, de óculos escuro. Tá inteira ainda. Se num abri o olho, logo, logo, vai ter nego assoviando no banheiro dele.
Saí para não rir em frente ao corpo e fui à sacristia com Santim e Telé, onde encontrei Padre Dudu aos prantos pela perda de seu grande amigo e compadre. Choramos todos. Depois de meia-hora de bons papos, Telé disse:
– Bala, vamos lá no altar ver como é que seu pai tá passando?
O enterro de Nonô, em 07 de julho de 1976, foi um dos mais movimentados que já vi. O cemitério encheu de gente. Como tinha amigos esse meu velho pai! Vi vários pobres chorando copiosamente à beira de seu caixão, agradecendo publicamente ajudas que dele recebera.
Nonô recebeu duas grandes homenagens póstumas. O legislativo de Montes Claros deu seu nome a uma avenida da cidade de Montes Claros e o maestro Armênio Graça Filho dedicou-lhe belíssima crônica
E aqui encerro esta homenagem a meu pai, no seu centenário, dizendo a ele as seguintes palavras: pai, você sempre esteve e estará vivo em mim, pelo amor e pelo carinho que me dedicou durante toda sua vida. Te amo!


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Por Augusto Vieira - 7/1/2011 09:52:01
NATAL E ANO NOVO EM MINHA ALDEIA

22 de dezembro de 2010, quarta-feira. Depois do almoço, em Belô, Célia e eu pegamos estrada. A obra da reforma da rodovia estava quase finda. Só umas três pontes em fase de acabamento, perto de Curvelo e Bocaiúva. Piso liso, mais de cem quilômetros de pista dupla no início da viagem e, portanto, pé no acelerador, sem medo de ser feliz. Fizemos uma só parada, ao entardecer, em Augusto de Lima, para saborear uns biscoitos fritos. Quatrocentos e vinte quilômetros em cinco horas e meia. Antes de irmos a nosso apartamento, passamos pelo Café Galo para dar um alozinho à turma. De lá, ao Skema, onde entregamos uma grande e bela bandeira a Zé Maria, para enfeitar o local onde seria realizado, dia seguinte, o primeiro Natal Pequistanês. Depois passamos numa imensa padaria da Mestra Fininha, compramos alguns produtos indispensáveis a saborosos lanches e rumamos para nossa rua, que homenageia Olímpio Guedes (irmão de Godofredo Guedes), no Morada do Sol. A temperatura baixou uns três graus. Não conseguimos disfarçar nossa alegria ao entrar na garagem de nosso bonito prédio, enfeitado pela majestosa serra, que transmite aprazível ar rurícola ao local. Depois de ajudar Célia a arrumar os teréns, tirei logo o violão do armário e de sua capa, liguei o piano digital e, sentado no sofá da sala, toquei e cantei umas modinhas pra ela. Célia literalmente apagou. Lá é bom demais pra dormir. Quase não há ruídos. Se os houver, serão formosos cantos de pássaros. A gente dorme e acorda naturalmente, conforme a necessidade do organismo. Beleza pura!
No dia 23, quinta-feira, acordei por volta das oito horas da manhã, fui visitar minha mãe e levar a ela nosso presente de natal, um perfume francês. Combinei com ela que faríamos uma ceia lá em casa. Liguei pra Marcelo Athayde e encomendei os pratos. Depois fui ao Café Galo matar a saudade de vários amigos e tomar aquele café com leite com deliciosos pasteizinhos de carne moída, que só montes-clarenses sabem fazer. Encontrei com a prima Márcia Vieira e fomos almoçar no Automóvel Clube, aquela comida deliciosa da família de meu queridíssimo amigo e mestre Zim Bolão, vulgo João da Silva Prates. Lá tive o prazer de rever nosso ex-Prefeito e ex-Deputado Federal, o grande médico Moacir Lopes, e Dirceu Pereira, com quem batemos longo papo. Quando retornei, por volta das duas da tarde, Célia estava acordando e preferiu comer uma lasanha, que esquentou no micro-ondas. Depois de uma boa dormida, logo que anoiteceu cheguei ao Restaurante Esquema, onde uma boa turma do grupo da república já se encontrava para nossa festa. Célia não foi porque faltou água no prédio, devido a um probleminha na caixa-d’água, que nosso zeloso síndico já resolvera, mas não dera tempo de encher os três reservatórios, que não haviam sido interligados por um fdp que trabalhara na obra. Era aniversário de Vanessa, esposa de Rodrigo Braz e filha de meus compadres Haroldinho e Ângela. Estavam comemorando ao lado do prédio, no Clube Sirius.
A festa pequistanesa foi maravilhosa. Contei cinquenta e duas pessoas. Tão boa quanto a de Belô, que se realizara uma semana antes. Tive o prazer de conhecer pessoalmente muitos cidadãos de nossa república, especialmente um dos três mosqueteiros, o Rogério Borges, com a esposa e um de seus filhos, um garoto inteligentíssimo. Todos fizeram questão de bater fotos, emolduradas por nossa linda bandeira. Elas já estão publicadas em nossa página do Facebook. Zé Maria serviu um arroz com pequi e carne de sol supimpa. Saí por volta de uma hora da madrugada e ainda tentei pegar a festa do aniversário de Vanessa. Infelizmente não consegui chegar a tempo. Mas, da janela de meu apartamento, tive o prazer de falar com meu compadre Haroldo Veloso, pai da aniversariante, que ainda se encontrava no clube que ele construiu, com o mesmo carinho com que dirigiu a obra de nosso prédio.
Acordei feliz na sexta-feira, 24 de dezembro, véspera do Natal. Visitei minha mãe e depois, no Café Galo, participei do sorteio de duas cestas de natal, que meu querido amigo Gil Pereira realiza todos os anos. Saí, peguei almoço no Esquema e, por volta das seis horas da tarde, liguei a minha mãe, para trazê-la para nossa ceia, conforme havíamos combinado. Ela simplesmente me disse que não viria, porque estava indisposta. Desejei a ela um feliz natal e fiquei em casa, com Célia, onde recebemos e demos inúmeros telefonemas a vários amigos, ouvimos ótimas músicas e saboreamos a deliciosa ceia, um pouco tristonhos, é claro, pela ausência da grande homenageada daquela noite de Natal.
Descansamos, como nunca, no sábado e no domingo.
Na segunda-feira, 27 de dezembro, resolvemos instalar um ar condicionado em nosso quarto de dormir, ventiladores nos outros dois quartos, pontos de TV a cabo e internet, e comprar umas telas para enfeitar nossa sala de visitas. Ficamos felizes com o sucesso dessas empreitadas. Tudo deu certo e, já na véspera do Ano Novo, dormimos no maior conforto, felizes por vermos em nossas paredes uma tela de Afonso Teixeira (catopê) e três (pinturas rupestres) de minha querida prima Márcia Prates, cujos ateliers visitamos. No de Afonso Teixeira fui com Tico Lopes e tive o prazer de conhecer pessoalmente o mosqueteiro pequistanês Armando Barros, que me brindou com belas músicas ao saxofone. O cara é “bão dimuais”.
Na quarta-feira, 29 de dezembro, tivemos uma bela noitada na casa de Rogério Borges. O cardápio foi uma deliciosa paçoca, feita pela esposa dele, e um arroz com pequi e carne de sol, feito pelo próprio Rogério. Tico Lopes presente. Ouvimos dois filhos de Rogério tocar lindas canções ao violão. Também lá, conosco, o pequistanês Carlos José Leal e esposa. Figuraça esse Carlos! Que educação! E que astral maravilhoso! Tico e eu resolvemos agradecer aos filhos de Rogério, tocando várias músicas de nosso tempo, recitando poemas e contando alguns “causos”. Que bela família! Pais e filhos parecem mais amigos fraternos. Que carinho uns com os outros! Bateu saudade de meu querido Ewany Borges, tão carinhoso quanto.
Na sexta-feira, 31 de dezembro, visitamos minha mãe e ela resolveu sair conosco para um passeio pela cidade e para um barzinho. Fomos ao Esquema e ali, numa mesa repleta de amigos, minha velha bebeu duas doses de uísque e teve a alegria de rever filhos e netos de várias pessoas a ela ligadas. Depois a levamos à sua casa, desejamos-lhe um feliz ano novo e fomos nos preparar para virar o ano na casa de D. Aparecida Carvalho, a convite de meu compadre Haroldo Veloso.
Belíssima virada de ano. Rezamos um terço, com D. Aparecida ajoelhada perante um lindo altar caseiro, todo o tempo, comandando a oração. Depois do foguetório e das confraternizações saboreamos uma deliciosa ceia. Tomei várias doses de uísque com meu compadre e ficamos, na sala, a bater maravilhosos papos até a madrugada. Célia adorou D. Aparecida. Ela a convidou para um cruzeiro. Contou suas viagens internacionais, sem saber que Célia morre de medo de navegar e que enjoa facilmente no mar. Quando a estava quase convencendo a viajar, narrou que, no último cruzeiro que fizera, a sogra de um de seus filhos, Juninho, falecera no navio, e que uma outra amiga caíra da cama durante uma tempestade em alto-mar. Haroldo e eu, sabedores do medo de Célia, quase morremos de rir. Quando D. Aparecida terminou a narrativa, com a maestria que só ela tem, Célia deu dois beijos em sua face, em agradecimento ao afetuoso convite. Pode esquecer-se desta companheira para suas futuras aventuras marítimas, minha querida D. Aparecida. Sua família é uma das coisas mais lindas de minha aldeia. Se pudermos, e Deus nos permitir, sempre viraremos novos anos em companhia de vocês, mas nunca num transatlântico. Felicidades para a senhora, querida amiga! E para todas as pessoas que a senhora ama.
Depois da festa da virada, passamos o sábado, primeiro dia do novo ano, descansando em nosso apartamento, todo arrumadinho, e ainda almoçamos arroz com pequi e picanha, em companhia de Haroldinho e Rodrigo Braz (nunca vi sogro e genro tão amigos!).
No domingo, segundo dia do novo ano, após as despedidas de praxe, retornamos a Belô, numa viagem tranquila, de apenas cinco horas, trazendo, com carinho, três mudas de pequizeiro para Daniel Jobim, neto do grande Tom, plantar em seu sítio, em Petrópolis.
Ainda com as cabeças voltadas para os momentos felizes que vivemos em Montes Claros, estamos de malas prontas para a Bahia de Todos os Santos, onde Célia certamente ficará quietinha, na beiradinha do mar, sem sequer pensar em entrar num barquinho, sempre nos lembrando da alegria do convívio com tão generosos e fraternos amigos, especialmente de nossa virada de ano, sob o comando desta extraordinária navegante e conquistadora de corações chamada Aparecida Carvalho.
Muito obrigado por tudo, especialmente pelo carinho, gente boa de minha adorada e pequistanesa aldeia! Tudo de bom pra vocês!


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Por Augusto Vieira - 14/12/2010 13:29:50
A CHARADA DO CAIPIRA

1960, mês de junho. Meu pai resolveu fazer uma festa de São Pedro na Fazenda Santa Mônica, no Levantado, perto do rio Caititu. Convidamos amigos e parentes. Foi um festão. Por volta da meia-noite, reunimos uma turma em volta da fogueira, onde assávamos batatas-doces e milhos-verdes e começamos a fazer charadas. “Cumpade” Zé Lopes, um dos empregados da fazenda, assuntava a prosa e, depois de ouvir muitas charadas, resolveu fazer uma. Levantou-se, mirou-nos a todos, pigarreou e disse:
— Onde o avião passa o boi berra. 10 e 12.
Matutamos bom tempo e nada de matarmos.
— É, “cumpade”, num deu, desembucha logo.
“Cumpade” Zé Lopes sai com esta:
— Onde o avião passa: ari; onde o boi berra: bu. Aribu.
— “Cumpade”, e os 10 e 12???
Ele responde:
— Sei lá, aprindi fazê charada hoje?!?!


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Por Augusto Vieira - 27/11/2010 14:22:58
TRAIANÇA

Este caso foi contado a mim por "Baiano", na Fazenda Vaca Brava, de meu tio Air Vieira. Baiano trabalha lá. Foi recentemente escolhido para ser o "James Bondimuais" da República do Pequistão, cuja capital é nossa aldeia.
Vejam que história bacana.
Aquele, sim, é que era um capataz de confiança. Bom de gatilho, excelente vaqueiro, tocador de viola, valente e forte como um touro. Já trabalhava na fazenda há mais de vinte anos. Mandara uns quatro cabras safados comer capim pela raiz, po...r causa do patrão que, propriamente falando, não lhe ordenava matar ninguém: simplesmente dizia ao leal escudeiro que estava com antipatia de determinada pessoa. Essa palavra era o código. Pouco depois o dito cujo se despedia deste vasto e perigoso mundão de Deus, com um furo de bala dundum do lado esquerdo do peito.
O patrão era herdeiro único daquela fortuna, lotada daqueles bois brancos, gordíssimos, que passavam a maior parte de suas vidas com a cabeça inclinada para baixo e a boca colada ao fértil solo, pastando calmamente aquele nutritivo capim nativo. Criado na mordomia, não era muito chegado ao trabalho. Recebera muito peixe e não se habituara a pescar. Gostava mesmo era de praticar esportes de alcova. E não media esforços nem dinheiro para tal. Com a gorda, alegre e palradeira esposa, apadrinhara o casamento do capataz com Toínha, moça faceira, criada na fazenda e que, sobre ser prendada, ativa e caprichosa, se transformara na mais cobiçada beleza matuta das redondezas. Logo após o casamento começou a mandar o capataz entregar boiadas em plagas longínquas, vários dias de viagem. E o assédio era diário e sutil. A empreitada, em tais circunstâncias, só poderia ser vitoriosa.
Um belo dia o capataz aproximou-se do patrão e, em tom grave, disse:
— Patrão, preciso ter uma conversa muito séria com o senhor.
O homem tremeu na hora. O que será, meu Deus? Será que ele está desconfiando? Será que ela contou? Mas controlou-se, pensou um pouco e jogou água fria na fogueira, combinando que, no sábado, iriam à cidade e conversariam.
Cedinho, mal o galo cantou pela primeira vez, sem que ninguém ainda tivesse acordado, saíram na caminhonete, os dois na boléia, taciturnos. O único ruído que se ouvia era o do motor do veículo. Quando o sol já esquentava o capataz rompeu o silêncio:
— Patrão, chegou a hora de nossa conversa séria.
Novo tremor, desta vez nas pernas. A única coisa que conseguiu fazer foi por a mão direita na coronha do 38 que, deliberadamente, colocara na cintura. Era só dar logo um tiro certeiro, à queima-roupa, e deixar o corpo naquele geraizão. Quem desconfiaria?
— Desembucha logo, cabra.
O capataz, na maior tranqüilidade:
— Patrão, Toínha tá traindo nós dois?!?!


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Por Augusto Vieira - 24/11/2010 01:45:25
José Luiz Barbosa e a "Menina de Salinas"

Fantástico tocador de violão, contador de piadas, leitor voraz de bons livros, segundo marido de nossa querida “tia” Antônia Veloso, de nossa Escola Normal, sempre elegante, lá vai meu querido José Luiz Veloso, de terno, gravata e chapéu. Pai, dentre outros, de Osmane Barbosa, Coró, Chiquito “Moréia”, Tereza e Silvinha, frequentava minha casa, na Presidente Vargas, porque amicíssimo de meu pai. Era mais assíduo, no entanto, na Agência Lotérica “A Preferida”, de meu avô materno, Donato Quintino. Gostava muito também do bar de “seu” Tito dos Anjos.
Uma vez, sentados em cadeiras, no passeio da agência, ele, seu Mundinho Dias e meu avô, já bem velhinhos, foram surpreendidos, em suas visões obnubiladas por cataratas, com a imagem de três lindas moças, desfilando na Rua Quinze. Mexeram com elas, jogaram piadas sutis, fizeram fius-fius e, depois, levaram a maior bronca. Eram Tereza Dias, Silvinha e minha mãe. Incrível coincidência. Uma filha de cada um deles.
Iara Tribuzzi, grande escritora, autora de “Menina de Salinas”, neta por afinidade, gostava muito de Zé Luiz e lhe dava o braço, passeando por nossas ruas. Explico: Iara é filha de D. Wanda, que é filha de “tia” Antônia”, no seu primeiro casamento com José Versiani dos Anjos. Iara contou-me duas histórias interessantíssimas. Vamos a elas.
Num certo domingo, indo à missa com familiares, ao atravessar a Praça da Matriz, Zé Luiz comentou:
– Gosto muito mais de missa que não demora tanto, daquelas em que o padre dá três gemidos e acaba.
Depois da celebração, do saudoso Padre Dudu, subindo a Dr. Veloso, antes de cruzar a Governador Valadares, ainda com os parentes, Zé Luiz deu uma paradinha e decidiu enfático:
– Olha, gente, já rezamos demais por hoje. Padre Dudu tomou lá a bebida dele e nem nos ofereceu. Então, vocês me dão licença que eu vou ali no Tito tomar a minha.
Bastante idoso, Zé Luiz já andava devagarzinho, quase arrastando os pés ao chão. Uma vez, durante sua costumeira ducha matinal, ainda debaixo do chuveiro, gritou à filha:
– Acode, Tereza, estou paralítico!
Tereza, preocupada, chamou Coró para ajudá-la. Encontraram o pai trêmulo. Fecharam a torneira e constataram que ele se esquecera de tirar os chinelos, daqueles fofos, antigos, que, molhados, se tornavam pesados que nem chumbo.
Figuras como José Luiz Barbosa e “tia”Antônia Veloso se eternizaram na memória de nossa aldeia, como exemplos marcantes de dignidade humana, do querer bem aos conterrâneos e do amor à vida. E como eles fazem falta neste nosso mundo tão louco, intolerante e “cheio de ausência de amor”, como diria o também imortalizado Henrique Chaves!


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Por Augusto Vieira - 20/11/2010 06:13:20
“AMO-TE MUITO”, NOSSO CANTO CENTENÁRIO

Minha querida amiga Lola Chaves. Acabo de receber seu convite para comparecer às comemorações do centenário de “Amo-te muito. Estava de malas prontas e levaria comigo os amigos Raphael Reys e Nadim Bechara Andere, mas Célia teve um problema de saúde e não pude viajar. Já que não viajei, quero fazer, por estas linhas, uma curta excursão ao tempo. Conheci seu pai, quando menino, na agência lotérica “A Preferida”, de meu querido e saudoso avô materno, Donato Quintino. E daí, então, nunca mais deixei de gostar dele e do precioso clã dos Chaves. No dia em que o conheci ele estava com um terno cinza, gravata borboleta vermelha e sapatos marrons. Elegantíssimo e cheiroso. Curti muitas vezes os papos dele, de “seu” Mundinho Dias, de José Luiz Veloso e de João Félix com meu avô, todos sentados no hall de entrada da agência, em pequenas e bem torneadas cadeiras de madeira. No escritório de meu avô sempre ficavam um violão e uma pinguinha da boa, hábito que herdei e conservo. E vi, muitas vezes, seu pai e meu avô, lá dentro, fugindo do murmurinho, a curtir músicas. E como eram amigos! Herdei essa amizade, que se estendeu, no decorrer de nossa travessia, a você, Sidney e, muito mais, a Henrique. Com você ainda tenho a alegria de cultivá-la. Com Sidney e Henrique não mais, nesta vida. Mas nunca me esqueço dos momentos de fraterno respeito e coleguismo que compartilhamos. Tenho muita saudade de seus dois irmãos e gostaria imensamente de estar aí, nesse momento tão sublime, para homenagear também às suas memórias.
“Amo-te muito”, Lola, é nosso hino. É a música que habita o coração de toda as gentes de nossa “pequistanesa” aldeia. É a música que o país inteiro conhece e canta e, por isto, a canção que nos orgulha. Neste momento tão importante, em que celebramos o centenário dessa obra de arte de seu querido pai, imortalizado por tudo o que fez por vocês e por nós, abraço, com carinho e afeto, todos os Chaves.
Um grande beijo, minha cara amiga! Muito obrigado pelo amável convite, que já está colado no álbum das coisas que me são mais caras nesta vida.


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Por Augusto Vieira - 25/10/2010 19:02:12
PARA RUTH TUPINAMBÁ

Suas eternas lembranças e as narrativas sobre momentos da grande amizade que existiu entre meu pai, Lucinho Narciso, Wilson Athayde e seu amado Armênio Graça me encheram de saudade, esse barco sem rumo que jamais ancora.
O “Conde” Armênio Graça parecia artista de cinema. Não foi à toa que um de seus filhos, Alberto, tornou-se um dos grandes cineastas brasileiros. A chegada dele à minha casa, na Presidente Vargas, era passaporte da alegria. Impecavelmente bem trajado, perfumado, parecia Gary Cooper se preparando para atuar numa cena de mais um filme. Minas mãos sumiam nas dele, imensas, na hora do cumprimento. Eu ficava ali curtindo seus “causos” e suas brincadeiras, vez por outra também participando. Sua retirada nos entristecia.
Esses quatro fazendeiros (Armênio Graça, Wilson Athayde, Lucinho Narciso e Norival Vieira), personagens de meus livros, foram, todos eles, pessoas interessantíssimas, emblemáticas de nossa aldeia. Lembro que, adolescente, disse a Lucinho e a Nonô para deixarem de comprar e vender, um ao outro, a mesma vaca, que já estava ficando velha e cansada de tanto transitar entre as duas fazendas. Ninguém tirava deles o prazer do “nigucin”. Ao contrário de Lucinho, Nonô me dizia que fazenda “empobrecia, embrutecia e envelhecia” e que “só era bom quando era vendida”. Comprava uma, dava uma arrumada, que chamava de “mel de coruja”, passava pra frente e ganhava um bom dinheiro para nos proporcionar a melhor vida possível. Que nem o “Conde”, só que ele as arrumava muito melhor, transformando-as em verdadeiros “brincos”. Conheci quase todas. Hoje tudo mudou. É asfalto pra tudo quanto é lado, produtos à vontade para cuidar dos rebanhos e das plantações e muita tecnologia. Tudo ficou mais fácil, é o que suponho, embora quase todos os fazendeiros que conheço continuem a se queixar dos negócios.
Amizades iguais às deles, hoje em dia, é coisa muito rara. As pessoas se tornaram muito competitivas e intolerantes. Eles, ao contrário, celebravam os ganhos financeiros e as alegrias familiares uns dos outros. E como foram honrados! Não precisavam de documentos para concretizar os “nigucins”. Documento, para eles, era a palavra dada. Gente assim está acabando, minha querida e renomada escritora.
A maior homenagem póstuma que meu pai recebeu foi uma crônica de seu filho, o festejado maestro Armenio Graça Filho, relembrando fatos de sua infância. Nonô e Armeninho foram muito ligados e batiam longos papos. E como filosofavam, aquele velho catrumano maduro e aquele menino inteligente e audacioso! Nonô, que partiu tão cedo, completaria 100 anos no próximo dia 10 de fevereiro de 2011. Imagino como seria a festa. Céu coalhado de estrelas, luar maneiro e romântico e os quatro sentados à beira de uma imensa fogueira, assando uns milhos-verdes e umas batatas-doces. Nonô, chumbado, cantando umas modinhas; Lucinho confeccionando e depois fumando seu cigarrinho de palha; Wilson tomando café bem quente com paçoca e o “Conde” Armênio Graça alegrando a todos com suas espirituosas brincadeiras. Que astral!
Muito obrigado, minha querida “tia” Ruth Tupinambá, em meu nome, no de Lena, e de Guilhermão e Xandão, pela maneira tão afetuosa e sincera com que você retratou nosso Nonô, em sua belíssima crônica.


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Por Augusto Vieira - 28/9/2010 10:30:19
MALUCOS-BELEZA

O grande pinguço de minha aldeia foi Bem Pau Véio, de estatura elevada e traços finos, irmão de Santim, Sinval e Zé Amorim. Quando parava, por uns tempos, de beber, a abastada família o produzia com um belo terno de linho branco, gravata vermelha, camisa de seda e sapatos caros. Inesperadamente, dava uma recaída e virava um molambo. Vendia as roupas e os sapatos para golear. Aproximava-se das pessoas e ia logo dizendo:
– Morreu, leão, eh, tigrão!
Um alto funcionário do Banco do Brasil, Leão Cassulo, aporta em MOC. No primeiro dia de trabalho, indo o digno bancário à agência, cruza com Bem Pau Véio, que o encara e exclama:
– Morreu, Leão!
O homem quis deixar a cidade, na hora, não fossem os convincentes esclarecimentos dos colegas.
A última vez que vi Geraldo Tatu ele já estava velhinho, mas com a mesma alegria, residindo numa casa de caridade. Conheci-o em minha infância. Sempre sorridente, com seus cabelos lisos, dentes falhos nicotinados, rosto magro e pálido, barba rala por fazer, dedos longos e unhas amareladas, Geraldo fumava sem parar e dava apenas três a quatro tragadas para consumir um cigarro. Cantava o “Ouvirundum”, o “Japonêis tem quatro fio”, “Chiquita bacana”, “Encosta sua cabecinha no meu ombro e chora” e muitas outras músicas da época. Quando não sabia toda a letra criava trechos e mesclava com os originais, simulando estar lendo o que cantava numa folha acinzentada, de papel de embrulhar pão. Após cada música balançava a cabeça como que buscando aprovação e aplausos, que sempre vinham efusivamente. Passada a cantoria, vinha um bom papo, regado a café grosso e imensas baforadas:
– Geraldo, quantos anos cê tem?
– Tenho trinta e cinco e doze ani, fora cinco qui eu mamei, fora deis qui eu morei na barriga de mamãe e fora treis qui eu tinha quando era piquene!
– Onde cê mora, Geraldo?
– Bem, é qui eu moro lá atrás da Fábrica de Óleo Mariprôsa (o nome era Mariflor). Aí ocê passa numa casa qui tem um tanto de cachorro, mas os cachorro num morde não e num é ainda lá qui eu moro não! Dispois ocê caminha cinco metro e vê uma casa qui tem uma arvre grande. Mas num é lá ainda qui eu moro não. Passa essa casa e encontra um monte de bosta de boi no caminho. Cuidado pra num pisá nela. Anda mais três casa e chega numa casa azul. Mas num é lá qui eu ainda moro não.
Eu morria de medo de Requeijão. Soturno, grandalhão, longa barba e bigode espesso, vozeirão tonitruante, sempre carregando um saco às costas. Era só a meninada gritar “Requeijão” e ele soltava os mais feios nomes do vocabulário de então. O interessante é que ele gostava muito de requeijão. Chegava ao bar de Santim Amorim, na antiga Rua Quinze, apontava para a bandeja e exclamava:
– Me dá logo um pedaço dessa disgraça, aí!!!
Estava na Matriz e um gaiato o chamou pelo apelido. Levantou-se, fixou os olhos na figura e bradou, no meio da missa:
– Olha aqui seu filha da puta, eu num te xingo agora di fi duma égua porque tô aqui dentro da Igreja, mas quando eu sair lá fora ocê me paga!
Quinhento Pro Cadáver, o “Paulista”, residia num barracão, no bequinho, ao lado da antiga fábrica de tecidos, ali na Coronel Prates, perto da Santa Casa. Deve ter sofrido grande drama, porque vivia na mais absoluta solidão, amparado apenas, suponho, pela família de “seu” Meinardo, seu elegante e bondoso vizinho, que residia em frente à avenida. Seus cabelos, sedosos, eram cinzentos. Sua barba fechada, ponteada por fios embranquecidos, ora feita, ora por fazer, emoldurava um rosto fatigado e um olhar tenebroso. Fumava desbragadamente, ora cigarros, ora um cachimbo, e cuspia grosso. Seus dentes, escurecidos pela nicotina, eram grandes e pontiagudos. Sempre andava com um terno cinza, ora limpinho, ora sujo. Em certos dias, de lucidez, penso, limpava seu corpo, sua roupa e seus sapatos, para caminhar pelas ruas, usando uma gravata borboleta vermelha e um elegante chapéu cinza, relembrando o tempo em que fora feliz e saudável. Tinha uma doença crônica nas pernas. Seus passos eram milimétricos. Andava com o corpo inclinado para baixo. Gastava horas para fazer o percurso, de menos de um quilômetro, de seu barracão até o antigo mercado da Praça Dr. Carlos. E a meninada, ao vê-lo passar, gritava, em coro, para irritá-lo: Quinhento pro Cadáver!!! E recebia de volta os mais requintados xingamentos daquele moribundo que mal conseguia se manter nas próprias pernas e erguer a cabeça, especialmente nesses momentos de extrema ira. Com o tempo passou a usar uma bengala, o que impedia a garotada de aproximar-se de seu débil corpo para provocá-lo.
Minha mãe fala muito num tal de “Sacudo”, mas desse eu não me lembro.
Tenho vagas lembranças de Lalaô, renomado pintor. A meninada cantava: alalaô, ô, ô, ô, ô, ô, ô! E vinha a resposta: é a puta que pariu, riu, riu, riu, riu, riu, riu!
De João Doido sei apenas um caso. Ele comprou um pastel no Bar de “seu” Tito, na Governador Valadares com Simeão Ribeiro. Saiu do bar e retornou logo depois, querendo devolvê-lo e receber o dinheiro de volta, alegando que não tinha carne. “Seu” Tito não aceitou seus argumentos e ele deixou o bar esbravejando:
– Comprei um pastel no bar de “seu” Tito. O pastel não tinha carne. “Seu” Tito não quis devolver meu dinheiro. “Seu” Tito é ladrão.
Betão já foi dos mais modernos. Um negrão de quase dois metros de altura, protegido pela turma das casas de peças de automóveis, da região da Praça de Esportes. Andava, a caráter, pela cidade, conduzindo seu carrinho de madeira, com pequenas rodas de borracha e um imenso volante. Parava o trânsito. Dava sinal para os carros e ai de quem lhe tolhesse as caminhadas! A buzina vinha de sua voz, alta e grossa.
Marrecão era protegido de “seu” Antônio Reino, da Sorveteria, e não importunava ninguém. Muito alto e desengonçado, costumava frequentar reuniões de nossa Câmara Municipal e dar palpites do plenário.
Das mulheres me recordo de Mila e Lena Doida. Mila, quando provocada, levantava a saia e mostrava suas intimidades às pessoas. Lena era mais comedida. Engravidava quase todo ano. Frequentava o Bar de Zim Bolão. Uma vez ela foi ao Cine São Luiz ver o filme “Cabaré Mineiro”, de Carlos Alberto Prates Correia. Eu fizera uma ponta, como figurante. Quando me viu na tela Lena aprontou o maior escarcéu, gritando, várias vezes, mesmo depois da cena: Augustão Bala Doce!
Gaguinho é o apelido de Felício Fernandes. Jogava futebol na ponta-esquerda. Era assíduo frequentador da Sapataria Nossa Senhora de Fátima, de Tião Boi. Semianalfabeto, um dia deu uma de poeta e recitou:
“Tu, não seja já.
Vem, vírgola,
Ó parte omana.
Me chama Judite,
Me chama Zabelê.
E vem sabeá.
E ponto final.”
Choveram entusiásticos aplausos. Recentemente o revi no Café Galo e ele, a meu pedido, recitou esse indecifrável único poema de sua vida, sem nome e sentido.
E para terminar, recordo-me de um vizinho de nossa aldeia. Era o famoso Leonel do Pé de Café, de Coração de Jesus. Vinha a Montes Claros, aos sábados, e seu ponto predileto era a vendinha de Orácio, na Av. Afonso Pena, quase com Presidente Vargas. Pedia uma banana e uma pinga, pagava adiantado e as degustava. Depois falava, com língua presa e voz tonitruante:
– Cunstruí um roporto ni Coração de Jesuzi sumana passada. Gastei dois bilão de doles, por segundio!!! Cês num ouviu o barúio do Consteleicho, zuando no céu? Tava ino inaugurá. Foi um festão. Trezentas mil pessoa pru minutcho! O Prisidente da República, Getuio Varga, cumeu pequi qui nem uma mula! Até passô mar o coitado! Pegou um piriri danado.
De todos esses malucos-beleza o único que ainda sei estar vivo, para minha alegria, é Gaguinho. Mas tenho certeza de que, especialmente os aldeões de minha geração, prantearam os que partiram, na esperança de que eles tenham encontrado, numa linda estrela, a paz que não tiveram entre nós.


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Por Augusto Vieira - 23/9/2010 06:50:50
FICHA LIMPA E ELEIÇÃO

É muito perigoso para a cidadania o fato de seus representantes baixarem leis que ferem princípios fundamentais da ordem jurídica, estabelecida pelo poder constituinte originário. Aristóteles chamava o governo de todos por todos de demagogia. Infelizmente ainda não chegamos a um nível de civilização em que todo cidadão seja capaz de governar. O governo direto pelo povo é um ideal a ser atingido, mas ainda é um perigo para a democracia que é, sobretudo, um caminho: o da construção da liberdade. Liberdade não é coisa estratosférica. É conquista histórica dos homens e, portanto, nossa. Deve ser cada vez mais pujante, concreta e menos formal.
Há muita gente aplaudindo a chamada lei da ficha limpa. Com todo respeito aos que pensam assim, nunca a enxerguei com bons olhos. Todo cidadão é presumido inocente, até decisão definitiva do poder judiciário. Não se pode, pois, cercear direitos, inclusive os de natureza eleitoral, a um cidadão que responda a um processo, de qualquer natureza, em tramitação na justiça, sem decisão definitiva.
Devemos, neste momento de fulgor cívico que é a eleição, cada um de nós, de acordo com nossa consciência, escolher os melhores. Anular o voto ou votar em branco nunca foram contribuições à construção da democracia. Ouço muita gente dizer que está desiludida e que, se pudesse, nem votaria. Sem embargos da discussão sobre a obrigatoriedade do voto, a esses digo: ruim com nossos políticos atuais? Pior sem eles. Nós é que devemos escolher bem. E ainda há muita gente boa para ser escolhida. Tenho visto e ouvido, diariamente, o horário político da TV. Todas as propostas de governo estão divulgadas e esclarecidas à opinião pública. Basta que eu julgue o que será melhor para meu país e para meu estado e faça minha escolha. E sentirei, no dia 3 de outubro próximo, aquele orgulho cívico de ter exercido minha cidadania.
O que espero é que o STF tenha o bom senso de não ferir o direito fundamental da presunção da inocência, pilar do Estado democrático de direito. Amanhã, qualquer um de nós poderá ser vítima desse desatino. Uma das piores coisas do mundo é ser condenado em prejulgamento de um juiz não “natural”, a quem a constituição e as leis não atribuem o sagrado poder de julgar. Espero que nossos maiores representantes nessa nobre função pública não atendam ao clamor de massas incultas, industriadas por mídias irresponsáveis, que vêm se erigindo em autênticos “tribunais de justiça”.


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Por Augusto Vieira - 2/9/2010 07:24:08
CAIA NAS REDES!

Confesso que eu tinha um certo preconceito contra as redes da internet. Estava acostumado a comunicar-me, por e-mails, apenas com os amigos que constavam de minha lista de contatos. Com o passar do tempo comecei a ouvir, de várias pessoas mais jovens, referências a um tal de Orkut. Entrei timidamente e vasculhei o programa. Senti que a rede era segura e convidei gente que eu conhecia a esse novo tipo de relacionamento, a amizade cibernética. E não é que deu certo? Do Orkut parti para o MySpace, dele para o Facebook e finalmente cheguei ao Twitter.
Hoje converso com amigos espalhados pelo mundo inteiro. Claro que há aqueles que preferem uma rede a outra. Mas como estou nas mais conhecidas, uso todas para matar saudade deles, dar notícias minhas e saber o que andam fazendo. Atualmente a quase totalidade de meus contatos são feitos através de redes eletrônicas, de forma instantânea, ao vivo. E como tenho feito novas amizades!
A verdade é que a internet facilita a vida da gente. É só saber usá-la. E isso é fácil de aprender, porque os programas modernos são autoexplicativos. Hoje, em sua telinha particular, você lê livros e quase todos os jornais do mundo, vê inúmeras emissoras de televisão e filmes, ouve músicas, produz e grava vídeos, fala com amigos vendo as imagens deles e eles vendo a sua, pesquisa qualquer assunto que lhe interessa, faz compras, paga contas e ainda monta seu site e seu blog sem gastar um tostão. Basta ter um bom provedor de banda larga e navegar a uma razoável potência. Que ferramenta maravilhosa! Revolucionou minha vida e espero e desejo que faça isto com as de milhares de brasileiros, especialmente os de menor poder aquisitivo, porque internet, diferentemente do que eu imaginava, é também cultura. Ela não nos afasta. Ao contrário, através dela ótimos encontros são programados. E você pode até namorar, o que não é mais o meu caso.
Quem diria que esse dinossauro se adaptaria a esses novos tempos! Dinossauro que, antes, tivera preconceitos até contra computadores individuais e que, agora, não vive sem o seu e ainda divulga seus escritos pela internet.
Caia nas redes, amigo, não fuja das mordomias da modernidade. Entre de cabeça, sem medo de ser feliz e deixe a vida te levar. Vale a pena.


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Por Augusto Vieira - 19/8/2010 09:13:29
NAS ASAS DA COWAN

Sempre que vou para os lados do Aeroporto da Pampulha, de preferência à tardinha, dou uma passada na sede administrativa da COWAN, especialmente para visitar três amigos de juventude: Saulo, Ricardo e Lindolfo. Revi o primeiro trator da empresa, recuperado pelos empregados e dado de presente de aniversário a Walduck, antes de ele no deixar. Bateu mais forte a saudade quando vi seu busto, ao lado da entrada do prédio da diretoria. Desta vez cheguei numa hora muito boa. Saulinho e Bruno, filhos de Saulo, estavam em seu primeiro dia como diretores. O pai, agora, preside o Conselho de Administração. Saulo triplicou a COWAN, que hoje comanda mais de vinte associadas espalhadas pelo Brasil, em diversas áreas da economia: transportes, petróleo, construção pesada e mineração. Estava tranquilo, como sempre, e muito feliz pela desconcentração de poder. Perguntou-me se eu já havia visto petróleo. Respondi que só em filmes. Ele, então, abriu um pequeno cilindro de plástico que estava sobre sua mesa, contendo uma porção do ouro negro e entregou-me. Não sabia que era tão pastoso e que tinha cheiro de piche. Visitei Saulinho, Bruno, Ricardo e Lindolfo. Encontrei Cláudio, que foi meu centroavante no Cassimiro de Abreu e é engenheiro da empresa, saindo do trabalho. Disse-me que estava de partida para o Mato Grosso do Sul, para tocar uma obra, perto de Corumbá.
Despedi de todos e fui até meu carro. Lindolfo acompanhou-me. Relembramos, ainda, histórias do velho Wanderley e de Walduck, até surgirem outras, mais recentes, das quais três merecem menção.
No último julho, Saulo foi buscar um novo avião em Miami e levou alguns amigos, inclusive Odorico. Disseram-lhe que a embaixada, em São Paulo, estava rigorosíssima, exigindo vários documentos, além do passaporte, para dar o visto. Odorico, mesmo acostumado a viagens internacionais, meticuloso, foi na onda dos malandros e levou uma pasta, tipo James Bond, repleta de documentos. Segundo Lindolfo, nela havia até diploma de congregado mariano, assinado por Padre Dudu. Na embaixada, para sua surpresa, um funcionário apenas pegou seu passaporte, conferiu a foto, disse OK e meteu o carimbo. Depois, já em Miami, os sacanas induziram-no a usar terno e gravata para receber o avião. Disseram-lhe que todos iriam assim. Vi a foto. Todo mundo à vontade, parecendo estar indo a uma praia, e ele ali, naquele imenso calor de verão, trajado como se fosse (o que ele habitualmente faz) adentrar a uma Câmara de um tribunal para sustentar oralmente uma causa.
Odorico, que não é de levar desaforo pra casa, deu o troco. Inventou a seguinte história: voavam, neste mesmo novo avião, alguns diretores e funcionários da COWAN, com vários técnicos da Petrobras, para uma visita ao poço perfurado no Espírito Santo. Lindolfo junto. Um dos técnicos tinha pavor de avião e, para segurar a barra, não permanecia quieto em sua poltrona. Percorria o corredor, sentava um pouquinho, levantava-se e repetia a caminhada. Aquilo foi irritando Lindolfo. Os demais passageiros também estavam incomodados, mas faziam olhos e ouvidos de mercador ao irrequieto e palrador caminhante, que já perturbava o vôo por mais de meia hora. De repente Lindolfo encarou o sujeito e perguntou:
– Escuta aqui, meu amigo, por acaso você tem algum problema no fiofó?
Lívido, o impaciente cientista, desacostumado a tanta franqueza, nem respondeu. Saiu de mansinho, ocupou sua confortável poltrona e nela permaneceu até a aterrissagem. Desembarcados, Lindolfo apontou o dedo para o dito cujo e exclamou para todos ouvirem:
– Feliz é o cara que tem um professor de minha envergadura. Esse companheiro aqui nunca mais perturbará um voo.
Gargalhada geral, inclusive do mais novo discípulo do mestre Lindolfo, Ministro da Aeronáutica da República do Pequistão, cujo Premier é Tino Gomes e cuja capital é Montes Claros, nossa querida aldeia.


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Por Augusto Vieira - 14/8/2010 18:33:28
A era do livro digital

Estamos na era do livro digital. Grandes empresas estão copiando e digitalizando todos os livros existentes no mundo. Vários programas estão sendo postos em prática. A Google saiu na frente. Um jovem amigo meu, dono de livraria, já fez vários cursos e participou de seminários sobre o assunto, em São Paulo. Disse-me que hoje é possível você viajar ouvindo um livro. Não precisa mais nem de ler. Levou-me até seu carro e demonstrou. Ouvi, através de um CD, um capítulo inteiro de um livro, narrado, com os diálogos protagonizados por atores. Achei genial. E o CD oferecia opções: além de poder ser ouvido, o texto poderia ser lido em computadores. Já pensaram que barato? Viajar ouvindo um bom livro?
Livros técnicos e didáticos, estes então, todos, serão digitais. Os meninos não precisarão mais daquelas pesadas mochilas, que afetam suas colunas vertebrais. Levarão apenas seus cérebros para as escolas.
E a ecologia? Será preservada, pois a indústria do papel, altamente poluente, perderá muito mercado.
Digitalmente é muito mais fácil preservar a cultura da humanidade. Você põe fogo numa biblioteca comum (já queimaram até a de Alexandria), mas jamais conseguirá apagar uma biblioteca digital, porque ela estará nos satélites e em milhares de computadores do mundo.
Ainda veremos, por algum tempo, a convivência dos dois sistemas, mas ninguém me convence de que essa meninada que vem vindo aí lerá jornais, revistas ou livros impressos. Serão legatários de grandes homens, como José Mindlin e outros amantes e colecionadores de livros impressos em papel, porque, não fossem eles, certamente as bibliotecas digitais não teriam em seus acervos grandes obras da humanidade. Os espaços serão reduzidos aos que, como eu, ainda gostam de sentir, antes de ler, o cheirinho de um livro. Mas os meninos de hoje também gostam do cheirinho de um software. Nós, os dinossauros, que nos adaptemos aos novos tempos.


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Por Augusto Vieira - 6/8/2010 19:15:09
BALA 70

Picolino mandou-me um e-mail que disse ser a entrevista de um médio gaúcho, Dr. Paulo Ubiratan, a uma emissora de televisão. Vejam o texto:

P: Exercícios cardiovasculares prolongam a vida?
R: O seu coração foi feito para bater por uma quantidade de vezes e só. Não desperdice essas batidas em exercícios. Tudo se gasta e eventualmente. Acelerar seu coração não vai fazer você viver mais. Isso é como dizer que você pode prolongar a vida de seu carro dirigindo mais depressa. Quer viver mais? Tire uma soneca.

P: Devo cortar carne vermelha e comer mais frutas e vegetais?
R: Você precisa entender a logística da eficiência. O que a vaca come? Feno e milho. O que é isso? Vegetal. Então, um bife nada mais é do que um mecanismo eficiente de colocar vegetais no seu sistema. Precisa de grãos? Coma frango.

P: Devo reduzir o consumo de álcool?
R: De jeito nenhum. Vinho é feito de fruta. Brandy é um vinho destilado, o que significa que tiram a água da fruta pra você tirar maior proveito dela.

P: Quais as vantagens de um programa regular de exercícios?
R: Minha filosofia é: se não tem dor, tá bom!

P: Frituras são prejudiciais?
R: Hoje em dia a comida é frita em óleo vegetal. Como pode maior quantidade de óleo vegetal ser prejudicial?

P: Flexões ajudam a reduzir gordura?
R: Absolutamente, não! Exercitar um músculo faz apenas com que ele aumente seu tamanho.

P: Chocolate faz mal?
R: Tá maluco? Cacau é vegetal. É comida boa pra se ficar feliz.

“A vida não deve ser uma viagem para o túmulo, com a intenção de se chegar lá são e salvo, com um corpo atraente e bem preservado. Se caminhar fosse saudável carteiro seria imortal. Baleia nada o dia inteiro, só come peixe, só bebe água e é gorda. Coelho corre muito e pula, mas só vive 15 anos. Tartaruga não faz nada e vive 450.”

Depois de dar boas gargalhadas, pensei com meus botões: “nem tanto ao céu, nem tanto ao mar”, caro mestre. Isso porque quando fui, recentemente, renovar minha carteira de motorista, o médico-perito constatou que minha pressão estava muito alta. Com muita justiça, negou-me o laudo favorável. Recomendou-me procurar um cardiologista. Disse-me, inclusive, que, pelo exame que fizera, eu poderia estar com algo mais grave no músculo cardíaco. Foi um martírio. Meu pai falecera, há mais de trinta anos, devido a problemas cardiovasculares. Esse negócio é genético. Senti a morte pertinho de mim. Aí procurei o médico de minha associação, a AMAGIS. Fui atendido pelo cardiologista Dr. Marcelo Sady Curi. Pediu-me vários exames. Fiz todos e levei-lhe os resultados. Que alívio! Disse-me, com o maior carinho, que meu coração não tinha problemas tão graves. Apenas uma hipertrofia. Explicou-me que, pelo esforço, o músculo estava a ocupar um lugar um pouquinho maior em meu peito. Passou-me um comprimido e recomendou-me sorrindo:
– Você terá que tomar esse comprimidinho, uma vez por dia, até os 98 anos. Apareça aqui de, três em três meses, para eu dar uma olhada. Tente parar de fumar que será muito bom.
Voltei ao perito credenciado pelo DETRAN com o laudo do Dr. Marcelo. Ele leu, examinou minha pressão, já quase em 12 por 8, e autorizou a renovação de minha carteira, sem o uso de óculos, porque eu fizera cirurgia nos olhos, com meu sobrinho, Carlos Gustavo, conhecido como Dr. Vieira, e ele substituíra meus cristalinos por lentes corretoras.
Agora estou aqui, passado o drama, pronto pra outra, cheio de esperanças, tomando meu comprimidinho e medindo minha pressão diariamente, num aparelhinho alemão que comprei numa drogaria. A vida voltou a sorrir pra mim. Até já ando tomando meu uisquinho, moderadamente, de vez em quando. Renovei meu passaporte, estou de carteira de motorista nova e com muita vontade de viajar. Veremos depois o que ela e a grana reservam para mim nos próximos cinco anos, após os quais pretendo lançar o livro comemorativo, cujo título já escolhi: Bala 70.


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Por Augusto Vieira - 29/7/2010 13:05:58
Minhas putas

Gabo (Gabriel García Márques) escreveu o magnífico livro “Memória de minhas putas tristes”, lançado no Brasil pela Record, em 2004, numa bela edição de 127 páginas. O jornalista de vida monótona, aos 90 anos, reencontra o amor em Delgadina, ninfeta com quem dorme no randevu de Rosa Cabarcas, e, daí, passa a fazer coisas mirabolantes, provando que é o amor que nos vivifica.
Li o livro há uns quatro anos e sempre, quando a história me vem à cabeça, penso nas putas de meu tempo. No quanto alegraram minha vida. Sou grato a elas, tal qual o genial escritor colombiano à sua ninfeta. Tanto às que viveram quase na miséria, quanto às que encontraram bons abrigos, boas camas e comida. Recatadas, não usavam drogas. Religiosas, respeitavam o próximo, o parceiro de cada dia ou de cada momento. Asseadas, ainda que os recursos da medicina lhes fossem escassos, não eram pródigas. Quase não fumavam. Ingeriam, com moderação, bebidas alcoólicas e raramente aprontavam um “barraco” ou “pegavam mal”. Muitas se apaixonavam. Não havia motéis. Não se usavam camisinhas. Não havia AIDS. As mais sortudas residiam em casas de renomadas cafetinas, onde se alimentavam e usavam confortáveis leitos para ganharem o pão de cada dia. Ao fim do expediente, cansadas, adormeciam sozinhas ou acompanhadas, dando às patroas um bom percentual do que faturavam a cada jornada.
O advento dos motéis fez cair assustadoramente o movimento das chamadas “casas de prostituição”. Muitas fecharam as portas. As “profissionais” foram sucumbindo à concorrência das “amadoras” e um novo tipo de puta apareceu, as “meninas de programas”. São moças que levam vida normal no seio de suas famílias – algumas trabalham e estudam – e frequentam bares, restaurantes, boates e similares, aonde se encontram, normalmente à noite, com homens carentes de amor, que as remuneram regiamente para usufruírem de seus corpos. Excessivamente “profissionais”, chamam os locatários simplesmente de “clientes”. Homem, para elas, é somente sinônimo de dinheiro. Algumas guardam amor a namorados. Quanto a esses, alguns sabem e admitem a vida dupla de seus amores e até levam vantagens, outros, não. Muitas enveredam pelo caminho das drogas para suportarem os traumas existenciais que lhes causa o aluguel de seus corpos.
Essas putas modernas foram perdendo o charme das do meu tempo. Tornaram-se fúteis. Seus belos sorrisos, emoldurados por caros perfumes e vestidos formosos, são falsos. Já as do meu tempo, algumas hoje na miséria, sobrevivendo da caridade, pensaram mais em ofertar e desfrutar prazeres do que em acumular riquezas. Escreveram páginas que poderiam abrigar um belíssimo livro de Gabo. O certo é que falar das vidas de umas e de outras, com raríssimas exceções, sempre será escrever sobre tristes memórias de putas, ou sobre memórias de putas tristes.


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Por Augusto Vieira - 14/7/2010 16:28:49
Beto Guedes lota palácio das artes - esgotados, desde segunda-feira, os ingressos do show de beto guedes, hoje, no palácio das artes. o show será gravado, ao vivo, e transformado em dvd. os fãs escolheram as músicas. mais de quinze mil pessoas votaram. terá a participação de daniela mercury, de wagner tiso, dos filhos de beto (gabriel e ian) e de muitos outros artistas da música mineira e brasileira. beto apresentará vários de seus consagrados sucessos, alguns com roupagem nova, e até músicas inéditas. imperdível. mais uma vez me encho de orgulho por causa desta gente bacana de minha aldeia. saravá!


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Por Augusto Vieira - 11/7/2010 10:14:24
O FUTEBOL DA FIFA

Despretensiosa crônica de Paula Bicas e Chico Porras, repórteres de “O Diário do Pequistão”, sobre a XIX Copa do Mundo.

O futebol globalizado é, hoje, o esporte mais dominado pelo vil metal. Movimenta milhões e milhões de euros. Patrocinadores milionários nele investem quantias astronômicas em busca do retorno de seus capitais. Daí o surgimento da filosofia do ganhar a qualquer preço, que retirou desse esporte, que nasceu na Inglaterra, seu caráter fundamental, que é o de uma competição saudável, para tornar-se meramente um grande negócio, sustentado pela paixão de torcedores incultos. Ao invés de palcos de congraçamento humano, os suntuosos estádios foram se transformando em arenas de enfrentamentos de pessoas, influenciadas por uma mídia corrupta, também sustentada por patrocinadores.
Vejam, agora, o que a FIFA obrigou a África a fazer. Vejam, agora, o que ela está obrigando o Brasil, sede da próxima Copa do Mundo, a fazer. Quantos milhões de dólares serão retirados da inclusão social para a construção de elefantes brancos ou para obras correlatas que só endividarão mais ainda os minguados cofres públicos, apenas para enriquecer mais ainda a uma minoria, já tão bem aquinhoada pela riqueza material? A FIFA não respeita a realidade econômica dos povos. Ela os obriga a um luxo que não podem ter. É a mesma coisa que acontece na vida privada quando, para receber um hóspede, um cidadão constrói luxuoso anexo à sua residência, fora de seus padrões normais de existir, e se endivida de uma forma que sacrificará imensamente a si, sua família e seu futuro. Vocês que me contem, daqui a um ano, a utilidade destes novos estádios africanos. Por que tanta exigência? Por que, ao invés de obrigar os povos a se adaptarem a seus hábitos burgueses, a FIFA não se adapta às realidades deles? Aquele hóspede poderia perfeitamente ocupar as dependências normais da casa, caso fosse recebido apenas pelo sentimento de nobreza de seu anfitrião.
Esse desvio humano influencia até o modo de se jogar futebol. A dicotomia entre o futebol-arte e o futebol de resultados está aí, cada vez mais presente. Vejam o que acontece nesta grande decisão da XIX Copa do Mundo. A Holanda, que perdeu duas vezes jogando futebol-arte, pratica, hoje, futebol de resultados. A Espanha, que praticava futebol de resultados e não ganhava, joga, no momento, futebol-arte. A Holanda é o time que mais faltas fez na competição. A Espanha o que mais tocou a bola dentro das quatro linhas. Quem vencerá? Não sabemos. Só sabemos que torceremos pelos espanhóis, unicamente pelo motivo de sermos adeptos do futebol descompromissado com o resultado, do futebol-prazer. Futebol-prazer, por sinal, levado aos castelhanos, paradoxalmente, por um holandês chamado Johan Cruyff, em Barcelona, grandioso país basco, amante da arte, dentro da própria Espanha. A Espanha futebolística de hoje é o Barcelona em campo.
Quem sempre praticou o futebol como profissão foi o povo. Ele que o faça retomar suas origens, deixando de lado a famigerada FIFA e seus empresários. Ele que jogue para a linha de fundo as negociatas, a empáfia e o autoritarismo e faça com que o futebol volte a ser o esporte das multidões alegres, pacíficas e felizes. Ele que faça o futebol ressurgir das cinzas como um saudável exercício da arte humana. Ele que, “à sombra das chuteiras imortais” e em busca do “sobrenatural de Almeida”, jogue para o lixo da História este tão badalado e inexpressivo fair-play, que só fez agravar a miséria dos povos.


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Por Augusto Vieira - 5/7/2010 04:18:10
NOITES DO SERTÃO

Meu querido amigo Carlos Alberto Prates Correia submeteu-se, no Rio de Janeiro, a uma delicada cirurgia. Cláudio Athayde, seu primo, ligou, dizendo que, felizmente, tudo correra bem e que ele está animado. Pensei no que ele, na sua virtuosa humildade, representa para todos nós e nossa cultura. No que ele representa para o cinema brasileiro. Pensei no amigo carinhoso e sincero de sempre. Aqui vai, dedicado a ele, um canto sertanejo:
Acaso há, neste mundão de Deus, coisa mais linda do que as noites do sertão? Elas falam com a gente. E não só falam. Filosofam com a gente. É nelas que captamos a vida. O ruflar do vento nos mostra essências. O farfalhar das folhagens é fundo zezinhomusical perene do caminhar em busca de decifração de mistérios. O cheiro da mata é irresistível convite arrozpequizense ao indevassável. O murmúrio das águas é chamado jucapratista a beirarmos infinitos, representados pelo brilho das estrelas e pela grandeza do firmamento. Sempre retornaremos antoniorodriguesmente às nossas noites do sertão, muito nossas e do povo de nossa aldeia. Diferente, em tudo, das noites das metrópoles. O sertão é que é a metrópole de nossas vidas. É nele que tudo foi aprendido, sabido e ressabido. Realidade juntinha do pensamento. Sem passado e futuro. Eta travessia mais desmilinguida! Mas é boa! É cheirosa! Tão gostosa que vale a pena!


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Por Augusto Vieira - 2/7/2010 13:41:02
O FIM DE UMA ERA

Em homenagem à memória do garoto Mardem

Essa derrota de hoje para os holandeses deve servir de marco para uma total mudança do futebol brasileiro. Ainda bem que ela veio antes da próxima Copa, que será aqui. Teremos tempo suficiente para voltar a jogar o futebol arte e abandonarmos o futebol de resultados, o futebol preconizado pelos Parreiras e Dungas da vida. E digo isso sem o emocionalismo do momento desta desonrosa desclassificação. O erro começou nas convocações. Nossos comandantes não se curvaram ante as evidências. Fizeram uma panelinha, tal qual a da FIFA e a da CBF, e foram até o fim, empafiosamente, crentes que fariam sucesso. Eu já esperava por isto, há muito tempo. Não quero escolher um Cristo. É muito fácil crucificar alguém na derrota. Desde o início afirmei que não gostava deste futebol que qualifiquei de "dungado". O que diferencia nosso futebol e o fez grandioso foi o talento de nossos atletas. Hoje temos uns tanques bem preparados fisicamente que nada jogam, com raríssimas exceções.
Os times brasileiros estão, quase todos, com dívidas impagáveis. É hora de rever muita coisa em nosso futebol. É hora de um novo tempo, de voltarmos a ter a humildade e a arte dos campeões de 1958.
Muito triste, senti falta de Neymar, de Ganso, de Alexandre Pato, de Hernanes, de Lucas, de Anderson e de tantas outras promessas que foram "queimadas" por jogarem diferente, por não entrarem no "esquema". Muito triste, espero que entrem novos dirigentes na CBF com uma visão menos empresarial e mais voltada para o espírito esportivo.
Nélson Rodrigues e João Saldanha devem estar lamentando. O mesmo, certamente, deve estar fazendo o mestre Armando Nogueira. Que saudade do mestre Telê Santana! Todos eles, cultores de um futebol arte, leal, competitivo sem atavismos, grandioso com humildade e vencedor sem arrogância.


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Por Augusto Vieira - 1/7/2010 01:45:30
REGINAURO SILVA

Nos chamados “anos de chumbo”, em que enfrentávamos a ditadura, correndo riscos até de vida, para desespero de nossos pais, estudei Direito na UFMG, de Belo Horizonte. Costumava me esconder e passar férias escolares em minha aldeia. E foi assim que me tornei admirador dos escritos de um jovem, nascido às margens do Rio Jequitinhonha, na antiga “Vigia do Vale”, a belíssima Almenara.
Em 1970, pós-graduado, voltei para ficar, para ganhar a vida, coração cheio das mais sublimes esperanças. E lá estava o jovem escriba, preparando-se para prestar vestibular na Faculdade de Direito do Norte de Minas. Rebelde e artista – até porque o pai se chamava Rebeldino e a mãe levava o nome de uma das mais lindas musas do cancioneiro popular brasileiro, Laura – seria, pouco tempo depois, o líder universitário que enfrentaria o autoritarismo, presidindo o Diretório Central dos Estudantes. Ao mesmo tempo exerceria seu jornalismo com a maior coragem, independência e dignidade. Tornamo-nos amigos. Foi então que conheci para valer um brilhante, lapidado nas benditas terras e águas do Vale do Jequitinhonha, que transformam quase todos os seus filhos em artistas. E esse brilhante, como não poderia deixar de ser, reluziu Brasil afora, em duas profissões, advocacia e jornalismo, misteres cujos exercícios não deixam de também ser uma arte. Mas abraçaria também outra arte, a literatura, o que só os mais corajosos, despojados e destemidos conseguem. E o fez com muito carinho e esmero. Escreveu peças teatrais que foram reverenciadas por todos nós. Hoje é um dos orgulhos culturais de nossa aldeia, que também é dele, por adoção. Editor de um dos mais conceituados jornais de papel da região, ainda mantém um jornal eletrônico, chamado “A Província”, sempre inspirado por Laura Walma, o grande amor de sua vida, que carrega o mesmo nome de sua mãe. Certamente deve perguntar a ela, quando sente saudade de suas raízes:
– Laura, que é do Vale sempre em flor?
Assim é este meu grande companheiro de várias lutas democráticas, o intrépido Reginauro Silva, que eu trato, com o maior prazer, simplesmente por “Regis”, genitivo singular de “Rex”, palavra latina que significa rei, porque ele é, para mim, um dos ícones de nossa cultura e, por que não dizer como os baianos, “meu rei”. Saravá!


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Por Augusto Vieira - 21/6/2010 00:35:43

TIÃOZINHO DO BANCO

Meus pais foram padrinhos de seu casamento, daí a amizade histórica de nossas famílias. Era conhecido como “Tiãozinho do Banco”, porque foi fundador e primeiro gerente da agência do Banco Econômico da Bahia em Montes Claros, aonde, aos 14 anos, por causa dele, abri minha primeira conta bancária. Nasceu em Buenópoplis, MG, e, antes de chegar a este importante cargo, foi motorista de caminhão. A família fixou residência na “Princesa do Norte” e a matriarca tratava meu pai como se fora seu filho. Essa amizade estendeu-se aos descendentes de ambos e perdura até nossos dias. Tião era extremamente leal aos amigos, que eram muitos, dada à sua facilidade em conquistar os corações das pessoas. Gostava de beber seu uisquinho. Usava copo longo e ficava com uma das mãos tapando as bordas, mas com o dedo indicador dentro, mexendo o gelo. Quando o uísque amarelava ele dava sua primeira talagada. Sabia beber. Nunca abusava ou ficava de fogo. Sempre rodeado de amigos e música, foi marido e pai exemplar. Tininha (Ernestina Marques da Silva) foi o grande amor de sua vida, junto aos filhos Hélio, Rosarinha, Mazinho, Tininho, Paulinho, Ângela, Claudinho, Zé Alencar e Tiãozinho.
Tenho umas passagens interessantes vividas com ele para contar, porque, além de amigo, fui seu advogado, depois que ele deixou o banco e tornou-se grande empresário, em Montes Claros e no sul da Bahia (Brumado).
Logo que iniciei minha vida profissional ele, Mauricinho, Dácio Cabeludo e Zé Piriquitinho me convidaram, num sábado, para um poquerzinho na fazenda “Lagoa do Peixe”, de Mauricinho. Lá fui, pato, para, em menos de meia hora, perder mais de um mês de salário. Nunca mais joguei. Fiquei sem dinheiro para a feira do sábado. Que vergonha! Minha sorte foi que Zé Periquitinho me deu prazo para pagar o que perdera.
Mauricinho, Tone Mamoeiro, Walter Brasileiro e Zé Periquitinho, seus grandes amigos, sempre exaltavam sua lealdade. Quando derrubaram Mauricinho da universidade ele o procurou para hipotecar solidariedade e disse que se fosse algum problema de caixa, colocaria imediatamente à sua disposição um milhão de cruzeiros. Nosso Reitor, espantado, entendeu o gesto amigo, embora não tivesse gostado da dúvida sobre a lisura financeira da instituição que comandara por anos a fio.
Acompanhei alguns processos judiciais para as empresas de Tião, em Brumado. Quando o caso era urgente ele fretava um teco-teco para me conduzir. Tornei-me amigo da juíza, Dra. Magda, que gostava de uma viola. Ela passou a marcar minhas audiências às sextas-feiras para que eu permanecesse na cidade nos fins de semana. Fazíamos belas serenatas para a mãe de Newton Cardoso, D. Dezinha, uma pessoa maravilhosa, mestra de todos brumadenses, que preparava para nós, nessas ocasiões, uma senhora feijoada de fogão de lenha.
Depois que Tião foi para o andar de cima, continuei e continuo convivendo com Tininha e com os “meninos”. Compareci à festa dos 85 anos de Tininha, na casa de Claudinho. Depois que cantamos parabéns ela se levantou e saiu dançando pela sala, gritando e rebolando: “eu quero é sexo, eu quero é sexo!” Quase nos matou de tanto rir. Que mulher extraordinária! Sempre alegre, brincalhona e de um otimismo inigualável. É um exemplo de vida para todos nós. Nos 60 anos de Tininho perguntei-lhe o que desejava de presente e ele respondeu: uma mulher linda para fazer um strip-tease durante a festa. E não é que lhe dei esse presente? Tininha adorou o show da atriz, que causou verdadeiro frisson.
Imaginei o que Tião, se ainda estivesse conosco, diria, comentando esse presente maravilhoso. Certamente me faria, logo, aquela sua costumeira pergunta:
– Companheiro é o quê?
E antes que eu respondesse retrucaria, enfaticamente:
– Companheiro!
E balançaria, sorrindo, o couro cabeludo para cima e para baixo, coisa que muito poucas pessoas conseguem fazer.
Quando tocávamos viola e cantávamos em algum lugar e ele sentia que o violeiro estava cansado, ordenava imediata paralisação da música e cantava, pausadamente:
– “Não vás me abandonar, ó linda flor maravilhosa! O tocador quer beber. Prá?!”
E dava um pequeno intervalo para que o tocador também se aproveitasse das bebidas e guloseimas da jornada.
Esse o meu grande amigo Sebastião Alves da Silva, que deixou muita saudade em meu coração e de quem sempre me lembro, especialmente por suas espirituosas brincadeiras e pelo afeto que me dedicou. Meu caro Tião, onde você estiver, receba estas minhas pobres palavras, regadas a um bom uisquinho e a um delicioso tiragosto. Sua vida valeu a pena.


59167
Por Augusto Vieira - 10/6/2010 08:38:59
“ÉRAMOS FELIZES E SABÍAMOS”

Depois do sucesso alcançado em Brasília (DF), foi lançado, aqui em Belô, no dia 4 de junho, o livro “Éramos felizes e sabíamos”, que o prefaciante e coautor Tininho chama carinhosamente de “meu livro”. Nenzão comandou tudo, desde o Encontro dos Sessentões, realizado em 2009, em MOC, até a organização, publicação e lançamento do livro, com o maior desvelo. São 18 autores: Ademir Fialho, Carlos Lindemberg, Eduardo Lima, Felipe Gabrich, Haroldo Tourinho, Luiz Milton Velloso, Márcia Vieira, Murilo Antunes, Nilo Pinto, Paulo Henrique Souto, Raphael Reys, Ruth Tupynambá, Tião Martins, Tininho Silva, Virgílio, Virgínia e Walmor de Paula. Estou no livro, com três crônicas, não como membro da brilhante geração que realizou o Encontro, mas, suponho, como um fraterno amigo mais velho que deu a ela, antigamente, todos os “maus exemplos” possíveis, inclusive tocar bossas-novas ao violão.
Lugar melhor não poderia ter sido escolhido para o lançamento em Belô do que o Café Viena Beer, que tem ligações íntimas com a “República do Pequistão” (o mais novo epíteto atribuído a nossa aldeia, por Tino Gomes). Sobre ser aprazível e servir coisas da melhor qualidade, a empresa pertence a gente nossa, fundada que foi pelo inteligente e simpático Wilhelm Shlad, nosso querido Vili (tônica na primeira sílaba), marido de Neize Melo Franco, minha querida professora de Geografia, na Escola Normal, que eu chamo até hoje de “Zizi”, filha de “vovô” Aristeu e de “vovó” Pilucha, meus vizinhos na Coronel Prates, na minha infância. Vili veio da Áustria. Foi à fazenda de meu pai e ali um marimbondo o ferroou. Ficou aquele calombo vermelho no local e meu pai disse a ele que teria apenas mais três dias de vida. Foi dificílimo convencê-lo de que era uma brincadeira. Afinal ele nunca tinha visto um marimbondo. Foi dono da Mercearia Viena, na Simião Ribeiro, cujos frequentadores mais assíduos eram Walmor, Virgílio, John e Zé Guedes. Tive o prazer de rever o casal tão logo entrei, depois de abraçar Xandão (meu irmão) e cumprimentar Célio Balona e Eduardo Lima. Subi as escadas para o piso reservado ao lançamento. Quando vi aquele mundão de moquenhos reunidos saudei logo: - oi, tropa de fi duma égua!
A noitada foi maravilhosa. Muitos livros vendidos. Essa turma é mesmo feliz e sabe que é. Raphael Reys veio de MOC. Joel Antunes, meu querido Joe Cachorro Doido, veio de Uberlândia e quase nos matou de tanto rir contado seus famosos “causos”. Ademir Fialho, de São João da Ponte, tão bom quanto, não ficou pra trás. Tino Gomes e Genival Tourinho prestigiaram o evento. À meia-noite, felicíssima coincidência, comemoramos o aniversário de Célia, minha esposa. Publiquei em meu blog inúmeras fotos dos presentes. Só gente fina ou, como diria Henrique Chaves, bacana.
Em agosto o livro será lançado em MOC. Já comecei a economizar saúde.


58904
Por Augusto Vieira - 31/5/2010 13:59:57
COPA DO MUNDO - FRASES DOS ÕNIBUS

África do Sul: Futebol aqui é preto no branco.
Alemanha: A caneca é nossa!
Argélia: Sem essa de nadar, nadar, nadar e morrer nas dunas.
Argentina: Gracias, Dunga.
Austrália: Tirando onda dos adversários.
Brasil: Um ônibus, 10 volantes.
Camarões: Um time meio sem cabeça, mas cheio de pernas.
Chile: Um país inteiro tremendo de esperança.
Coreia do Norte: Vamos bombar nesse mundial!
Coreia do Sul: Vamos nos matar em campo. Mas se o jogo for contra a Coreia do Norte, matamos eles.
Costa do Marfim: Vamos, Elefantes! E ai de quem trombar com a gente.
Dinamarca: Ficaremos com os louros da vitória.
Eslováquia: Perdemos a Tcheca, mas não perdemos a honra.
Eslovênia: Pela milésima vez, não temos nada a ver com a Eslováquia.
Espanha: Não vamos fazer feio: convocaremos a Penélope Cruz.
Estados Unidos: Ê ô, ê ô, o Osama é um terror.
França: Desodorantes podem estar vencidos, o time nunca.
Gana: Gatos em pele de leões.
Grécia: Chuto, logo existo.
Holanda: Ônibus ecológico: fumaça só do lado de dentro.
Itália: A Copa do Mundo é massa.
Japão: A gente caberia numa van, né?
México: Se buscamos nosso lugar ao sol, porque temos que usar esses malditos sombreros?
Nigéria: Vamos tirar a barriga da miséria.
Paraguai: Copa do Mundo por apenas R$ 1,99.
Portugal: Seremos campeões em plena Ásia!
Sérvia: Vai dar Zebracovic.
Suíça: Vamos dar um chocolate neles.
Uruguai: Gaúcho é a mãe, tchê.


58878
Por Augusto Vieira - 30/5/2010 19:50:56
REPÚBLICA DO PEQUISTÃO

Em minha aldeia, Montes Claros, terra de Darcy Ribeiro, Cyro dos Anjos, Carlos Alberto Prates Correia e Godofredo Guedes, nasceu um artista chamado Tino Gomes, cujo pai, Dito, foi craque de futebol. O menino cresceu e também tornou-se craque, mas na música, na poesia e nas artes cênicas. Inteligentíssimo, simples, alegre e sorridente, hoje em dia conquista todas as pessoas que dele se aproximam, simplesmente por abrigar profundo sentimento de amor ao próximo em seu bondoso coração sertanejo. É um autêntico profeta do querer bem. Extremamente criativo, redesenhou o mapa do Brasil, com base na imensa área aonde existe a frondosa e famosa árvore chamada pequizeiro (nordeste/centro-oeste do Brasil e norte de Minas Gerais) e, em homenagem à sua fruta amarela, típica do cerrado, chamada pequi (cariocar brasiliense), criou a República do Pequistão, escolhendo Montes Claros para sua capital. E foi assim que ele e outros catrumanos malucos-beleza, (Picolino, Flávio Pinto, Odorico Mesquita e o autor deste artigo), começaram a desenvolver a temática e chegaram a algumas interessantes conclusões. Nosso balneário será Porto Seguro; nosso museu barroco será Diamantina; nossa highland será Salinas (por causa da melhor cachaça do mundo); nossos mais importantes portos de rio serão Januária e Pirapora; Salvador será nosso principal porto de mar; nosso planetário será Bocaiuva; nosso pentágono ferrífero, que vai de Pirapora até a famosa Chapada Diamantina, terá sede em Rio Pardo de Minas; nosso centro de produção de carne de sol será em Mirabela; nossa indústria de farinha de mandioca será em Morro Alto, e nosso centro de pesquisas (palavra que já contém o nome da fruta) será em Campo Novo.
A Républica do Pequistão terá uma população de cerca de 80 milhões de pessoas. Sua bandeira será verde e amarela, com a fruta amarela ao centro e a inscrição “trem bão dimuais”, de autoria do imortal roedor de pequi, de Coração de Jesus, Gentil de Queiroz.
Fica, portanto, lançada para o mundo a promissora República do Pequistão.


58704
Por Augusto Vieira - 25/5/2010 11:39:51
AMIZADE A UM CÃO - Já que várias pessoas vêm se manifestando neste Mural sobre a amizade entre pessoas e cães, não poderia deixar de incluir o grande mineiro Belmiro Braga que, em homenagem a seu cachorro de estimação, chamado "Príncipe", legou-nos um dos mais famosos epigramas da língua pátria.BELMIRO Belarmino de Barros BRAGA (07.01.1872 a 30.03.1937) nasceu em Vargem Grande, lugarejo antigo de Juiz de Fora, hoje município que leva seu nome. É um dos fundadores da Academia Mineira de Letras. Escreveu contos, crônicas, peças teatrais e foi iluminado trovador.Vai o epigrama, com um abraço a todos, especialmente a Ucho Ribeiro:
“Pela estrada da vida subi morros,
Desci ladeiras... e afinal te digo:
Se entre amigos encontrei cachorros,
Entre os cachorros encontrei-te, amigo!”


58445
Por Augusto Vieira - 17/5/2010 12:34:59
Li a mensagem 58417, do Alan e, tamanha foi minha alegria que quase pulei da cadeira. Deu vontade de soltar foguetes. É Montes Claros, novamente, na elite do futebol mineiro. Deixo aqui mais um apelo a meu amigo Luiz Tadeu Leite para que construa o MOCÃO. Vamos caminhar juntos, no vôlei e no futebol, honrando nossas tradições esportivas e divulgando o nome de nossa aldeia. Axé!!!PS: Na minha crônica sobre Tião Boi quero fazer uma retificação: onde se lê "tio" Lourenço Sant`Ana, leia-se "tio" Lourenço Miranda.


57702
Por Augusto Vieira - 26/4/2010 11:20:55
TIÃO BOI”

Eu tinha vizinhos maravilhosos em minha aldeia. De uma lado minha querida “Zinha”, que era Alice dos Anjos, em cuja casa viviam também suas duas irmãs Biela e Carlotinha. Do outro lado “seu” Marinho Português e minha querida D. Xininha, com aquela filharada bacana, pais do chefe de minha trinca, Gerinha Português, a quem Raphael Reys cognominou “Lenda Viva”. À frente, numa esquina, o Prof. João Neto e D. Maria, pais de Carminha, Edmundo, Branca e Paulinho, ao lado da casa de “seu” Mundinho e de D. Marieta. Ainda à frente meu querido e saudoso “tio” Lourenço Sant’Ana, pai de Boyzinho (Moacyr) e, depois, Wilson Athayde. Nas esquinas ficavam a vendinha de Orácio e a Sapataria de Lourival. Do lado esquerdo da casa de “seu” Mundinho, na Presidente Vargas, havia um imenso corredor interno, tendo à sua frente um pequeno cômodo, que dava para a rua. Foi alugado, lá pelos idos de 1957, a um jovem sapateiro, cujo nome era Sebastião Ramos Guimarães e cujo apelido era “Tião Boi”. Nasceria, então, a “Sapataria Nossa Senhora de Fátima”, que se tornaria um dos grandes pontos de encontro dos moquenhos. Tião, bom de prosa, com aquele seu jeito simples, sincero e, às vezes, até deselegante, devido a sua intrépida franqueza, tinha mania de filosofar sobre a vida. Exercia a profissão com maestria e era um touro no trabalho. Talvez aqui, suponho, a origem de seu apelido. Jogamos futebol no juvenil do Cassimiro de Abreu: Gerinha e eu de zagueiros, Alpheuzão de goleiro e ele e Haroldinho de laterais, tendo como técnico o grande Castilho. Nesse contexto fui me tornando seu amigo e, devido a isso, meus pais também, a ponto de ele ser um dos mais frequentes convidados de minha casa para um almoço ou lanche, ou para um fim de semana na fazenda. Ouvimos, em 1958, pelo rádio Semp, na voz de Jorge Curi, o Brasil sagrar-se campeão do mundo pela primeira vez e fizemos o maior carnaval lá em casa.
Tião Boi consertava sapatos na parte direita, aos fundos, sentado num banquinho, tendo ao lado uma pequena prateleira e à sua frente uma mesinha. Tudo de madeira e feito por ele. Em frente à mesinha havia um pequeno balcão, que deixava uma passagem do lado esquerdo, espaço dos banquinhos (muitos deles tocos de troncos de árvores) para receber os inúmeros amigos. Na parede, ao alto, em cima de uma porta, um poster de Nossa Senhora de Fátima e, logo abaixo, um outro, imenso, do Flamengo, duas de suas paixões. O próprio Tião pintava de azul as peças de madeira, para reverenciar sua terceira paixão, o Cassimiro de Abreu, que eu teria a honra de presidir, em 1971/2, tendo-o como membro da diretoria e abnegado conselheiro. A sapataria sempre era visitada por Aristóbolo Mesquita, que vinha do Rio de Janeiro à caça de talentos para o Flamengo.
Tião Boi tornou-se técnico de futebol de salão e fez times brilhantes. Ganhou muitos títulos. Eu já havia parado de jogar, mas ele sempre me inscrevia em seus times. Uma vez exigiu minha presença. Eu já trabalhava no Serviço de Assistência Judiciária da Faculdade de Direito da UFMG, mas como não atender à convocação daquele grande amigo? Parafraseando Charles Boa Vista, “fui de trem pra Montes Claros”. Faltando dois minutos para terminar o jogo ele me colocou na quadra e, por incrível sorte, num chute que nunca mais darei, a bola quase saíndo para a linha de fundo, marquei o gol do título no grande amigo e goleiro Pindoba (Eustáquio Milo). Fomos comemorar no Espeto de Ouro e a turma deitou-me, de barriga pra cima, nas mesas unidas e me deu o maior banho de cerveja.
Tião se casou e não foi feliz. Como “desgraça pouca é bobagem”, ainda pegou uma doença alérgica na pele, talvez causada por seu contato diário com o couro de boi. Teimoso, não seguia as normas do tratamento. Paulinho Dias quis levá-lo para o Rio de Janeiro para tentar curá-lo, mas ele não aceitou. Faleceu, no esplendor da vida, muito sozinho, numa casa que construíra, com imenso sacrifício, no Bairro Todos os Santos. Sempre que ia a Montes Claros o visitava e ficava muito triste em vê-lo naquela situação.
Dos frequentadores mais assíduous da sapataria, em meu tempo, recordo-me, dentre muitos outros, de Betão Viriatinho, Gentil, Beto e Quincas de Queiroz, “seu” Lucinho Narciso, Jackson Athayde e Ricardo Tupynambá (grandes amigos que recentemente nos deixaram), Ruizão e Berilo Maia, Zé Carlos Gomes, Zé César Vasconcelos, Coró e Chiquito Barbosa, William e Zé Geraldo Santos, Valmir Alencar, Taque Maia e Tidinho Xorró, Paulinho Dias, Nélson e Nivaldo Santos, Xandão (meu irmão), Tatu, Felício Fernandes (Gaguinho), Zé Venâncio e seu irmão, um garotinho bom de bola e letras chamado Alberto Sena.
Felício Fernandes, o Gaguinho, famoso ponta-esquerda – aquele que deu uma “gaúcha” em Almerindo e deixou imediatamente o treino no campo do Cassimiro, de uniforme e chuteiras, para comemorar no Bar de Zé Piriquitinho, na Praça Dr. Carlos –, uma vez, elaborou e recitou para nós um poema ininteligível, que até hoje repito quando me lembro da turma da “Sapataria Nossa Senhora de Fátima” e de seu artífice, nosso querido e inesquecível amigo “Tião Boi”.
“Tu,
Não seja já!
Vem, vírgola,
Ó parte omana!
Me chama Judite.
E vem zabelê,
E vem sabeá.
E ponto final.”

PS: Quem tiver uma foto de Tião Boi, por favor, envie para mim, pela internet (avbalinha@gmail.com) para que eu ilustre essa crônica, que também foi publicada em meu site de literatura (http://sites.google.com/site/quidialas), no link AMIGOS.


57572
Por Augusto Vieira - 22/4/2010 11:51:55
ZÉ AMARO

Bateu saudade de José Mário de Araújo. Ele sempre ia à minha casa, na Presidente Vargas, porque era amigo de meu pai. Essa amizade, suponho, deve ter nascido nos tempos em que o velho Nonô era sócio de seu irmão, meu tio Augusto Getúlio, na firma Vieira&Cia, ou seja, durante ou pouco antes dos anos 30, do século passado. No fim dos anos 50, adolescente, deliciava-me com aquele seu jeito espalhafatoso de falar: voz de timbre agudo, em tom elevado, intercalando entre as frases homéricas gargalhadas e finalizando-as com as interrogações “ouviu?” ou “tá ouvindo?”, que repetia e pronunciava “ourriu?” ou “tá orrino?”. Jamais esquecerei de sua botina “rangideira” marrom-glacê, de sua calça de brim e de suas belas camisas. De baixa estatura, barrigudinho, rápido em tudo, tão logo chegava alegrava qualquer lugar. Ele chamava Nonô de “Norica”. O que é a vida: duas décadas depois, Nonô faleceria nas mãos de Paulinho, competente cardiologista, filho de Zé Amaro. Eu estava junto, sofrendo a irreparável perda de meu pai. Paulinho chorou conosco, porque também gostava muito de Nonô. A gente herda os amigos de nossos pais.
Quando eu tinha pouco mais de doze anos, Zé Amaro candidatou-se a vereador e dediquei-lhe a seguinte poesia, que foi publicada na “Gazeta do Norte”, jornal do inesquecível Jair Oliveira. Ei-la, com os retoques do tempo:

Ele é um grande homem
Candidato a vereador
Em sua ilustre carreira
Só falta título de doutor.

É também negociante
Político de coração
E está bem convencido
Que vai ganhar a eleição.

Trinta votos garantidos
O Zé Amaro já tem
Mais oitenta ou cento e vinte
Ele disse que inda vem.

Quem votar em Zé Amaro,
Aqui no nosso rincão,
Gastará menos moedas
Pra comprar o seu feijão.

Zé Amaro conseguiu dar cama, comida e escola a sua filharada, tendo como atividade o comércio num armazém da Ruy Barbosa, ao lado do antigo Mercado. Inteligente, esperto, trabalhador e pai extremoso, deu a todos o maior conforto, moral e material. E como ele se orgulhava dos sucessos daquela inteligente ninhada! Alardeava-os aos amigos, naquela época em que as alegrias da vida eram muito mais compartilhadas. Fez um estardalhaço quando um passou no vestibular de medicina e outro foi aprovado nos exames da Academia Militar de Agulhas Negras. Quanto ao último, vaticinou logo: – esse será Presidente da República, “ourriu”?
Há duas estórias que me contaram dele que são antológicas. Era compadre de Pedro Santos. O consultório de Pedrão ficava na esquina da Dr. Veloso com Padre Augusto. A sala de espera sempre lotada. Pedrão examinava as partes íntimas de sua esposa quando, de repente, Zé Amaro abriu a porta e disse, alto e bom som: – compadre, faça de conta que você está examinando sua própria mãe, “tá ourrino”? A outra é a dos penicos. Ele estocara muitos e não os vendera. Sabia que um colega comerciante não os tinha no estoque. Combinou com mais de dez meninos para irem, em espaços regulares e dias diferentes, mas seguidos, à loja do outro perguntar se tinha penicos. Livrar-se-ia, assim, de empacados urinóis, transferindo-os ao colega, que dele compraria, poucos dias depois, quase todos, para tentar revender, ante aquela inusitada procura.
Zé Amaro deixou esta vida feliz e realizado. Embora tivesse fama de sovina, foi extremamente bondoso, sem alardear o bem que fazia ao semelhante. Eu o vi ajudar muita gente, especialmente os pobres e miseráveis. Tornou-se figura emblemática de minha aldeia, caricaturada por nosso fabuloso artista e médico Konstantin Christoff. Estórias tendo-o como personagem rodaram mundo. Hoje, certamente, estarão a circular em bem-aventuranças, onde ele deve ter encontrado muitos companheiros bons de prosa, que tiveram a felicidade conhecê-lo aqui embaixo.
Que Deus o tenha, meu caro Zé Amaro! “Tá orrino”?

***
Meu caro Raphael Reys.O que faço, quando os recebo aqui, é apenas em retribuição ao que vocês, “Imperadores do Divino”, fazem por mim quando vou aí rever minha mãe e matar um pouco da imensa e constante saudade da gente de minha aldeia.Que Deus nos permita repetir sempre esses indeléveis bons momentos de amizade e alegria! É isso que vale a vida!Muito obrigado!


57030
Por Augusto Vieira - 9/4/2010 06:39:01
DAS REGULAÇÕES ESTAPAFÚRDIAS

O Mestre passava em frente a um restaurante, quando dele se aproximaram dois senhores, idosos, com mais de oitenta anos, e lhe perguntaram a respeito de uma lei que os proibia de fumar naquele local. Os dois revelaram que tomavam sua cervejinha, uma vez por semana, há mais de sessenta anos e que, agora, se sentiam privados do prazer de fazê-lo acompanhado de um cigarrinho. Veio a resposta:
- Vocês são de uma geração em que o cigarro era considerado charmoso. As moçoilas gostavam mais de namorar os fumantes do que os não fumantes. Era chique, o hábito de fumar demonstrava maturidade e independência e era amplamente divulgado nas telas dos cinemas. Casablanca, por exemplo, é um filme todo enfumaçado. Quem não se lembra das longas tragadas de Humphrey Bogart? Aí começaram a atribuir ao uso do fumo as causas de várias doenças, inclusive do câncer. Foi um Deus nos acuda. Está virando moda não fumar. E os próprios não fumantes passaram a fiscalizar os fumantes em ambientes onde é proibido o uso do cigarro, muito mais devido à intolerância social do que por zelo pela saúde pública. Isso, no entanto, meus caros, faz parte de um esquema muito maior, que é o da dominação das pessoas. É necessário manter o povo alienado, ignorante e medroso para que sua vontade possa ser manipulada nas campanhas eleitorais. A melhor maneira de dominar uma pessoa é proibi-la de fazer algo corriqueiro. Aí surgem leis estapafúrdias, draconiamas, lesivas à liberdade individual, como essas do tipo antifumo e anti-álcool. A continuar assim, qualquer hora regularão quantas vezes por semana o cidadão poderá manter relacionamentos íntimos. Agora, desmatar florestas, poluir rios, expelir gases maléficos pelos canos de descarga de veículos e chaminés das fábricas, isso é permitido. O cidadão moderno é um simples pagador de pesados tributos e vítima de grandes desfalques de seu dinheiro por empresários, políticos e funcionários públicos corruptos. E, ainda por cima, é privado dos mais elementares prazeres da vida. Ou seja: prevaricar, pode; poluir, pode; pagar tributos, pode. O que não pode mais é beber uma cervejinha, moderadamente, com os amigos e voltar para casa dirigindo um carro. O que não pode mais é fumar em locais fechados destinados ao público, ou seja, principalmente nos bares e restaurantes onde nos congraçamos e nos comunicamos, até para falar de política e nos queixarmos das lesões a nosso patrimônio comum. Isso tudo sem contar que ainda somos aconselhados a só fazer amor com uso de preservativos – emborrachados –, quando se sabe que dificilmente uma pessoa sadia que não pratica sexo anal e não usa drogas contrairá esse tal de HIV. Mas as grandes multinacionais da farmacologia têm que vender seus medicamentos e recuperarem o que investiram em pesquisas e produção deles. Então vai meu conselho a vocês dois: sempre que puderem burlem leis e normas estapafúrdias como estas, senão vocês ficarão enclausurados em suas casas, fumando e bebendo sozinhos. Vivam o resto de suas vidas felizes. Seria muito constrangedor à polícia prender octogenários por fumarem e dirigirem após beberem, com moderação, apenas um pouquinho acima do permitido.
Assim falou Nabonosseu.


56992
Por Augusto Vieira - 8/4/2010 10:17:22
ZEZINHO DA VIOLA

Dizíamos, orgulhosos, que os momentos mais propícios às reuniões de amigos em mesas de bares não eram os finais de semana. Que eles eram destinados aos amadores. Que o dia dos profissionais era a segunda-feira. E assim nos habituamos a encontros semanais no Bar Brasil, o que ficou batizado de “segunda sem lei”. De repente o pessoal foi se dispersando. Infelizmente o Bar Brasil fechou. O imóvel, histórico, foi vendido e dará lugar a mais um espigão. Paulinho Pedra Azul, sugeriu que revivêssemos a segunda sem lei. Resolvemos fazê-lo só que, ao invés de num bar, em minha casa. Mal anoiteceu a turma foi chegando, a festança foi crescendo e minha sala se transformou num palco de harmoniosa orquestra, até a última música, cantada quase ao amanhecer. E ela foi justamente “O Sonho”, de Zezinho da Viola, sob os comandos de Paulinho e Tadeu Franco, com acompanhamentos de Yuri Popoff e Marcelo Drummond. Despedi-me do último convidado e, antes de dormir, resolvi abrir meu correio eletrônico. Dois dias antes, uma pessoa chamada Anna Patrícia Dias Silva me lera pela Internet e me indagara se eu tinha alguma informação sobre Zezinho. Respondera, apenas perguntando quem e de onde era ela. E lá estava a resposta:
“Sou neta de Zezinho da Viola. Quando a minha avó Joaquina era viva, eu era nova e não perguntava muito sobre ele. Agora é que tenho consciência da sua importância. É claro que tenho meu pai, José Pedro, e meus tios para conceder informações, mas depoimentos de terceiros são sempre interessantes. Abraços. Anna.”
Que incrível coincidência! Pareceu coisa vinda diretamente de Deus. Emocionado, respondi: Anna, que beleza falar com uma neta de Zezinho da Viola. Sabe? São mais de quatro horas da madrugada. Aqui em casa ocorreu uma “segundona sem lei” e cantamos várias músicas de seu avô, inclusive “O Sonho”, encenada por Tânia Alves, no filme Cabaré Mineiro, de nosso conterrâneo Carlos Alberto Prates Correia. Seu avô trabalhou com meu pai, na Vargem Grande, e eu o conheci nos meus oito anos. Quando morreu, abraçado à viola, numa enxurrada, comuniquei o fato (eu já estudava na Faculdade de Direito da UFMG e já tinha dezenove anos) ao Prof. Alberto Deodato. Logo depois o mestre publicou, no “Estado de Minas”, uma belíssima crônica em homenagem à sua memória. Seu avô era forte, bonito e artista. Seu sorriso era largo. Sempre alegre e feliz transmitia a todos a bondade de seu nobre coração. Anna, você pode acessar o site montesclaros.com e verá o quanto nós ainda somos uma aldeia, uma tribo de gente amiga. Obrigado e um grande abraço.
Adormeci com o nascer do sol, pensando em Zezinho e em sua neta. E foi então que “sonhei qui tinha morrido e vêi gente pra me guardá. Fiquei muito avechado, quando fôro me lavá. É qui eu tava cum corpo sujo e pegaro a caçoá. Lavareu cum sabão, marrarasminhamão e me pusero num caxão. Gente em alta escala pegaro a chorá. Me levareu pra igreja pru santo me recumendá. Me pusero um castecismo qui tava lá no artar. Rezaro só cinco minuto e cumeçaro a retirá. Tava chegano a hora do povão me sepurtá. Acordei nessa hora, gritei minha Nossa Senhora e garrei a chorar...”
Chorar, sim, Anna Patrícia, de saudade. Saudade de seu avô Zezinho e de sua viola de dez cordas. Saudade de seus doces acordes sertanejos que ainda ressonam no lindo luar de Montes Claros e continuarão a me fazer feliz e a embalar meus sonhos pelo resto de minha vida.


56868
Por Augusto Vieira - 5/4/2010 09:35:33
PEDOFILIA

A prática da pedofilia por religiosos é muito antiga. Só que sempre se pôs pano quente nela, até porque os criminosos confessam os atos libidinosos a seus colegas, obtêm perdão e cumprem penitências, na esperança de encontrarem o caminho de suas redenções.
A gravidade maior do problema reside nas infelizes e inocentes vítimas, porque carregarão dentro delas, enquanto viverem, indelével chaga.
Houve, sim, omissão da Igreja Católica, já assumida por muitos de seus membros, no combate à pedofilia praticada por clérigos, o que fez com que o caso assumisse as atuais proporções. Estamos aguardando enérgicas providências do Vaticano, sem prejuízo das ações cabíveis na justiça comum, com punições severas aos autores dos crimes e ressarcimento dos danos morais às suas infelizes vítimas.
A continuar essa imperdoável omissão, qualquer hora um pedófilo baterá às portas do céu só porque soube que lá reside um tal de Menino Jesus...

PS. Para Carmem (MS56864). Sua mensagem mostra que você está ansiosa para que o Brasil comece em 2010. Só que depois da Semana Santa vêm a Copa do Mundo e as eleições, essas certamente com segundo turno nas proximidades do mês do Natal.


56780
Por Augusto Vieira - 1/4/2010 03:15:45
“JORNAL DE MONSCLARO DE HOOOJJ!!!”

Tomava uns chopes no ex-Bar Brasil com Paulinho Pedra Azul e Beto Guedes. De repente Beto nos surpreende, quase cantando, com as seguintes palavras: “Jornal de Monsclaro de hooojj!!!” Claro que logo entendi o que ele estava relembrando. Era do musical grito, indelével em nossas memórias, dos meninos que saíam a vender o “Jornal de Montes Claros”, tão logo a edição ficava pronta. Grito de crianças felizes porque ganhariam uns trocados para comprar refrigerantes, pipocas, balas-doces, quebra-queixos e picolés, ou para ajudar suas famílias. No anúncio omitiam a letras “t” e “e” e o último “esse” do substantivo composto Montes Claros, bem como a pronúncia da vogal “e” na segunda sílaba da palavra hoje, de modo que o brado juvenil ficava realmente como Beto o cantara: “Jornal de Monsclaro de hooojj!!!”
Logo depois Beto nos revelaria que, menino, pedira a Godô uns trocados, que lhe foram negados com a maior educação. Resoluto, fora à sede do “Jornal de Montes Claros”, pegara dez exemplares para vender e saíra gritando pelas ruas da cidade: “Jornal de Monsclaro de hooojj!!!” Foi tão legal o modo pelo qual ele reviveu essa sua faceta de ex-vendendor do “Mais Lido”, que, marmanjos, ficamos a cantar naquela mesa do calçadão do bar, qual meninos, para a perplexidade dos demais presentes, dos transeuntes e dos amigos que se acercavam de nós: “Jornal de Monsclaro de hooojj!!!” Paulinho Pedra Azul vaticinou que aquilo daria refrão para uma bela música. Concordei, no ato. Belo refrão, sim, meu caro Paulinho, que, até hoje, decorridos mais de vinte anos do fechamento do jornal, ainda ressona nos ouvidos da gente norte-mineira, nos quais ecoou por mais de trinta e oito anos. O “Mais Lido” não morreu. Continua vivo, principalmente nas pessoas de seu grande artífice, o mestre Oswaldo Antunes, e de seus escribas e demais servidores, espalhados por estes brasis, cultivando um jornalismo de alto nível, saboroso e ético, bebido em fonte tão límpida.


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Por Augusto Vieira - 29/3/2010 17:46:49
“QUINHENTO PRO CADÁVER!!!”

Era conhecido simplesmente por “Paulista”. Residia num barracão, no bequinho, ao lado da antiga fábrica, ali na Coronel Prates, perto da Santa Casa. Era paulista. Deve ter sofrido grande drama, porque vivia na mais absoluta solidão, amparado apenas, suponho, pela família de “seu” Meinardo, seu elegante e bondoso vizinho, que residia em frente à avenida. Seus cabelos, sedosos, eram cinzentos. Sua barba fechada, ponteada por fios embranquecidos, ora feita, ora por fazer, emoldurava um rosto fatigado e um olhar tenebroso. Fumava desbragadamente, ora cigarros, ora um cachimbo, e cuspia grosso. Seus dentes, escurecidos pela nicotina, eram grandes e pontiagudos. Sempre andava com um terno cinza, ora limpinho, ora sujo. Em certos dias, de lucidez, penso, limpava seu corpo, sua roupa e seus sapatos, para caminhar pelas ruas, usando uma gravata borboleta vermelha e um elegante chapéu cinza, relembrando o tempo em que fora feliz e saudável. Tinha uma doença crônica nas pernas. Seus passos eram milimétricos. Andava com o corpo inclinado para baixo. Gastava horas para fazer o percurso, de menos de um quilômetro, de seu barracão até antigo mercado da Praça Dr. Carlos. E a meninada, ao vê-lo passar, gritava, em coro, para irritá-lo: Quinhento pro Cadáver!!! E recebia de volta os mais requintados xingamentos daquele moribundo que mal conseguia se manter nas próprias pernas e erguer sua cabeça, especialmente nesses momentos de extrema ira. Com o tempo passou a usar uma bengala, o que impedia a garotada de aproximar-se de seu débil corpo para provocá-lo. Acredito ter sido um homem culto, trabalhador e de recursos, que deve ter perdido tudo e saído, por este mundão, à procura de paz, até chegar a minha aldeia, onde se fixou. Mas continuou carregando sua cruz, agora acrescida do peso da falta de misericórdia da criançada. Esse pobre homem marcou a vida de um menino, cujo coração ainda dói pela impiedade e que tem muita curiosidade em saber sua verdadeira história, antes que ela morra. História de um ser humano, que pode ser inspiradora de um grande romance. Meu caro “Quinhento pro Cadáver”, hoje, aos sessenta e cinco anos, aquele menino traquinas roga, ajoelhado e contrito, seu perdão. Que Deus o guarde!




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