Para onde foi Montes Claros? (da nossa infância.)
Caminhando pelas ruas do passado, paro na esquina, espero alguns minutos, volto no tempo. Ainda meio confuso procuro sincronizar o que é com o que foi;o barulho do trafego, a sirene, o bente-altas, a pelada na rua, o circo do Zeca Porrão; pelo menos é o que tento. A esquina de Corrêa Machado e Mello Vianna não é mais a que vivi. Foram se o Bar de D. Linda, a sorveteria de Miltão, o armazém de D. Zó e muito antes deles, o cabaré de Zé Coco. Caminho pela rua, piso no asfalto que me parece muito mais velho do que a calçamento pé de moleque que antes havia por aqui. O Cine Ypiranga também sumiu, levando para sempre os engraxates, a troca de revistas, o cowboy, a moça quase nua e aquele monstro em forma de ameba que apavorava nossa infância. Continuo pela Mello Vianna, a estação também não é a mesma, não tinha aqui esse viaduto. A rodoviária mudou, o burburinho dos migrantes, o trem “de” Monte Azul já há muito partiu. De “Trem pra Montes Claros” agora só na canção do Raízes. O Dr. Francisco Sá na Praça. Raul Soares continua la, saudando o sertão com seu gesto largo, na base do monumento pude ler um sincero “muito obrigado” (Gratias tibi agit respublica) e “ I – IX – MCMXXVI “ (1-SET-1926), o dia em que o primeiro Trem da central (EFCB) chegou por aqui. Desço pela Francisco Sá, a nossa catedral continua linda, apesar de não existirem mais os altares de mármore da minha primeira comunhão, demolidos não sei porque. Esplendor gótico no coração do sertão. Planejada para ser construída em alguma capital no leste da Europa, o projeto extraviado apareceu por aqui. Se isso é lenda não sei, não me lembro de onde ouvi, talvez o nosso vizinho Levy Pimenta tivesse a resposta. Desço a Grão Mogol, os assustadores transformadores da subestação elétrica vaga-lume já não nos metem mais medo, as casas das “tias” na Padre Augusto também há muito se foram. Um quarteirão abaixo era o “atelier” do Godofredo Guedes. Não conhecia muito sua arte propriamente dita mas me encantava vê-lo pintar placas comerciais e assinar com o G.G. de pernas bem compridas, como elegantes bengalas, como as bengalas do meu avo Ernesto, era assim que eu as via. Outra esquina e estou na Gov. Valadares, a sapataria do Seu Penalva há muito se foi, a sapataria do meu pai continua la, pequena e solitária testemunha de um tempo passado, a única sobrevivente da então antiga Rua do Bate-Couro, assim conhecida pelas inúmeras selarias, sapatarias e a fabricação de chapéu de couro. Agora caminho pelo centro. As massas e volumes da arquitetura do meu dia a dia, vivendo do outro lado do mundo, me parecem fora do lugar aqui, sem contexto, como que sufocando as ruas estreitas e as calcadas diminutas. As ruas me parecem muito mais estreitas do que quando eram vistas pela perspectiva do menino no passado. Praça Dr. Carlos, a cacofonia, a dissonância de buzinas, carros e motos num caótico ballet me fazem dar um passo atrás, a praça sumiu. Não vi o fotografo “lambe-lambe”, não vi o táxi do “Seu” Maroto. O imponente mercado, demolido pela falta de compromisso com a historia, pela falta de visão no futuro, poderia ser hoje um impressivo centro cultural, uma escola de artes, um maravilhoso museu. Descendo a Carlos Gomes me lembro do “O Caneteiro”, minha primeira Parker 51, do palácio da borracha. Sigo em direção a matriz. O prédio dos correios me parece o mesmo, a praça da matriz me parece familiar porem la não estão mais a fonte, o imenso viveiro com colibris, a feira de arte com trabalhos do Godofredo, do Wanderlino, as cores, os cheiros, o clima alegre de uma manha de domingo. Uma bela surpresa, o corredor cultural, os maravilhosos casarões. Por aqui existiu um dia o Educandario Padrão Gonçalves Figueira. De tao efêmera existência que poucos já ouviram falar. Fui aluno acho que no primeiro ano, me lembro dos uniformes de nylon marron, das aulas de D. Yvonne, Prof. Krupp. Subo a Simeão Ribeiro, a ZYD7 se foi, o vesperal D7 no antigo Cine São Luiz com titio Bira e Gelson Dias silenciados para sempre. Penso nos domingos distantes, os jogos do Cassimiro de Abreu, do Ateneu, os chutes do Elizio, as defesas do Ozias, as peladas no Industrial, o YPE. O orgulho de ter treinado no time do técnico Bonga, a decepção de descobrir que jogar futebol não era meu forte. Memorias, boas lembranças. Ainda tenho tempo de subir a Mestra Fininha e caminhar pela nossa escola “normal”, E.E.P. Plínio Ribeiro por batismo. O prédio parece o mesmo, mas como que existindo em uma outra dimensão, outra realidade; não existem mais a matemática do Rametta ou a química do Prof. Simeão Ribeiro, os beijos da Fátima ou Marli, o grêmio estudantil, o jornal V.O.C.E., o Dentinho, o Flávio, a emocionante interpretação de Liege na peça VOMUPOPONO; tambem não estão mais nos corredores os supostos contatos com a guerrilha urbana, VAR-Palmares, Lamarca e nem tao pouco os agentes do SNI. Porque hoje é sábado. As cidades como nos, nascem, crescem, se modificam, se transformam ou são transformadas. Quando estamos longe, perdemos a cadencia, o passo a passo, o virar de cada pagina; é como se lêssemos somente a ultima pagina de cada capitulo em um livro, uma sinfonia com três acordes; fico com a sensação de que estou perdendo alguma coisa. Porque hoje é sabado e depois de amanha voarei de volta para Boston. Acho que estou ficando velho, bons tempos... bons tempos.
Jose Bernardino Nascimento Filho Montes Claros, 30 de Março de 2013
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