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Mensagem: Tempo de caçar tanajura Alberto Sena Quando era chegado o tempo de caçar tanajura, na Rua São Francisco, em Montes Claros, os meninos tiravam as camisas e saíam correndo atrás delas. Eles giravam as camisas sobre as cabeças e uma a uma era apanhadas e juntadas numa latinha. Nunca comemos bunda de tanajura frita. Naquela década de 50 já diziam em Montes Claros ser “um prato delicioso, bundinha de tanajura contém muita proteína”. Mas, experimentar ou não ficava a critério de cada um. De certo modo nos despertava asco. O tempo de caçar tanajura tinha relação direta com o fim da estiagem, da sequidão. Era quando vinham as primeiras chuvas. O pó vermelho da terra virava lama. Quando acontecia uma trégua o sol furava as nuvens e era então quando as tanajuras brotavam do chão, da terra nua e crua. Aonde foram parar as tanajuras? Não se veem mais nenhuma. O asfalto foi o vilão de tudo. No tempo em que as tanajuras brotavam do chão, a terra respirava por todos os poros. Veio o asfalto e impermeabilizou tudo. Além de sepultar para sempre as tanajuras, o asfalto levou multidão sem conta para dentro de sete palmos de terra ao dar aos veículos automotores a possibilidade de desenvolver mais velocidade. Enquanto as tanajuras eram caçadas, no quintal as primeiras mangas maduras surgiam. Era um correr em disparada quintal abaixo, como um tropel de animais para trepar feito macacos na mangueira e se lambuzar com as mangas do verão entrante. Então chegava a vez da majestade, o pequi. O cheiro forte alcançava distâncias e penetrava narinas e estômagos esfomeados. A panela crepitava no fogão a lenha enquanto o arroz ganhava o tom amarelado do pequi. As bocas se enchiam d’água. “Cuidado, devagar, roa sem enfiar os dentes”, a recomendação era ouvida e seguida à risca. Nem queiram imaginar quando acontecia de alguém encher a boca de espinhos de pequi. Do mercado, aquele casarão da Praça Dr. Carlos vinham cagaitas, umbus, pitombas e araçás. Do quintal de dona Geralda e do senhor Nilo, vizinhos de muro, vinham cajus vermelho e amarelo numa bacia. O sertão em plena festa anunciava a proximidade do Natal. Nessa época, vale realçar para as gerações d’agora e as futuras, o Menino Jesus nascia em todas as casas e parecia mais presente ainda nas casas onde havia armados presépios. Era uma alegria armar presépio. Cata aqui, cata acolá, eram ajuntados jornais velhos para passar neles uma tinta escura a fim de dar a impressão de pedras. Depois, com todo cuidado, aquelas mãos pequenas e frágeis construíam o presépio, de certo imaginando como se passou o que se deu naquela bendita noite, em Belém da Judeia. Depois de pronto o presépio, as mãos pequenas e frágeis espargiam na gruta um punhado de areia branca, fininha. Então chegava a vez dos personagens bíblicos testemunhas oculares do divino nascimento do Menino Jesus ser introduzidos em cena. “Ele veio ao mundo para nos salvar”, pregavam. A figura do menino deitado na manjedoura só podia ser colocada no presépio do dia 24 para 25 de dezembro, quando é chegado o dia Dele. A vida caia do céu por meio da chuva. Os primeiros pingos pareciam bólidos vindos do espaço. Os pingos levantavam o pó da rua e criavam a imagem de soldadinhos enfileirados marchando apressados. Logo desapareciam à medida que a chuva molhava a terra. Era esse o panorama visto da janela da sala da casa em estilo colonial, paredes de cor bege. As portas e as janelas verdes, grandes e altas. O porquê de tão altas, ninguém explicava. “Seria aqui casa de gigantes?” No campo, os agricultores de mãos grossas de empunhar enxada ajoelhavam no chão para agradecer a Deus pela chuva criadeira. Era chegado então o tempo de lançar as sementes no chão quase morto de sede. E assim acontecia o milagre da criação na aridez do sertão montesclarino. O coração de cada um bombeava a certeza de que o Ano Novo seria melhor, farto. O gado teria pasto e estavam garantidos o leite e a carne bovina, suína e “franguína” das crianças. A vida seguia o curso pachorrento, lento, quase parando. A mata ressequida, feito esqueletos em pé, dum dia para o outro recuperava o verde. Os olhos se enchiam do verdor e da beleza rústica e delicada do Cerrado. E enquanto isso, os passarinhos fazendo “piu piu”, de galho em galho cantavam loas à Mãe Natureza. Era (é) uma beleza!
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