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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 2 de novembro de 2024
 

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Mensagem: REMINISCÊNCIAS Ruth Tupinambá Graça Felizmente as aulas já se iniciaram. Vejo a correria dos pais levando os pequerruchos para as escolas infantis, os maiores para os cursos fundamentais e a juventude alegre e despreocupada a caminho das faculdades. É um espetáculo animador, que nos enche de esperança, de um futuro melhor, mais tranqüilo, com mais sabedoria, cultura, solidariedade. Vendo este movimento, lembrei do meu tempo de estudante na antiga Escola Normal Oficial de Montes Claros, onde também estudaram grandes homens: Cyro dos Anjos, Darcy ribeiro, Hermes de Paula, Candido Canela e muitos outros que merecem nossa admiração e respeito. Era a única opção naquele tempo. Funcionava naquele casarão antigo (hoje casarão da Fafil, todo reformado) de portas e janelas gigantescas, sacadas de ferro, com belíssimos arabescos e largas escadarias com os corrimões trabalhados em madeira de lei, retratos de uma arquitetura antiga, executada por simples mestres de obras, que nunca freqüentaram uma Faculdade de Arquitetura ou Engenharia. Entretanto, esforçados e inteligentes, deram à nossa cidade antiga belos sobrados, que ainda hoje continuam firmes, enfeitando nossas ruas e praças. Infelizmente, muitos já foram demolidos (um crime) que não me canso de reclamar. Mas o que fazer? É a eterna displicência dos montesclarenses de hoje. Nossa cidade não possuía clubes sociais. Eram no Casarão da Fafil todas as festas e bailes, em beneficio da Caixa Escolar. As escolas eram pobres de fazer dó e o nosso governo nem se lembrava que elas existiam. As diretoras eram obrigadas a providenciar manutenção, material escolar, merenda, etc. A única solução eram os bailes em beneficio da Caixa Escolar que aos ´trancos e barrancos´ mantinham as escolas públicas. Esperávamos com ansiedade estes bailes (uma rara oportunidade para os namorados se encontrarem), principalmente porque não tínhamos outra opção e também devido ao regime rigoroso dos pais. As belas sacadas, nas portas da frente eram o refúgio dos namorados. Por trás das pesadas cortinas, as mãos atrevidas se encontravam e os olhares lânguidos traduziam tudo,enquanto os outros casais deslizavam ao som do piano de Dulce Sarmento, o sax do Tonico Teixeira, o bandolim de Ducho e a clarineta do Adail Sarmento. Tocavam a noite inteira sem nenhuma remuneração, colaborando com as diretoras para o bom funcionamento das escolas. Graças ao ambiente do ´Casarão´ e o romantismo daquela época, muitos ´romances” se concretizaram em casamentos (inclusive o meu), formando as famílias tradicionais que ainda hoje existem na multiplicação dos filhos, netos e bisnetos. Bendito Casarão, e bendita Escola! Fechando os olhos, recordo meu tempo de estudante ´novinha em folha´ com meus 15 anos (quando comecei o Curso de Magistério), cheia de vida e o coração transbordando de sonhos e esperanças... Da sacada do ´velho Casarão´, às doze horas (horário de começarem as aulas) eu vejo os meus professores, um a um, descendo apressadamente a rua Dona Eva (ninguém possuía carro) com os livros apertados em baixo dos braços. Dr. Plínio Ribeiro, pontualidade inglesa, não atrasava um só minuto. Sistemático, enérgico, mas competente professor, transformando suas aulas de Ciências Naturais num show de sabedoria e cultura; Dr. Alfredo Coutinho (pai da querida historiadora Milene Mauricio), extremamente educado, um perfeito cavalheiro, se esmerava em suas aulas de História; Dr. José Thomaz de Oliveira (pai do grande jornalista Jair de Oliveira) sério, inteligente, mas extremamente amigo dos alunos. Sabia transmitir e tornar agradáveis as aulas de geografia; Dr. João Câmara, grande mestre da matemática. Um tanto sisudo, mas um coração de manteiga: não sabia dar ´zero´ e olhem que esta matéria é ´fogo´; Dona Joana D`Arc Veloso, a tranqüilidade em pessoa. Competente nas suas aulas de francês(foi este francês que me valeu, quando fiz vestibular aos 60 anos); Dulce Sarmento com suas aulas de Música e Canto Coral, se esforçava para nos ´ilustrar´ com as tradicionais músicas clássicas e de salão. Dona Lília Câmara (a primeira mulher que fez curso superior em nossa terra, formando em Belo Horizonte), no seu português impecável: a ela devo o que aprendi da nossa difícil e complicada língua portuguesa. Era enérgica e brilhante; Dr. Marciano Mauricio, galanteador e a diplomacia em pessoa, conhecedor da matéria de Psicologia Infantil e Higiene Escolar. Unia o útil ao agradável, era um tremendo ´pé de valsa´, não perdia os bailes da Caixa Escolar e dançava com todas as alunas; Dona Nazinha Maurício; Dona Niêta Veloso, Taúde Pinheiro, Anelita Vale, Zinha Sarmento, com muita saudade as recordo. Extremamente dedicadas, cumpriam religiosamente a missão de ensinar e completavam o Programa Escolar da nossa Escola. Todos trabalhavam por amor, pois o salário era mínimo e chegava em suas mãos com ´aquele atraso´... Doninha Câmara era Inspetora de alunos, e como era enérgica! Vigiava nossa turma constantemente e “ái” daquela que ousasse trazer o namorado até a porta da Escola. Para comentarmos as novidades da terra, escondíamo-nos em baixo das escadas do velho Casarão. Ela não admitia grupinhos fofocando(mas certas horas era tão camarada!). Muitas vezes se prontificava a nos levar ás festas de fogueiras e com o bando de moças, atravessava a cidade em direção a malhada dos Santos Reis, sitio do meu tio Pedro Mendonça ou à chácara do Pequi de João Mauricio e ainda , à dos Bois da família Peres. Era aquela folia, dançando até o amanhecer ao som da sanfona de João Moreira. Aquela escola nos proporcionava muita cultura e também muita alegria. Foi um tempo muito bom e inesquecível. Para infelicidade da juventude montesclarenses, esta escola foi cortada em 15 / 02/ 1938 pelo dec. 63. Este ato infeliz, quanto inexplicável, foi uma tragédia para nossa cidade. Decretado pelo Interventor, Dr. Benedito Valadares e, até hoje, não se sabe o motivo deste desastroso acontecimento. O Velho Casarão ficou vazio triste e mudo. Aquela mocidade alegre que enchia seus salões ficaram sem opção por muitos anos com o fechamento da escola, que era a única em nossa terra, aberta aos ricos,e pobres, brancos e negros, sem distinção de raça ou credo.. Dr. Plínio Ribeiro, quando deputado federal, em um dos seus admiráveis gestos, retornou para nossa cidade a escola normal, que até hoje existe. Não bastasse o admirável empenho em trazer a cultura e a educação para todos, doou ,de seu patrimônio pessoal, o terreno, sem cobrar do estado um centavo sequer! Tal exemplo deveria servir de parâmetro, orientação e inspiração para os nossos homens públicos, políticos e administradores de hoje em dia. (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 96 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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